Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Plínio Bortolotti

‘Já comentei uma vez nesta coluna que jornalistas têm dificuldade de lidar com números; assim, notícias envolvendo dados numéricos, gráficos, estatísticas e pesquisas têm grande possibilidade de sair com erros.

Foi o que ocorreu na edição de terça-feira (27/6): a manchete da página 4 da editoria de Cotidiano foi Cresce número de crimes praticados por adolescentes. O resumo da notícia, baseada em levantamento da Secretaria de Ação Social do Estado, anunciava: ‘Nos cinco primeiros meses deste ano, 17 pessoas foram mortas por crianças e adolescentes, quase três vezes mais do que o registrado no mesmo período do ano passado, com seis ocorrências.’ No início do texto, escreveu-se que as mortes representavam um percentual de ‘183% superior ao registrado no mesmo período do ano passado’.

Olhando-se o quadro publicado com a matéria, verifica-se erro de conceituação: o redator relacionou no texto as seis mortes por latrocínio (roubo seguido de morte) para chegar ao percentual de 183%, não levando em conta os homicídios, que foram 35, somando 41 mortes entre janeiro a maio de 2005. No mesmo período deste ano foram assassinadas 48 pessoas (31 homicídios e 17 latrocínios), um acréscimo de 17,07% no total de mortes, comparando-se um período com outro. Portanto, o número absoluto de assassinatos é maior, mas o percentual é menor do que o registrado pela matéria.

Obviamente, a situação é grave e os números são escandalosos por qualquer aspecto que se olhe: um assassinato já seria motivo suficiente para levantar severa preocupação e questionamentos. Porém, trata-se de dimensionar corretamente o problema e noticiá-lo da forma mais exata e veraz possível. Existem setores da sociedade combatendo o Estatuto da criança e do adolescente e defendendo a redução da maioridade penal – e grupos de direitos humanos e de defesa da criança e do adolescente com visão oposta. Na polêmica entre uns e outros, os números e as notícias são usados para a defesa das respectivas teses, portanto, é importante que a imprensa se esforce para oferecer informações corretas, de modo que o debate se faça sobre dados precisos.

Estatística

Outra escorregada recente com relação aos números apareceu na matéria Desemprego cai e renda do brasileiro cresce 1,3% (editoria de Economia, edição de 23/6). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), autor do estudo, não houve queda do desemprego: foi medida a diferença de 0,2 ponto percentual entre abril e maio deste ano, faixa considerada ‘estável’ pela metodologia usada. Depois, um dado relevante, mostrando o aumento de 7,7% no rendimento médio real dos trabalhadores em um ano (maio 2005/maio 2006) não foi destacado na matéria, aparecendo como um detalhe sem importância no último parágrafo do texto.

Confronto labial

Um quadro do programa Fantástico, no qual a Rede Globo contratou surdos-mudos para fazer a leitura labial do técnico Carlos Alberto Parreira e dos jogadores da Seleção Brasileira, de modo a revelar o que eles falam em campo, provocou crise na emissora e uma discussão que se dividiu em dois campos.

A crise: Parreira sentiu-se ofendido, alegando que sua privacidade fora invadida, gerando um pedido de desculpas da emissora, como anunciou o portal Terra. O editor do Fantástico, Luiz Nascimento, discordou do pedido de desculpas e teria pedido demissão, não aceita pela rede, porém ele deverá deixar a Alemanha, segundo o jornalista Guilherme Fiuza.

A polêmica: de um lado estão aqueles a dar razão a Parreira, achando não ter a imprensa o direito de chegar a tais extremos, como o jornalista Luiz Weis, para quem a Globo cometeu ‘um pênalti’ injustificável ao revelar diálogos que se dão longe dos microfones. De outro, aqueles, como o jornalista Alberto Dines, dizendo que jogadores e técnicos estão ‘num evento público, sujeitos ao escrutínio de câmeras, gravadores ou especialistas em todos os tipos de linguagem – corporal, gestual ou labial’.

De minha parte, entendo que pessoas exercendo funções públicas não podem exigir a mesma privacidade devida aos demais cidadãos. E o leitor, o que acha?

No inferno

De um leitor, recebi a seguinte correspondência: ‘Estão circulando na internet e-mails afirmando que o texto Estamos todos no inferno, de Arnaldo Jabor, seria uma entrevista real com Marcola (Marcos Camacho, apontado como o dirigente da organização criminosa PCC), ou seja, o modo inteligente como são respondidas as questões estão sendo atribuídas ao traficante. Do meu ponto de vista, isso é grave, pois poderia até atrair simpatizantes a esse bandido! Seria interessante se pudéssemos receber um esclarecimento se a entrevista é fictícia ou apenas um texto crítico na visão de Jabor.’

O leitor refere-se ao texto do colunista/cineasta publicado em vários jornais do Brasil, inclusive no O Povo, edição de 23/5, no qual Jabor simula entrevistar um integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC). O texto passou a circular de dois modos da internet: como o leitor relata (uma entrevista ‘verdadeira’ com o criminoso, da lavra do colunista) ou atribuída a ‘um repórter da Globo’. O artigo é mais uma das muitas alegorias que Arnaldo Jabor usa em sua coluna, o que pode levar a confusões desse tipo. Mas ele não é o único a fazer isso; outros usam artifícios parecidos. Elio Gaspari, por exemplo (para ficar nos colunistas de ‘grife’), também publicado por este jornal, costuma psicografar cartas de políticos mortos dando conselhos aos vivos. É uma das encruzilhadas do colunismo: os colunistas são jornalistas ou ficcionistas? Seria bom se os jornais separassem uns dos outros.’