Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Outro exemplo de cobertura equivocada

Uma semana depois de Veja e Época apresentarem amplas reportagens sobre corrupção — analisadas na última edição do OI —, foi a vez da IstoÉ dedicar capa ao assunto. Da mesma forma que as rivais das editoras Abril e Globo, a semanal da editora Três derrapou feio.

A matéria da IstoÉ, assinada por Leonel Rocha e Amaury Ribeiro Jr. e intitulada ‘Riqueza Clandestina’, é na realidade um amontoado de acusações sem comprovação factual contra seis servidores públicos. Os repórteres conseguiram informações de algum integrante da força-tarefa formada por membros da Controladoria Geral da República, Polícia Federal e Ministério Público Federal sobre as investigações que estão sendo realizadas pelo grupo em relação a cerca de 400 servidores suspeitos de terem declarado à Receita Federal patrimônio e rendimentos incompatíveis com a movimentação de suas contas-correntes, aqui e no exterior.

O primeiro erro grave da reportagem é tratar como acusados de crimes de corrupção gente que está sendo investigada — e, portanto, é apenas suspeita de ter cometido algum ilícito. Além disso, em todos os casos apresentados, e ao contrário do que a matéria deixa a entender, a suspeição não é necessariamente de corrupção, pois o suposto crime cometido pelos funcionários poderia ter sido o de sonegação fiscal, o que não é menos grave, mas é algo bem diverso de corrupção.

Ajuda aos corruptos

A reportagem também comete erros quase infantis: um dos personagens da matéria é o presidente da Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago, que, segundo a IstoÉ, também seria secretário do Livro e Leitura do Ministério da Cultura. Seria, se o cargo existisse. Os autores da matéria simplesmente não se deram ao trabalho de checar a existência da secretaria, que não consta do organograma do ministério.

Conforme nota oficial divulgada pelo ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, este não foi o único erro cometido pela reportagem. Outra personagem da matéria, a antropóloga Cecília Londres, não tem nenhum vínculo formal com o ministério e não é consultora do ministro Gilberto Gil, ao contrário do que diz IstoÉ. E ainda sobre Corrêa do Lago, a reportagem afirma que ele recebeu de Gil a incumbência de comprar ‘todos os livros para o ensino público do país’. O problema é que o ministro Gilberto Gil de fato não poderia lhe destinar a tarefa, pois quem lida com compras de livros para o ensino público não é o Ministério da Cultura, mas o da Educação. Outro erro grotesco, que compromete a credibilidade da reportagem.

Tudo somado, a verdade é que a matéria da IstoÉ, como as de Veja e Época na semana anterior, mais ajudam do que atrapalham os verdadeiros corruptos, uma vez que confundem o público e não contribuem em nada para o debate das reais causas do fenômeno no Brasil, que passam pela enorme desigualdade econômica do país, cenário que permite o florescimento de corruptores e corrompidos.