Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sangue novo na fiscalização da imprensa

A imprensa brasileira acaba de ganhar mais um observatório. Resultado de uma parceria entre o núcleo de Jornalismo Comparado da Escola de Comunicações e Artes da USP, a ONG brasileira Observatório Social e o Media Watch Global, observatório internacional com sede na França, o Observatório Brasileiro de Mídia nasceu com a missão de acompanhar de perto a atuação do jornalismo no país. O projeto consiste na monitoração de informações publicadas pelos veículos de comunicação sobre um tema específico.

O primeiro objeto de pesquisa foram as eleições municipais deste ano – em particular as da cidade de São Paulo. Desde o dia 26 de agosto, uma equipe formada por alunos do Departamento de Jornalismo da USP acompanha as matéria publicadas por cinco jornais – O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Agora, Jornal da Tarde e Diário de S Paulo – sobre os quatro principais candidatos à prefeitura paulistana – José Serra, Marta Suplicy, Paulo Maluf e Luiza Erundina, os dois primeiros agora na disputa do segundo turno.

O trabalho é simples, mas nada fácil. ‘Todas as matérias sobre eleição para a cidade de São Paulo são selecionadas e cada uma delas tem os dados de conteúdo, tamanho e localização no espaço gráfico transferidos para um formulário’, explica o professor José Coelho Sobrinho, diretor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP e coordenador da pesquisa. Todos os aspectos das matérias são contabilizados, desde o tamanho, número de citações de um candidato e presença de fotos até a posição que o texto ocupa na página.

A partir da junção destes dados à avaliação do conteúdo da matéria chega-se a um dos três critérios estipulados pelo projeto. ‘O Observatório tem a finalidade de interpretar, com base no senso comum, os fatos considerados jornalísticos por cada veículo, atribuindo a cada notícia a sua probabilidade de interferir de forma positiva, negativa ou neutra na decisão do leitor a respeito do tema escolhido’, diz Coelho.

Resultados

No fim desse processo são produzidos relatórios que revelam a exposição de cada candidato na imprensa e o tratamento que recebeu. Os primeiros resultados, referentes à semana de 26/8 a 1/9, foram divulgados na quarta-feira (22/9), durante evento na USP que marcou o lançamento oficial do projeto. A segunda leva, que avaliou as semanas de 2 a 8/9 e de 9 a 15/9, tornou-se pública na sexta, 1º/10. Até o segundo turno das eleições, mais relatórios deverão ser apresentados.

Como Marta Suplicy concorre à reeleição, os organizadores da pesquisa dividiram as matérias sobre ela entre ‘Marta candidata’ e ‘Marta prefeita’. No total dos períodos pesquisados, é justamente ela quem mais aparece, como candidata, nos jornais monitorados – em 893 matérias. José Serra, seu concorrente no segundo turno, foi objeto de 603 matérias. O curioso é que, deste total, 49,58% das matérias sobre Marta são desfavoráveis, enquanto no caso de Serra este índice chega apenas a 26,58%. Todos os resultados podem ser encontrados no sítio (www.observatoriodemidia.org.br).

Para o público, com o público

‘O papel do Observatório é fornecer instrumentos para a sociedade fazer um acompanhamento crítico da mídia’, diz Joaquim Palhares, vice-presidente do Media Watch Global. ‘Em última instância, o que todos os envolvidos nesta luta esperam é um leitor ou telespectador informado, capaz de cobrar dos meios de comunicação uma atuação mais ética. A mudança de comportamento da mídia só vai acontecer quando o público exigir isso.’

Além do interesse e da mobilização do público, esse tipo de iniciativa precisa também ser expandida por outras organizações ou instituições, defende Coelho. Segundo ele, institutos de pesquisa como Ibope, Datafolha e Vox Populi, entre outros, trabalham em cima de um mesmo tema e, muitas vezes, atingem resultados diferentes entre si. ‘Se houvesse mais de um Observatório Brasileiro de Mídia trabalhando tão-somente com a análise de conteúdo – como fazemos – é possível que tivéssemos também alguns resultados diferentes daqueles que apresentamos, o que é muito produtivo para todos nós’, diz ele.

Entrevista 1

O vice-presidente do Media Watch Global, Joaquim Palhares, falou a este Observatório sobre a motivação, concretização e repercussão do Observatório Brasileiro de Mídia na imprensa brasileira.

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Por que fazer um Observatório Brasileiro de Mídia?

Joaquim Palhares – Vivemos numa era em que os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de poucos. Isso torna o acompanhamento crítico da mídia um elemento fundamental para o funcionamento da democracia. É urgente que a sociedade se conscientize, cada vez mais, da necessidade de ter uma visão questionadora sobre o que é publicado ou transmitido pelos veículos de comunicação. O Brasil ainda é muito carente de iniciativas que ofereçam à população instrumentos para isso. É para isso que nasce o Observatório Brasileiro de Mídia. Já existem iniciativas semelhantes, como o Doxa, laboratório de análise da comunicação do Instituto de Pesquisa do Rio de Janeiro, a Transparência Brasil, a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) e o próprio Observatório de Imprensa. Mas quanto mais iniciativas nesse sentido, maior será a conscientização da sociedade. Essa pluralidade é extremamente saudável, pois o monitoramento da imprensa tem de ser diverso.

Como surgiu a parceria com a escola de jornalismo da ECA-USP e com o Observatório Social?

