Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O problema é o modelo, não o ritmo

A lentidão na introdução da TV Digital no Brasil vem preocupando seriamente governo e emissoras. Sinal disso foi o destaque dado pelos telejornais do maior grupo de televisão do país, a Rede Globo, na segunda-feira (17/6), à entrada do sinal digital de sua emissora no Rio de Janeiro. Nas notícias, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, reiterou a promessa de conversores a preços populares informando que um protótipo estaria disponível no mercado a 230 reais a partir do mês de julho.


No entanto, para especialistas consultados pelo Observatório do Direito à Comunicação, a explicação para a falta de popularidade da TV digital não está no ritmo da entrada em operação das emissoras ou no preço dos conversores, mas no modelo adotado. ‘A TV digital não é interessante para o usuário porque é um investimento muito grande para não ter nada diferente daquilo que já é oferecido pela TV analógica’, explica César Bolaño, professor da Universidade Federal de Sergipe e autor de livro sobre o tema.


A semelhança com o analógico se dá pelo fato de o modelo digital brasileiro ter optado pela lógica de canal ao invés da de programação. No lugar de permitir a veiculação simultânea de uma programação em formato digital até que a transição de modelos fosse completa, o governo optou por destinar um canal adicional. A diferença e o grande problema é que uma programação digitalizada pode ser transmitida usando muito menos espaço do espectro radioelétrico, mas o que as emissoras ocupam hoje é uma faixa equivalente ao que é usado para transmitir com a tecnologia analógica – 6 MHz –, o que significa algo como quatro ou cinco vezes mais do que o necessário.


Nesta lógica, a possibilidade de ampliar o número de programações no espaço do espectro eletromagnético, opção possível com a digitalização, foi desprezada pelas emissoras comerciais. ‘A gente compreende que isso é inerente ao modelo comercial na medida em que para fazer multiprogramação elas teriam que dividir bolo publicitário em quatro canais e isso não é da dinâmica capitalista’, analisa Tereza Cruvinel, presidente da Empresa Brasil de Comunicação.


Mesmos canais e sem interatividade


Para o professor da PUC do Rio de Janeiro, Marcos Dantas, este quadro faz com que as emissoras comerciais de televisão estejam apenas preocupadas em acelerar o processo sem compromissos com o aproveitamento de novas potencialidades que a tecnologia viabiliza, como a interatividade. A ânsia para agilizar a transição contribui para aprofundar este processo, uma vez que seu principal desafio, o barateamento dos conversores, só será obtido à custa da retirada de qualquer nova funcionalidade que encareça seu custo de produção.


Assim, os protótipos prometidos pelo ministro das Comunicações a 230 reais serviriam apenas para converter o sinal e gerar uma melhoria na qualidade da imagem. ‘Se não tiver um aparelho de televisão bom, a diferença não será tão significativa assim. Quem quer melhorar imagem da recepção deve estar mais preocupado em mudar o televisor do que comprar conversor para assistir na televisão antiga que possui’, argumenta César Bolaño.


Além disso, acrescenta o professor, com o ‘mais do mesmo’ da TV digital, as pessoas de maior renda, que geralmente dão escala às inovações tecnológicas ao adquiri-las enquanto seus preços ainda estão altos, dificilmente vão comprar a nova tecnologia agora, devendo optar pela TV a cabo ou por satélite que, afinal, ofertam mais canais.


Outra funcionalidade além da multiplicação de canais, a interatividade, continua na gaveta. ‘O Ginga teve que voltar para a prancheta, por conta de sua parte conhecida como Ginga-J. E não há previsão para que set top boxes saiam das fábricas com o Ginga embarcado’, conta Gustavo Gindre, do Intervozes. De acordo com Moris Arditti, do Fórum SBTVD, o software Ginga está totalmente especificado, mas o desenvolvimento não está pronto ainda. ‘O que o Fórum fez foi uma parceria com a Sun [empresa de software] para fazer o desenvolvimento do Ginga-J e, assim, definir que o custo do licenciamento seja bem mais acessível’, diz.


Ele prevê que, até o final do ano, algumas máquinas com interatividade já estejam nas prateleiras, mas lembra que, por conta dos aplicativos, da memória adicional e dos licenciamentos o preço desses conversores será mais alto. O risco já apontado nas discussões sobre a escolha do padrão tecnológico é criar duas categorias de telespectadores: os da ‘caixinha barata’, famílias de baixa renda que terão um conversor apenas para conseguir receber o sinal digital sem qualquer diferença em relação ao televisor comum, e os da ‘caixinha incrementada’, pessoas com renda alta que poderão comprar set top boxes mais caros e com funcionalidades adicionais.


Caso isso se confirme, inverte-se a lógica do interesse público. O acesso à TV digital volta-se para garantir o modelo de exploração das emissoras ao invés de servir aos interesses da população, distribuindo de forma democrática as funcionalidades da nova tecnologia.

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Do Observatório do Direito à Comunicação