Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os governos e a web 2.0

Embora seja cada vez mais comum órgãos públicos e outros entes estatais usarem os recursos da rede mundial de computadores, as possibilidades de interatividade e instantaneidade criadas pela chamada ‘web 2.0’ parecem multiplicar o interesse dos cidadãos em relação à presença do Estado no mundo digital. Há um mês, a estréia do Blog do Planalto foi uma demonstração do grau de curiosidade da população em relação a estes instrumentos. Mal entrou no ar, o site criado pela Secretaria de Comunicação Social do governo federal caiu por excesso de conexões. Foram registradas 6 mil visitas por minuto.


O episódio mostra que a mudança gradual nas estratégias de uso governamental da internet gera, ao mesmo tempo, dúvidas em relação às intenções dos governantes e a expectativa de que estas ferramentas ampliem a transparência e a participação nas decisões governamentais. Afinal, a internet e as opções da web 2.0 facilitam o acesso às informações públicas? Abrem um canal mais direto de contato com o cidadão comum? Incentivam a participação das pessoas na elaboração de políticas públicas? Tem-se, enfim, um instrumento que serve de retorno sobre a eficácia de políticas governamentais ou a internet é apenas mais um veículo de propaganda dos governantes?


Para Sivaldo Pereira, doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), o uso da internet pelo Estado brasileiro não está focado na interatividade. ‘Em primeiro plano, os portais têm hoje uma função muito mais de expor informação do que de interagir com os cidadãos. Em segundo plano, servem como canais de prestação de alguns serviços (como emissão de documentos, cadastros, etc.). Em raríssimos casos há o uso de ferramentas como chat, fóruns de debate online ou votação via internet’, avalia Pereira, que estuda como o Estado faz uso da interatividade digital.


O Blog do Planalto, por exemplo, não tem espaços para que os internautas deixem seus comentários. A equipe responsável pelo site afirma, na seção ‘Sobre o blog’, que ele é um espaço para ‘compartilhar informações sobre o cotidiano da Presidência da República’. A opção por não abrir o site a comentários dos leitores causou tal estranhamento que, apenas três dias depois da estréia do site oficial, usuários da internet criaram uma versão alternativa que reproduz o conteúdo do blog com espaço para interatividade.


Caso de sucesso


Como se vê, a idéia de que a internet deixe de ser utilizada apenas como canal de transmissão de notícias do governo para ser também um espaço com foco na participação do cidadão ainda precisa ser apreendida tanto pelos governos como pela população. Experiências como a da reformulação da Lei Rouanet pelo Ministério da Cultura, que contou com uma consulta via internet aberta ao público, ainda são consideradas inovação e não regra.


‘As ferramentas de interatividade precisam ser implantadas em paralelo com o fomento de uma cultura cívica de apropriação disso’, lembra Sivaldo Pereira. O pesquisador ressalta também que é preciso considerar a dificuldade de acesso à internet ainda enfrentada pela grande maioria da população brasileira. ‘Realizar uma democracia via internet com grandes contingentes de cidadãos que não têm acesso pode reforçar as desigualdades já existentes. Isso não quer dizer que é preciso incluir digitalmente para depois desenvolver ferramentas de interatividade: é preciso ver a inclusão digital e a interatividade como parte de uma política de democracia participativa integrada.’


As práticas de interatividade também precisam ser uma política de Estado e não uma política de governo que pode mudar com o humor dos governantes. Para Pereira, a internet definitivamente entrou na estratégia de publicidade governamental, mas isso não significa, necessariamente, que o ambiente digital sirva apenas à propaganda política. ‘Embora haja muita propaganda nos portais, há também muita informação útil e muitos dados que podem ajudar a tornar o Estado hoje bem mais transparente do que era há 20 anos.’


