Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Quem tem medo das cotas?

O panorama da TV por assinatura no Brasil está prestes a mudar. Mas qual seria o milagre capaz de baixar o alto preço da mensalidade? O que fazer para elevar o atual patamar de 5 milhões de lares para algo mais próximo da vizinha Argentina, onde 30 milhões de famílias possuem TV por assinatura? Como ter o direito de consumidor respeitado, fazendo com que canais não sumam de uma hora para outra, obrigando o cliente a mudar para pacotes cada vez mais premium e com complicadas cláusulas de fidelidade?

As respostas são duas: regulação e choque de capitalismo. O problema é que nossos capitalistas gostam muito de concorrência para os outros. O Projeto de Lei 29 da Câmara dos Deputados tenta atender à primeira parte da questão. Quanto ao choque, este parece estar acontecendo com a pressão das teles por uma fatia desse mercado. Hoje as companhias de telefonia estão impedidas por lei de vender TV por assinatura, embora a tecnologia o permita. Cada dia que passa mantida a proibição é mais prejuízo.

A interessante discussão levada ao longo de 2007 pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados teve o mérito de apresentar os vários agentes que gravitam em torno desse mercado. Mostrou quem são os produtores independentes de conteúdo audiovisual brasileiro. São empresários que até agora buscam mercado para suas produções fora do Brasil. Não por falta de qualidade, já que produtos brasileiros cada vez mais são vistos em canais como Discovery, National Geographic, ou outros para audiências mundiais em torno de 300 milhões de pessoas. No entanto, suas produções não passam no Brasil porque aqui a televisão exibe tudo o que ela mesma produz dentro de casa.

Riqueza e empregos

O debate também iluminou um pouco o nevrálgico tema das cotas. Ficamos sabendo que nos Estados Unidos, a partir da década de 70, vigorou o ato conhecido como Fin Syn (Financial Interest and Syndication Rules). Os norte-americanos entenderam que a televisão, por já ter o direito de exibição, não podia ser produtora de conteúdo, pois isso criava concorrência desleal com as produtoras que não tivessem canais de exibição. A legislação norte-americana limitou o número de horas que os canais podiam produzir internamente, garantiu ao produtor independente direitos patrimoniais e promoveu a regionalização do conteúdo. Hoje, nos EUA, 70% dos programas são feitos por independentes.

Na Europa, a diretiva ‘Televisão Sem Fronteiras’ exige, desde 1997, que os canais de TV de seus Estados-membros exibam conteúdo europeu na maior parte da transmissão. Isso não inclui notícias, esportes e publicidade. E garante que pelo menos 10% da programação seja feita por independentes. No Canadá, há uma cota de 50% para produção canadense e tudo é feito por produtores independentes, exceto jornalismo. Todos os países que hoje possuem uma indústria audiovisual robusta protegeram seu conteúdo local e por algum tempo ampararam seus produtores com cotas. Isto gera riqueza para um número maior de pessoas. No Canadá, a indústria audiovisual responde por 4% do PIB do país e gera 600 mil empregos.

Por que assustam?

Na iminência de ser votado, o PL 29 prevê três horas e meia de conteúdo nacional por semana e, dessas, escassos 15 minutos diários realizados por independentes. É quase nada. Mesmo assim, pesadas baterias são assestadas contra o texto por canhoneiras diversas. A lei pretende ainda injetar 300 milhões de reais por ano no fomento sem criar imposto, apenas redirecionando 11% da Taxa de Fiscalização do Fistel para o Fundo Setorial do Audiovisual.

A entrada das operadoras de telefonia vai aumentar o mercado consumidor e o estabelecimento de cotas mínimas para a produção independente garantirá um acesso à distribuição que hoje não existe. Cotas não deveriam ser bicho-papão. Por que será que assustam tanto?

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Vice-presidente da ABPI-TV (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Televisão)