Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os paradoxos no debate da regulação da mídia

O novo debate sobre uma eventual Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa no Brasil começa a acontecer. A criação do Grupo de Trabalho Interministerial, a recente entrevista do assessor da Casa Civil, André Barbosa, publicada na Tela Viva de maio e, sobretudo, o no 23º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, promovido em Brasília pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), recolocaram o assunto na agenda do setor.

Dentre os diversos atores interessados na questão certamente os radiodifusores têm sido historicamente aqueles com maior capacidade de mobilização em torno da defesa de suas posições. Creio, todavia, que eles se encontram agora, no mínimo, em situação pouco confortável.

Artigo do presidente da Abert, José Inácio Pizzani, publicado na Gazeta Mercantil (18/5) expressa a posição dos radiodifusores. Ele alerta para os riscos da convergência tecnológica – vale dizer, da possibilidade de uma única tecnologia transmitir (distribuir) conteúdos de voz, vídeo, dados e textos; identifica os interesses privados dos radiodifusores na produção de conteúdo com os interesses nacionais (públicos); e defende a necessidade de regulamentação das empresas de telecomunicações que estão ‘extrapolando seus limites e avançando sobre a comunicação social’.

A mesma posição já havia sido defendida recentemente por Roberto Irineu Marinho, das Organizações Globo, também em entrevista na Tele Viva: é preciso regular as empresas de telefonia.

A ação legislativa correspondente a essas posições já está em andamento por meio de dois projetos: uma Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo senador Maguito Vilela (PMDB-GO) no Senado Federal e um projeto de lei do deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE) que tramita na Câmara dos Deputados.

Os radiodifusores, que sempre foram contra qualquer regulação de sua atividade, agora concordam com a necessidade de regulação. Mas só daquelas que, em função do desenvolvimento tecnológico, emergem como suas principais concorrentes: as empresas de telefonia. A regulação que interessa aos radiodifusores é aquela que não interfira no ‘modelo brasileiro de radiodifusão’ e que, além disso, limite a atuação de seus concorrentes potenciais. Em outras palavras, uma legislação que garanta que sua atividade continue a ser desenvolvida com riscos mínimos.

Oportunidade de ouro

A utilização de diferentes argumentos conforme a conveniência dos interesses em jogo não é novidade no setor. É de conhecimento geral que, quando se discutia a criação de uma linha de crédito público para a mídia no BNDES, empresários do setor justificavam tal procedimento por parte do governo federal exatamente por ser a mídia uma atividade econômica como qualquer outra. Chegou-se mesmo a comparar a mídia com a produção de sabonetes.

Quando se discute, no entanto, a necessidade de alguma forma de regulação dessa atividade econômica – como foi o caso recente das propostas de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Ancinav – o setor refugia-se nos contra-argumentos da censura, da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa para impedir a alteração do seu status quo.

Vivemos um momento de transição nas comunicações. A convergência tecnológica, a entrada de novos atores (global players) no mercado, sobretudo em decorrência da privatização das telecomunicações, e a avassaladora concentração da propriedade, que ocorre em nível mundial, são os componentes mais visíveis dessa transição.

Configura-se, por outro lado, uma ocasião ímpar de que se avance no sentido da consolidação do direito à comunicação e, portanto, no acesso à mídia daqueles grupos que historicamente não têm sua voz nela representada.

É fundamental que – assim como os radiodifusores e suas posições contraditórias – outros atores tenham seus interesses levados em conta no debate sobre uma Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa. O país não pode perder mais essa oportunidade de avançar no sentido da democracia também nas comunicações.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)