Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Sem visibilidade crítica do negócio das comunicações não se constrói cidadania’

A convergência dos meios, a introdução de novas tecnologias, o aumento do número de empresas interessadas em explorar serviços de comunicação, assim como um marco regulatório fragmentado e disperso normativamente contribuem para a atual crise de paradigmas atravessada pela área das comunicações no mundo todo. Suzy dos Santos, pesquisadora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) especializada em economia política, concedeu entrevista para a revista MídiaComDemocracia nº 4 onde expõe sua visão sobre a reestruturação dos sistemas e mercados de mídia no Brasil.



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No Brasil, o mercado de comunicação é verticalizado, ou seja, um mesmo grupo de comunicação participa de quase todas as etapas de produção, distribuição e entrega de um produto midiático. A senhora acredita que exista a necessidade de oxigenação? Como isso pode ocorrer?

Suzy dos Santos – Se entendermos que comunicação inclui cinema e internet isso fica um pouco mais diluído. A distribuição de cinema, por exemplo, é toda realizada por majors hollywoodianas. Agora, é verdade que a Rede Globo – e a TV aberta em relação aos outros veículos – ocupa um lugar central e excessivamente concentrado nesse cenário. Mais do que oxigenação, acredito ser imprescindível uma diversificação dos atores e das possibilidades de acesso à informação e ao entretenimento. Saindo do exemplo da TV aberta, já amplamente discutido, se você verificar no portal da Ancine [Agência Nacional de Cinema] a lista de filmes nacionais lançados entre 1995 e 2004 que renderam mais de dez milhões de reais, verá que os filmes co-produzidos pela Globo Filmes obtiveram 72% da captação e 92% da renda. Dos 42 filmes nacionais lançados em 2005, 20 tiveram menos de dez cópias ou foram exibidos em menos de 10 salas de cinema. A inserção de novas tecnologias de acesso poderiam ser uma oportunidade de reestruturação do cenário. Mas qualquer reestruturação está profundamente condicionada à vontade de reestruturação e inovação a partir dos atores que compõem o ambiente.

Infelizmente, no Brasil, o peso político dos radiodifusores é muito maior que o de outros atores. Como uma parte expressiva dos radiodifusores é composta por figuras políticas – exercendo ou não mandato político – é quase impossível separar o que é Estado e o que é mercado nesse ambiente. O poder de influência da Rede Globo, concentrando grande parte do espaço comunicacional brasileiro é proporcionalmente prejudicial à diversidade de oferta. Como disse o teórico norte-americano Ben Bagdikian, ‘a demanda de que grandes corporações podem melhor resistir às incursões do governo contra a liberdade de informação pode ser verdadeira. Algumas – não todas – já o fizeram. Mas, quando elas têm de escolher entre, de um lado candidatos que vão prestar favores governamentais sob a forma de facilidades tributárias ou regulamento flexível dos negócios, ou, de outro lado, candidatos que apóiam a liberdade de informação, os registros não são encorajadores. A história de Grandes Governos e Grandes Empresas é mais de acomodação do que de confronto’.

Por que o mercado se apresenta dessa forma?

S. S Bem, as raízes históricas do papel dos meios de comunicação na sociedade estiveram excessivamente condicionadas a uma função política. Com dois longos períodos autoritários no século XX, o Brasil não teve a oportunidade de discutir amplamente outros papéis. Se, por um lado, tivemos uma continuidade das práticas clientelistas entre empresários de comunicação e o poder federal desde Vargas, por outro lado, a partir dos anos 80, a radiodifusão foi tomando o lugar da terra no sistema coronelista que é perpassado por uma rede de relações entre poderes locais e federais – o chamado coronelismo eletrônico. Desta forma, os atores sociais que compõem o mercado de comunicações brasileiro têm características específicas que condicionam a formatação do mercado.

De que forma poderia ocorrer a readequação do mercado nacional?

S. S Através da inserção de novos atores ou do crescimento do peso, na tomada de decisões para o setor, de atores que estão alijados do processo, como os segmentos sociais, por exemplo.

E dos mercados regionais?

S. S Acredito que uma mudança efetiva nos mercados regionais e locais só pode ocorrer a partir de uma ruptura com a lógica consolidada nas relações entre governo e meios de comunicação no País. Enfim, do fim da centralidade de alguns atores sociais específicos, mais do que da centralidade deste ou daquele setor econômico, é que dependem as possibilidades de mudanças no setor.

As legislações brasileiras contribuem para o elevado grau de concentração no setor? Qual a saída?

S. S Não necessariamente. Elas contribuem mais para uma situação de fragmentação das políticas que norteiam este ambiente, no qual apenas o mercado tem ditado as regras de um setor que é fundamentalmente marcado por características distintas da mera comercialização de produtos, e desinformação sobre os direitos e deveres desses meios em relação à sociedade. Há que se rediscutir o status da comunicação para a sociedade brasileira. É imprescindível adotar políticas de comunicação e de cultura que partam do entendimento de que a gama de relações interpretativas, idéias, conceitos, fatos e argumentos que as pessoas usam para elaborar sentidos nas suas vidas são, em grande medida, dependentes do conteúdo midiático – tanto o ficcional quanto o não-ficcional – e que este conteúdo está necessariamente articulado com os interesses de quem produz mídia. O domínio dos espaços de debate público mostra-se uma das mais relevantes ferramentas de persuasão social. A ausência de visibilidade crítica sobre as questões relativas ao próprio negócio das comunicações configura uma barreira à prática de cidadania no país.

Quais os princípios básicos do mercado de comunicação no Brasil?

S. S As políticas comunicacionais e culturais no Brasil – ou a falta delas – instituíram uma centralidade da televisão aberta. Esta centralidade, consolidada ao longo das relações históricas de clientelismo, foi pautada por duas funções hegemônicas: uma de integração nacional, e outra de manutenção da esfera de poder político e econômico. Num cenário mais amplo, esta centralidade tem funcionado como uma barreira às possibilidades de convergência das comunicações, bem como à entrada de novos atores, ao acesso universal às novas tecnologias e à regulamentação do setor. Conforme vimos no recente episódio da disputa pelo modelo de TV digital, a televisão aberta tem conseguido, em certa medida, barrar inclusive os interesses das global players de telecomunicações, que têm um peso econômico muito superior ao do empresariado de rádio e TV.

Quais as perspectivas para o mercado de comunicação nos próximos anos? Como pode ocorrer a democratização da mídia?

S. S O avanço da democratização da mídia está diretamente relacionado ao avanço da democracia nas bases estruturais da sociedade.

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Da Redação FNDC