Apesar de a exclusão digital marcar a realidade brasileira, o crescimento do número de acessos à internet e também a configuração dos espaços interativos – a exemplo dos blogs – como fontes de informação não podem mais ser desprezados pela comunicação do poder público. Segundo estudo da agência de mídia Universal McCann, já é de 625 milhões o número dos internautas ativos. Destes usuários ativos, 63% têm ou já fizeram perfil em sites de relacionamento, 29% afirmam manter blogs na internet e 71% declararam buscar informações em blogs.


Um dos grandes exemplos mundiais no uso dessas ferramentas é o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. A utilização do Twitter – uma espécie de blog no qual as pessoas podem postar pequenas notícias – por Obama durante as eleições presidenciais dos EUA acabou por popularizar a ferramenta em todo o mundo. Ao ser eleito presidente, o blog do então candidato passou a ser o Blog da Casa Branca. Essa experiência, considerada um caso de sucesso no mundo das estratégias de comunicação política, passou a ser adotada em mais países e também em diferentes esferas de governo, como os governos estaduais e municipais. No Brasil, esse fenômeno já começa a se desenhar em algumas esferas do poder público, mas principalmente no Poder Executivo.


Ferramentas interativas


Curiosamente, a versão brasileira de comunicação presidencial recorre, ao mesmo tempo, à internet 2.0 e à imprensa tradicional. Além do Blog do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a ter também uma coluna semanal em jornais regionais. A opção pela criação do blog considerou, especialmente, o fortalecimento da internet como fonte de informação prioritária para uma determinada parcela da população, principalmente os jovens.


A diversificação da estratégia de comunicação do Planalto, incluindo a internet, deve-se também à criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a incorporação dos veículos que antes faziam a comunicação do Palácio do Planalto – como a Radiobrás e a Agência Brasil – em um sistema que se pretende público e que agora tem a intenção de se manter distante do governo.


Além da Presidência, também os ministérios, empresas públicas e autarquias federais desenvolvem outras iniciativas a partir das plataformas digitais. Um exemplo de interatividade, mas também de polêmica, foi a criação do Blog Fatos e Dados pela Petrobras, em junho.


Alvo das atenções da oposição no Congresso Nacional, que pregava a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão da empresa, a assessoria de comunicação da Petrobras optou por fazer um blog para apresentar diretamente à população as informações geradas por seus profissionais e evitar edições desfavoráveis por parte da imprensa.


O blog dividiu opiniões. Foi considerado por alguns como uma inovação, uma prática democrática, e por outros foi acusado de tentar intimidar jornalistas ao publicar na íntegra as entrevistas concedidas por representantes da estatal à imprensa. Fato é que o blog atingiu, nos seus primeiros dias de vida, números que superavam os 20 mil acessos diários e passou a ser mais uma fonte de informação sobre o processo que envolvia a estatal.


O Ministério da Cultura (Minc), por sua vez, também fez uso das ferramentas interativas. O blog criado com intuito de discutir e construir coletivamente o novo projeto da Lei Rouanet ficou no ar por seis meses. Nesse período, teve 70 mil acessos e a consulta foi considerado um sucesso.


Fraudes


Assim como boa parte dos processos que envolvem inovações tecnológicas, a web 2.0 ainda traz uma série de problemas que, na perspectiva da comunicação pública, deixam de ser simples brincadeira e passam a ser fraudes com conseqüências de difícil solução. Como os sites de relacionamento são abertos, bem como a criação de um blog ou de um Twitter, multiplicam-se os perfis falsos de pessoas públicas.


Na página da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, uma nota alerta para um perfil falso do presidente Lula no Twitter. Também já se identificou plágio do blog Fatos e Dados da Petrobras, e várias outras denúncias de perfis falsos são feitas na internet.


Os criadores do Twitter, por exemplo, já anunciaram que vão lançar uma nova página inicial que explique melhor para que serve a ferramenta que, segundo Biz Stone, co-fundador do serviço, deve dar notícias em tempo real.


Em se tratando de ferramentas utilizadas pelo poder público, as páginas oficiais, que são mais dificilmente copiadas, podem alojar ou indicar o link correto para os referidos endereços evitando as falsificações.