Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para MPF, não houve cartel

O processo de investigação por formação de cartel envolvendo as emissoras de TV e os principais clubes de futebol do país, organizados no Clube dos Treze e Clube dos Onze, está praticamente pronto para deliberação pelo tribunal concorrencial brasileiro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O último parecer sobre o caso, do Ministério Público Federal (MPF), foi apresentado na terça-feira (24/8), aos conselheiros do Cade. A análise, no entanto, vai em sentido contrário ao da avaliação feita pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, responsável pela montagem do inquérito, com relação à formação de cartel entre a Globo e os times de futebol na comercialização dos direitos de transmissão de jogos do Campeonato Brasileiro.


O procurador regional da República Marcus da Penha Souza e Lima, representante do MPF no Cade, sugeriu que as emissoras de televisão, o Clube dos Treze e o Clube dos Onze sejam absolvidos da acusação feitas pela SDE de formação de cartel e outras práticas anticoncorrenciais, especialmente com relação ao uso de cláusulas de exclusividade nos contratos firmados entre a Globo e os clubes de futebol. Nas palavras do procurador, as empresas devem ser absolvidas da ‘acusação de prática anticompetitiva consistente na colusão para a venda dos direitos de transmissão’. Lima declara ainda que é ‘lícita a utilização de cláusula de exclusividade nos contratos assinados’.


Sem preferência


Com relação à cláusula de preferência, que dá à Globo o direito de cobrir a oferta de concorrentes na hipótese de renovação dos contratos, no entanto, a sugestão do MPF foi pela condenação. Mesmo considerando a argumentação apresentada pela Globo de que o instrumento é legítimo para assegurar o retorno dos investimentos feitos pela emissora com a compra dos jogos, o procurador entendeu que a prática teve efeitos anticoncorrenciais. Isso porque a Globo acabou ficando ao menos nove anos com direito exclusivo de transmissão dos jogos sem que o Clube dos Treze sequer fizesse, de fato, uma concorrência pública para buscar outros interessados. Tudo embasado no direito de cobertura da oferta concedido à Globo pela cláusula de preferência.


Por isso, o procurador entendeu que houve um ‘extrapolamento da função eficiente da cláusula, cujo conteúdo tem cunho anticoncorrencial’. Assim, Lima sugere em seu parecer a condenação da Globo e do Clube dos Treze por ‘limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa’ ao usar a cláusula de preferência. A emissora e os clubes também são acusados de impedir o acesso de novas empresas no mercado e criar dificuldades ao desenvolvimento de concorrentes.


O MPF sugere ainda a condenação da Globo por mais uma prática anticompetitiva listada na Lei do Cade (8.884/94): a de ‘impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologias, bem como aos canais de distribuição’. Por fim, o procurador pede que seja aberto um novo inquérito para analisar se a prática de venda dos direitos de transmissão para TV aberta, TV fechada e pay-per-view em um único pacote é lícita caso as emissoras e os clubes desportivos não concordem com o novo sistema de comercialização sugerido pela SDE.


Três pacotes


A negociação conjunta dos direitos de transmissão para essas três plataformas, no entendimento tanto da SDE quanto do MPF, beneficia apenas a Globo, único grupo que seria capaz de atender esse requisito contratual. Por isso, o procurador Lima conclui que ‘a venda conjunta das mídias parece flagrantemente anticoncorrencial’ e acabou concordando com a sugestão apresentada pela equipe do Ministério da Justiça de adoção de um novo regime de venda dos jogos. Também propõe que a cláusula de preferência não seja mais adotada nos contratos futuros.


Estudo sobre prazos e vigências


O MPF recomendou que seja produzido um estudo para averiguar qual o prazo ideal para a vigência dos contratos, medido por temporadas. A SDE sugeriu que se adotasse um limite de quatro temporadas. Contudo, campeonatos em outros países, como o italiano e o espanhol, têm seus direitos de transmissão vendidos em pacotes menores, de dois e três temporadas, respectivamente. Por isso, o procurador entendeu que há a necessidade de uma perícia técnica para fixar com precisão qual o tempo de vigência necessário para assegurar o retorno dos investimentos feitos pelas emissoras na compra dos direitos do Campeonato Brasileiro de Futebol. Por ora, o MPF sugere a venda dos direitos em contratos de três temporadas.


Caso as sugestões da SDE e do MPF, com relação a quebra dos pacotes atuais de transmissão de jogos sejam acatadas, a comercialização será feita em três pacotes, da seguinte forma:


** Um pacote para os direitos de transmissão ao vivo das partidas de quartas-feiras e domingos, no máximo um jogo por praça em cada rodada;


** Um pacote para os direitos de transmissão ao vivo das partidas de quintas-feiras e sábados, no máximo um jogo por praça em cada rodada;


** Um pacote para os direitos de transmissão dos melhores momentos das partidas já realizadas.


Caso as empresas envolvidas no processo não concordarem com o método de comercialização, o MPF sugere que seja aberto novo processo administrativo para avaliar eventuais efeitos anticompetitivos do uso da cláusula de exclusividade nos contratos assinados após 2005. Vale lembrar, mais uma vez, que o MPF por enquanto não vê problema no uso de cláusula, considerada um meio de assegurar o retorno do investimento feito pelas emissoras na compra dos jogos.


Um último detalhe é que o MPF afastou todas as alegações apresentadas pelas emissoras e clubes com relação à nulidade do processo. Os interessados alegam que o processo prescreveu (ele foi aberto em 1997) e que não houve espaço para a livre defesa e para o contraditório na condução da investigação. Apesar de tramitar há 13 anos e o prazo para prescrição ser de cinco anos, o tempo transcorrido para manifestação das partes, investigações periciais, solicitação de documentos e outras ações dessa natureza são desconsiderados para a contagem do prazo.