Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Quando a televisão se torna grande

De tempos em tempos, alguns dos poderes mais fortes da televisão saltam aos olhos: o poder de mobilizar e de conscientizar. Em um país com tantas carências, quando as emissoras de televisão se abrem para campanhas que visam a promover transformações, não restam muitas alternativas: aplaudir, para aqueles que apóiam tais campanhas, ou se abster, para aqueles que por qualquer razão sejam desfavoráveis a esse tipo de iniciativa. Entretanto, há algum tempo pichar umas das mais expressivas campanhas de mobilização social através da televisão – Criança esperança (Rede Globo/Unesco) tornou-se um dos esportes favoritos daqueles que insistem em ver a Rede Globo de televisão como a filial do inferno na terra.

A desaprovação de muitas das ações da Rede Globo e, sobretudo, pelo seu vício por hegemonia, é real e nos une em coro quando o assunto é a possibilidade de existir no Brasil uma televisão mais plural, mais regional, mais brasileira, menos global. Entretanto, colocar-se contra a uma das campanhas de mobilização social mais antigas do Brasil é ignorar, deliberadamente, a existência de muitas das razões que nos fazem ainda ser um país de miseráveis, privado de educação, de saúde, de moradia entre tantas outras privações.

Uma visão real do Brasil

É através de campanhas de arrecadação de fundos materiais ou imateriais, como a já mencionada Criança Esperança (Rede Globo), o Dia de Fazer a diferença (Rede Record), o Teleton (SBT), ou em programas – novelas, quadros, reportagens – criados para possibilitar a inserção social que a televisão se torna realmente grande. Acima de tudo, quando possibilita o rompimento de barreiras de exclusão e preconceito e que, também, podem servir de inspiração para muita gente que precisa de um empurrão para começar a dividir, compartilhar ou apenas precisa aprender como enxergar menos as diferenças que nos fazem humanos.

Quase todas as emissoras já contemplam em suas grades programas cujo foco é um Brasil melhor. Programas como o premiado Inclusão (TV Senado), o Programa Especial (TVE Brasil), Jornal Visual (TVE Brasil) buscam um Brasil melhor para pessoas com necessidades especiais. As fontes de inspiração podem ficar por conta das ações e iniciativas mostradas em programas como o Ressoar (Rede Record), o Ação (Rede Globo). E que saudade do extinto Caminhos e parcerias (TV Cultura) que, através de uma visão real do Brasil, nos fazia entender a dimensão dos problemas que não damos conta de enfrentar.

As dimensões das necessidades

Grande novidade do inicio da década é extraordinário o trabalho feito pelas emissoras – neste caso, leia-se Rede Globo – quando o assunto é marketing social. Responsável por pequenas revoluções, sem envolver custos, tem como principais objetivos a mobilização e conscientização dos telespectadores em relação a questões como doação de órgãos, Aids, câncer, preconceito – sexual, racial etc. – e as mais variadas formas de vício: drogas, amar demais e alcoolismo. Entre seus êxitos mais notáveis estão a agilização da votação do Estatuto do Idoso na Câmara do Deputados (Mulheres apaixonadas/Rede Globo) e o aumento recorde de doação de medula óssea (Laços de família/Rede Globo). Entretanto, atualmente, sua importância dentro de uma novela está muito ligada ao autor. E quase como uma questão de estilo, tendo nos autores Manoel Carlos e Gloria Peres seus maiores militantes.

Depois de tudo, que diferença faz se a contribuição parte desta ou daquela emissora? Será que os quase 200 milhões de reais em doações, os 5 mil projetos sociais, os 3 milhões de crianças atendidas, tradução dos 23 anos de campanha Criança Esperança merecem tanta desconfiança? Desconfiança que nunca foi comprovada! Realmente, temos muito que aprender, sobretudo no que diz respeito a entender as dimensões das nossas necessidades. Se alguém quer fazer algo, que faça!

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Crítica de televisão, Brasília, DF