Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Saldo da Confecom poderá abrandar sistema de captação perverso

Autores e produtores independentes de audiovisual no Brasil tiveram uma participação acanhada na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Ainda assim, na avaliação da cineasta Berenice Mendes, integrante da Coordenação-Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), questões fundamentais ao setor foram debatidas e encaminhadas com eficácia, a ponto de poder ajustar os rumos da produção audiovisual brasileira. Nesta entrevista, Berenice faz a sua avaliação sobre o que rendeu na Confecom e do que deverá vir a seguir.

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Para o setor audiovisual, a 1ª Confecom marca mudanças significativas? As questões do setor foram bem encaminhadas nos debates?

Berenice Mendes – Considero que os autores e produtores independentes de audiovisual no Brasil tiveram uma participação tímida na 1ª Conferência. Entidades históricas, como o CBC, a ABD, a Apaci, a Abraci, os sindicatos de técnicos e os de artistas, poderiam ter dado uma contribuição muito mais efetiva ao processo, tendo se credenciado nas delegações estaduais e municipais – o que não ocorreu, salvo raras exceções. Compreendo esta ausência como fruto das dificílimas condições de trabalho que permeiam a indústria criativa em nosso país. As barreiras de acesso, tanto à produção, quanto, especialmente, à difusão e exibição do audiovisual são imensas. Elas fazem de cineastas e videomakers verdadeiros escravos de uma cadeia produtiva artificial que envolve o perverso sistema de captação subsidiada de recursos, produção e finalização com cronogramas apertados e pouco dinheiro e a eterna frustração de gastar sola de sapato atrás de tela que, na maioria das vezes, acaba sendo apenas a dos incontáveis festivais.

Ainda assim, as questões fundamentais como a da regionalização da programação de rádio e TV, do estímulo e difusão da produção independente na TV aberta, as cotas de produção e exibição na TV por assinatura, o necessário fortalecimento do Sistema Público de TV, dentre outras, foram debatidas e encaminhadas com eficácia, tendo potencial para recolocar no rumo certo a produção audiovisual brasileira.

O que a Conferência representou para a democratização da comunicação no Brasil?

B.M. – Acredito que a 1ª Confecom foi um passo fundamental no processo de consolidação da democracia no Brasil. Ao abrir o debate sobre o tema, possibilitando a manifestação de amplos segmentos da sociedade, a realização da Conferência joga por terra alguns dos mais arraigados tabus que persistiam no Brasil, como o de que comunicação é coisa para especialistas e, principalmente, de que o povo não sabe o que quer. Ao elaborar um profundo diagnóstico do setor, a sociedade demonstra estar amadurecida e capacitada para este debate, tendo visão crítica sobre os papeis dos meios de comunicação e a própria comunicação realizada no país.

Ficou evidenciada tanto a consciência da sociedade sobre a responsabilidade que cabe aos detentores de concessões de radiodifusão em seu uso, como seu direito a exercer controle público sobre o uso destas mesmas concessões. E isto – que me parece irreversível – é o grande avanço que nós, militantes pela democratização da comunicação no Brasil, podemos contabilizar.

Uma comunicação que promova a cidadania

Quais os reflexos já percebidos após a Confecom?

B.M. – Podemos perceber vários movimentos: em primeiro lugar, a necessidade de democratização dos meios de comunicação e da comunicação em sua dimensão de direito fundamental entrou na agenda de debates do país, em todos os segmentos sociais e em todas as áreas de conhecimento e frentes de luta e construção da cidadania. É nítida a disposição de alterar o trato institucional de algumas questões, como, por exemplo, da radiodifusão comunitária, que passa a ter um grau de reconhecimento tornando-a mais próxima não apenas de sua legalidade plena, como do equacionamento de sua sustentabilidade econômica.

Por fim, me parece também que está havendo uma certa renovação na representação do empresariado, o que pode demonstrar que consideram, com a realização da Conferência, efetivamente perdida uma etapa da batalha. Todavia, não tenho motivos para crer que os novos agentes/lobistas, sejam mais dispostos ao diálogo com a sociedade do que foram os anteriores. Isso nos remete à questão da permanência da luta pela democratização dos meios de comunicação.

Qual a sua avaliação sobre o processo de construção da Confecom e o diálogo entre os três setores que lá estiveram representados?

B.M. – A Confecom levou muito tempo sendo construída em nosso país. Foram necessárias décadas de má utilização das concessões públicas de rádio e TV, programação inadequada, propaganda enganosa e incontáveis casos de abuso e manipulação da opinião pública – também na imprensa escrita –, para que a sociedade se organizasse e fosse dotada da força necessária para levar o Executivo à sua convocação.

O processo de formalização da realização, que teve início com o decreto de convocação da mesma e a nomeação de uma comissão organizadora, foi, sim, bastante difícil, mas, tínhamos certeza, representava apenas a ultrapassagem do último obstáculo. O maior trabalho foi demonstrar aos empresários que não precisavam ter medo de debater com a sociedade, que não estávamos em mesas de negociação salarial e, principalmente, que ninguém quer a destruição do setor de comunicação no país, pelo contrário queremos uma comunicação que promova a cidadania e garanta a soberania brasileira.

Respostas na forma de políticas públicas

Como você avalia a cobertura da mídia sobre a Confecom?

B.M. – Para o bem e para o mal, acho que nunca se falou tanto de comunicação na imprensa do país. Editoriais em quase todas as TVs abertas e jornais; matérias e colunas em inúmeras revistas, artigos acadêmicos à beça, colunas e articulações infindáveis, enfim, a mídia não pode ignorar – e não ignorou – a Confecom. É uma pena que os jornais sejam tão pouco lidos e que as TVs sejam tão tendenciosas. Mas eu penso que os leitores e espectadores já aprenderam a ler o subtexto e, portanto, perceberam que algo novo aconteceu.

Como o FNDC pretende acompanhar o prosseguimento das demandas após a Confecom?

B.M. – Estamos sistematizando as propostas aprovadas de modo a definir o melhor modo de encaminhamento daquelas que dependem apenas de atos do Executivo, das que demandam tramitação legislativa ou judicial, bem como das que inserem-se na construção de um novo marco legal e portanto, demandam continuidade de luta.

Deveremos realizar uma série de encontros estaduais, ao longo do ano, para auxiliar o encaminhamento das questões locais e um seminário nacional no final do segundo semestre, para avaliação do processo e fomento da ação mobilizadora. Entendemos que o governo conhece agora as propostas da sociedade, estando apto a dar respostas na forma de políticas públicas e medidas de fomento e regulação. Portanto, de um período de articulação institucional, o FNDC deve agora intensificar o trabalho nas bases.

Convergência plena dos meios

Como você avalia a participação do FNDC na Confecom?

B.M. – O FNDC foi o grande ponto de equilíbrio na construção da 1ª Confecom. Fomentou, dialogou, negociou, mobilizou, capacitou, formulou, interviu e incidiu decisivamente em todas as etapas do processo. Era a nossa função. Estávamos prontos e preparados para isso. E o fizemos. Sem medo, sem vaidade, com consciência, grande esforço e generosidade. O Brasil precisava desta Conferência e cabia ao FNDC conquistar e garantir sua realização.

Quais devem ser as bases para um novo marco regulatório da comunicação brasileira?

B.M. – A soberania de nossa nação, o aperfeiçoamento sócio-cultural do nosso povo, o fortalecimento da nossa indústria criativa, a geração de empregos, o desenvolvimento tecnológico a partir da convergência plena dos meios de comunicação e a permanente capacitação da sociedade para a produção e compreensão da comunicação no Brasil e no mundo.