Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Repórter americano deixa lições ao jornalismo moderno

Morreu na segunda-feira (23/4), na Califórnia, o veterano repórter David Halberstam, vítima de um acidente de carro. O jornalista tinha 73 anos e ganhou fama no New York Times com sua cobertura sobre a Guerra do Vietnã – ao questionar a posição oficial de Washington de que os EUA estariam vencendo o conflito.


O Times teve que resistir às pressões da administração Kennedy para tirá-lo do país, e ele acabou ganhando o Prêmio Pulitzer aos 30 anos. ‘O momento de que tenho mais orgulho em minha carreira é provavelmente este: outono de 1963, quando eu estava em um pequeno grupo de repórteres em Saigon – e nós havíamos enfurecido Washington e Saigon ao divulgar relatos pessimistas sobre a guerra. Meu colega Neil Sheehan e eu éramos considerados, em particular, o inimigo’, revelou o jornalista há poucos anos, contando do dia em que, após uma batalha em que ele e Sheehan haviam tentado, de todas as formas, conseguir informações, enfrentaram uma estranha coletiva de imprensa do Exército.


‘Imagine você em um pequeno cômodo, do tamanho de uma sala de aula, com 10 a 12 repórteres no meio e, no fundo e do lado de fora, uns 40 militares, todos de alta patente. Era uma clara tentativa de nos intimidar. O general começou dizendo que eu e Neil havíamos incomodado o general [Paul] Harkins, o embaixador [Henry Cabot] Lodge e outros ‘vips’, e que não deveríamos fazer isso de novo. Ponto final. E eu levantei, meu coração batendo desesperadamente, e disse a ele que nós não éramos seus soldados, que trabalhávamos para o New York Times, para a UP, AP e Newsweek, e não para o Departamento de Defesa’.


Halberstam escreveu livros sobre a guerra e a política americana. Também foi autor de títulos de não-ficção sobre assuntos tão diversos como direitos civis, campeonatos antigos de baseball e o jogador de basquete Michael Jordan.


Homenagens e conselhos


‘A morte de David Halberstam certamente irá dar início a todo tipo de homenagem de nossas estrelas da mídia o descrevendo como um jornalista superior, alguém que personificava o que o jornalismo deveria ser. E é verdade que ele era exatamente isso’, afirmou Glenn Greenwald [Salon.com, 24/4/07].


O jornalismo moderno, entretanto, era objeto de crítica de Halberstam, que deixou claro, nos últimos anos, que os jornalistas americanos se tornaram uma verdadeira antítese destes valores pelos quais ele é hoje celebrado.


Em discurso aos alunos da Escola de Jornalismo de Colúmbia, em maio de 2005, Halberstam afirmou:




‘Uma das coisas que aprendi, a mais fácil das lições, é que quanto melhor você fizer o seu trabalho, freqüentemente indo de encontro a máximas convencionais, menos popular você será. […] Há poucas coisas que eu gostaria de passar adiante quando chego perto do fim de minha carreira. Primeiro: [o jornalismo] não tem a ver com fama. Quanto mais famoso você é, menos jornalista você é. Além disso, fama não dura. Na melhor das hipóteses, [jornalismo] é ser pago para aprender. Por 50 anos, eu fui pago para sair e fazer perguntas. Que grande privilégio ser um repórter livre em uma sociedade livre, ser alguém cujo emprego é uma busca pelo conhecimento. Que chance rara de evoluir como pessoa. […] Eu quero deixá-los hoje com um conselho: nunca, nunca, nunca deixem que eles intimidem vocês. As pessoas sempre tentarão fazer isso. Xerifes, generais, reitores de universidades, presidentes de países, secretários de Defesa. Não deixem que eles o façam.’


Esportes e Vietnã


O jornalista vivia em Nova York e havia dado uma palestra a alunos de jornalismo da Universidade da Califórnia, Berkeley, no sábado (21/4), com o tema ‘Reconstruindo o passado: quando História e jornalismo se encontram’. O estudante de jornalismo Kevin Jones, motorista do carro onde Halberstam estava, ficou ferido no acidente. ‘Nós estávamos falando sobre esportes e o Vietnã e sobre ter filhos’, contou em uma entrevista diretamente da cama do hospital. ‘Ele parecia interessado no que eu, apenas um estudante que o acompanhava, tinha a dizer’. Com informações de Adam Tanner [Reuters, 24/4/07].