Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

PAC fica devendo projeto de inclusão digital

Setores da sociedade envolvidos com a democratização da comunicação avaliam que o Plano de Aceleração de Crescimento anunciado pelo Planalto é insuficiente quanto ao estímulo à inclusão social pela digitalização dos meios de comunicação.

Há pouco mais de um ano, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) lançou um manifesto motivado pela definição do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), então em fase de estudos. O Fórum se posicionou sobre a digitalização, considerando-a como um processo de decisiva importância para a determinação da cultura nacional, da produção audiovisual, da democratização da comunicação, da cidadania e do desenvolvimento sustentado. Sustentou que a digitalização representava mais do que uma nova tecnologia. ‘Trata-se de uma oportunidade histórica, em virtude da inovação científica e tecnológica, de equipararmo-nos todos. De passarmos, nesse setor, a competir de igual para igual com os países desenvolvidos e suprimirmos nossas deficiências em estágios anteriores do desenvolvimento econômico’, dizia o FNDC.

O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado pelo governo federal recentemente, trouxe medidas para a área de infra-estrutura do País que contemplam a promoção do desenvolvimento tecnológico dos setores da TV digital e de semicondutores. Porém, não traz em seu texto planos relacionados à inclusão possibilitada pela TV digital. Basicamente, o programa estimula a pesquisa, desenvolvimento e produção dos equipamentos aplicados à TV digital, exceto os set top boxes (conversores para sinal digital), que contarão com os incentivos da Zona Franca de Manaus, e de bens de microeletrônica (semicondutores).

Os benefícios constam da isenção de IRPJ (microeletrônica), redução à zero das alíquotas do IPI, do PIS, da COFINS e da CIDE incidente sobre a venda de equipamentos transmissores de sinais e as vendas de semicondutores e displays, e sobre a aquisição de bens de capital e as transferências para aquisição de tecnologia e softwares. O PAC também amplia os limites do valor de venda a varejo de microcomputadores e notebooks beneficiados com alíquota zero de PIS e COFINS, cujos limites atuais de R$ 2,5 mil e R$ 3 mil, respectivamente, passarão para R$ 4 mil, em ambos os casos.

Limitações

Durante a semana, através da imprensa especializada, surgiram várias manifestações de representantes do setor de telefonia e de especialistas, considerando que os incentivos previstos no PAC são limitados. Segundo o coordenador-geral do FNDC, Celso Schröder, as medidas anunciadas no plano do governo para a TV Digital estão plenamente de acordo com o ponto de vista da manutenção do modelo de negócios da televisão aberta brasileira. Para Schröder, desde que o governo decidiu-se pelo padrão japonês, privilegiando em sua decisão os fatores tecnológicos, nada mais coerente do que lançar, agora, políticas que contribuam neste sentido. ‘A articulação e o projeto [do governo para a TV digital] são tímidos para a dimensão que uma planta dessas representa, que é muito maior do que o mercado de um só país’, avalia.

O documento lançado há um ano pelo FNDC estimava que, para o campo democrático, a digitalização da televisão poderia ser uma possibilidade inédita de romper com a monopolização e a oligopolização do mercado de radiodifusão no Brasil, ‘abrindo uma fase extremamente dinâmica para a competição e o estabelecimento de novos atores’.

Representantes da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) criticaram a ausência de incentivos ao setor, no PAC, que não contemplou as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Eles declaram à imprensa, durante a semana, que a entidade vai procurar sensibilizar órgãos do governo no sentido de construir uma diretriz política interna a favor da inclusão digital.

Para o vice-presidente da Telebrasil, José Fernandes Pauletti, a população precisa aprender a utilizar os serviços do governo com base nas TICs – através da internet – para educação, saúde e segurança. Mas deve haver vontade política do governo de adotar essas tecnologias para aumentar a quantidade e a qualidade da prestação se serviços. Pauletti citou o exemplo do Network Readness Index (NRI), um serviço que classifica os países pela infra-estrutura de sua rede (considerando o preparo da população, do serviço público e do governo), e que foi utilizado no Fórum Econômico Mundial para medir quanto a economia de um país está preparada para se beneficiar dos desenvolvimentos das TICs. O Brasil ocupa 39º lugar. Segundo Sílvio Genesini, diretor estatutário da Telebrasil, ‘o uso intensivo da TICs pelo governo tem um efeito alavancador ainda mais poderoso do que outras medidas consideradas mais concretas’. Conforme matéria do informativo Telebrasil em Foco, dia 29/1, José Fernandes Pauletti considerou que o governo poderia estar com um conceito de infra-estrutura – energia, petróleo, estradas – ultrapassado.

Voz comum

O FNDC destacou, no manifesto publicado há um ano, a retroalimentação entre a democratização da comunicação, suscitada pela digitalização – através da oferta de interatividade, multisserviços, multiprogramação – o desenvolvimento do mercado de bens eletrônicos de consumo, e a geração de emprego e renda. ‘Há, entre a democratização da comunicação social, a convergência das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) e o desenvolvimento da economia nacional, um estreito enlace. Trata-se de uma nova economia, de uma nova indústria, que alguns denominam como ‘indústria do conhecimento’, apontava o texto.

A Telebrasil defende existência de ‘uma voz comum’ para os órgãos de classe e as associações que representam o setor da TICs, para construir, com o governo, uma plataforma ampla e unificada. O já citado manifesto lançado pelo FNDC, observa que a base objetiva para o avanço da democratização pode ser fornecida pela confluência tecnológica e a possibilidade de interatividade entre emissor e receptor nela contida. ‘Dependendo do contorno desse processo, se decidirão as bases para o exercício da democracia, da soberania e da inserção internacional do Brasil no Século XXI’, projetava o Fórum.

Para o consultor em políticas de comunicação Israel Bayma, se o PAC não inclui o setor de telecomunicações, isso mostra principalmente que o Ministério das Comunicações (Minicom) não participou efetivamente neste sentido. ‘É sinal que o ministério não formulou seu conjunto de contribuições para colaborar com o projeto’, sustentou. Ele pondera, entretanto, que a inclusão digital também é obtida através de investimentos na área de infra-estrutura (objeto do PAC). Bayma avalia que o texto do Plano poderia orientar para o equacionamento sobre o uso do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), mas não o fez.

Quanto à desoneração ICMS para as empresas de telecomunicação, considera, ‘este é um assunto que deve ser tratado pelos estados, e não pelo governo federal’. Assim como o FNDC em seu documento, o consultor não considera aceitável legitimar a TV digital no País sob o ponto de vista do desenvolvimento tecnológico e da indústria eletroeletrônica. ‘O Plano contribui, mas não viabiliza exatamente a inclusão. Espero que este PAC seja apenas um primeiro programa, que ainda receba contribuições da sociedade e que possa conter detalhes de inclusão social’, afirmou.

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Da Redação FNDC