J.P. – Para falar dessas parcerias tenho que contar a história do nascimento do Observatório. Esse projeto nasceu durante o II Fórum Social Mundial. Mas tudo começou no ano anterior. A grande imprensa não deu uma nota sequer a respeito do primeiro Fórum. Já no segundo, devido à dimensão que o evento ganhou, 300 jornalistas, brasileiros e estrangeiros, foram cadastrados para fazer a cobertura. Contudo, todas as matérias publicadas na grande imprensa foram negativas e não refletiram a realidade do que estava acontecendo. Foi aí que, durante uma mesa de discussão sobre o papel da mídia, tema que não havia sido debatido no primeiro Fórum, a iniciativa começou a brotar. As pessoas que compunham a mesa – acadêmicos, jornalistas e representantes de sindicatos – fundaram o Media Watch Global. Pouco tempo depois, aconteceu uma reunião em São Paulo para fundar o comitê brasileiro do Media Watch Global. O projeto, no entanto, não conseguiu decolar, por falta de recursos financeiros e humanos.

Dois anos depois, o Observatório Social, preocupado com a cobertura das eleições municipais, procurou as pessoas envolvidas nesse projeto para sugerir um monitoramento da mídia. A USP, que estava representada naquela reunião inicial pelo professor Jair Borin, foi acionada na seqüência. Soubemos, então, que o professor José Coelho Sobrinho estava desenvolvendo uma pesquisa nessa área. Assim nasceu o Observatório Brasileiro de Mídia, que continua a contar com o apoio do Media Watch Global.

Como foi a repercussão da imprensa ao lançamento do Observatório?

J.P. – Se pensarmos em quantidade, a repercussão foi pequena, mas isso é fácil entender. Os jornais não estão acostumados a fazer o exercício de autocrítica e, muito menos, a serem criticados. Então, há muito pouco espaço para esse tipo de matéria. Entretanto, onde houve espaço, a repercussão foi excelente. No dia 12/9, o ombudsman da Folha de S.Paulo, Marcelo Beraba, dedicou sua coluna a uma avaliação sobre a cobertura do jornal acerca das eleições municipais de São Paulo. Na semana seguinte (19/9), a cobertura das eleições foi novamente tema da coluna, com uma réplica do Beraba às explicações do editor de política para a cobertura da Folha. Nesta mesma edição, o ombudsman deu destaque também ao lançamento do Observatório Brasileiro de Mídia, citando que o Estado de S.Paulo tem uma cobertura ainda mais desequilibrada do que a Folha. Até hoje, não houve uma resposta pública do Estado sobre isso. Ou seja, há falta de espaço para discutir este assunto na imprensa. Espero que a qualidade do nosso trabalho leve os jornais a refletirem sobre suas posturas e a darem mais espaço para essas questões.

Entrevista 2

Coordenador da pesquisa, o professor José Coelho Sobrinho falou ao OI sobre o funcionamento do projeto e seus passos futuros.

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Como surgiu o Observatório Brasileiro de Mídia e como foi planejado seu funcionamento?

José Coelho Sobrinho – O Observatório estava latente na vida do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA desde 2002. Os problemas que sempre enfrentamos para realizar qualquer projeto são o financeiro e o humano. A dimensão humana da proposta do Observatório estava resolvida porque temos alunos de muito bom nível tanto na graduação como no programa de pós-graduação. Mas financeiramente teríamos que preparar um projeto para uma das agências de fomento de pesquisa do Brasil, e destacar um coordenador que tivesse tempo para cumprir todas as formalidades exigidas pela agência. No momento, a nossa unidade departamental está desfalcada de professores para assumir afazeres como este. Se devemos escolher prioridades, elas ficam por conta de manter o que está atualmente funcionando.

Quando o Observatório Social nos fez esse desafio e permitiu que pudéssemos buscar jornalistas experientes como o Carlos Carolino para assumir a coordenação geral dos trabalhos, além de arcar com os pagamentos dos pesquisadores, resolvemos aceitar a tarefa – mesmo porque a metodologia nós já temos sedimentada. Nos valemos também dos trabalhos do Instituto de Pesquisas Universitárias do Rio de Janeiro (Iuperj), que já tem experiência no assunto, para melhorar as nossas técnicas de pesquisa.

Por que as eleições municipais foram escolhidas como primeiro tema de pesquisa?

J.C.S. – Elas foram escolhidas porque nunca tínhamos utilizado as técnicas e os métodos de pesquisa para estudar fatos da atualidade e sentíamos já ter condições de assumir essa responsabilidade desde que conseguíssemos superar as barreiras financeiras e de pessoal. Desde 1971 são feitos trabalhos por professores do Departamento estudando temas passados. Os nossos pós-graduandos têm conseguido bons resultados com os métodos que agora estão sendo adaptados para a pesquisa desse assunto na mídia impressa.

Os próximos temas já foram escolhidos?

J.C.S. – Poderíamos dizer que os próximos temas serão apontados pela relevância que têm. O mais próximo se refere à eleição presidencial americana, pela importância que deverá ter para os destinos da economia brasileira. Depois, naturalmente, pretendemos entender como será a cobertura de um tema polêmico como o Fórum Social Mundial.

Há planos de expansão para o projeto?

J.C.S. – A metodologia e as técnicas usadas neste trabalho estarão à disposição de qualquer universidade pública ou privada. Temos atualmente quase 320 escolas de comunicação no país e elas poderão criar departamentos de acompanhamento da mídia não só para mapear o cumprimento do papel dos veículos para a sociedade, como também para dar aos seus estudantes condição de entender a futura área de atuação profissional. Aliás, a Associação Brasileira de Escolas de Comunicação Social (Abecom) poderá ajudar as instituições interessadas em criar grupos de pesquisa como o Observatório Brasileiro de Mídia.