Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Os inimigos da transparência

Por acordo de líderes, não foi a exame no plenário do Senado, na terça-feira (24/5), o projeto de lei número 41, de 2010, a Lei Geral do Acesso à Informação. Trata-se de mais uma tentativa de regulamentar dispositivos da Constituição de 1988 que aparecem bonitos no texto, mas não têm efeito prático algum. Este, em especial, trata dos “procedimentos a serem observados pelos órgãos públicos para garantir o acesso à informação previsto na Constituição”, de acordo com a ementa do projeto.

O texto regulamenta critérios de sigilo aplicáveis a documentos oficiais e o acesso a informações públicas de todos os poderes e esferas de governo. É matéria cuja aprovação significa avanço considerável do direito à informação no Brasil. Prevê providências como a obrigação de os órgãos públicos informarem na internet sua estrutura organizacional, suas despesas e processos licitatórios. Estabelece prazo de 20 dias para responder aos pedidos de informação e estipula punição ao servidor que se negar – injustificadamente – a fornecê-la.

Trâmite espinhoso

O projeto foi aprovado na Câmara estava pronto para ser votado no Senado em sessão de 3 de maio, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, mas ficou retido na comissão presidida pelo senador Fernando Collor de Mello.

Um acordo de líderes aprovou requerimento de urgência para que a votação ocorresse na quarta-feira (18/5), mas outra vez o senador Collor brecou a tramitação. Ele pediu prazo para negociar emendas que pretende propor. Estas, se acatadas, obrigarão o projeto a voltar à Câmara para ser rediscutido, como manda o regimento.

Resistência do Itamaraty

A imprensa abandonou a cobertura do assunto no final de abril. Noticiou-se, então, a intenção da presidente Dilma Rousseff de ver o texto aprovado em 3 de maio. Mencionavam-se resistências do Ministério da Defesa – repressão política foi exercida durante a ditadura por militares em instalações militares, o que incluiu torturas, assassinatos e “desaparecimentos” − e do Itamaraty, que estaria preocupado com a abertura dos arquivos da Guerra do Paraguai (1864-1870) e de documentos relativos às relações com a Bolívia. Em 1903, como se sabe, esse país perdeu para o Brasil o atual estado do Acre.

O Ministro da Defesa, Nélson Jobim, declarou que a pasta não opõe qualquer restrição ao texto enviado pela Câmara ao Senado. A resistência efetiva, comenta-se em Brasília, viria do Itamaraty, e não apenas devido às relações com Paraguai e Bolívia, mas principalmente em função do envolvimento do Ministério das Relações Exteriores na Operação Condor, que uniu na troca de informações e na repressão as ditaduras de Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai, Chile e Bolívia.

O punho e a renda

Esse capítulo sombrio da história da diplomacia brasileira é o pano de fundo político do romance O punho e a renda, publicado em 2010 pelo diplomata aposentado e escritor Edgard Telles Ribeiro. No livro, diplomatas colaboram com militares dos chamados “órgãos de informação” na perseguição a exilados.

Outro processo ficcionalizado por Telles Ribeiro é o de negociações secretas relativas a contrabando de material sensível, no contexto do acordo nuclear Brasil-Alemanha, do qual resultou a construção das usinas de Angra dos Reis.

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, no ensaio “Do alinhamento recalcitrante à colaboração relutante: o Itamaraty em tempos de AI-5” (Tempo negro, temperatura sufocante – Estado e sociedade no Brasil do AI-5, org. por Oswaldo Munteal Filho, Adriano de Freixo e Jacqueline Ventapane Freitas, 2008), menciona, entre outros episódios, o papel do Ministério das Relações Exteriores na invasão da República Dominicana, promovida em 1965 pelos Estados Unidos com a participação de tropas de diversos países, Brasil inclusive, e, ao longo de vários anos, um esforço sistemático junto a países escandinavos para impedir que o Prêmio Nobel da Paz fosse concedido a D. Hélder Câmara, adversário do regime militar.

Collor, Sarney

Outra fonte de resistência é o próprio relator Fernando Collor. Ele estaria preocupado com documentos do período em que foi presidente da República (1990-1992). Soma-se ao grupo dos obstrucionistas o presidente do Senado, José Sarney, igualmente ex-presidente da República (1985-1989).

Sarney não fez nada para acelerar a tramitação da lei, e, segundo a Agência Senado, apoia a proposta, feita por Collor, de que seja formado um conselho de ex-presidentes da República “para colaborar [com a presidente Dilma Rousseff] na decisão sobre os níveis de acesso a informações sigilosas de documentos oficiais”.

Em bom português, o nome disso é manobra diversionista. Dá bem a ideia do poder da resistência a um projeto democrático.

Com a colaboração de Mauro Malin

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