Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sobre a regulação das telecomunicações

Trabalhei na implantação de uma agência reguladora – a Agência Nacional de Saúde Suplementar – no início dos anos 2000, e fui o primeiro no país a escrever uma tese de doutorado sobre o assunto específico. Ela pode ser lida na biblioteca do site da agência: http://goo.gl/eW7a8

O mundo deu volta e hoje trabalho como pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Neste instituto venho pesquisando políticas de informação.

É por isto que me atrevo a dar um ‘pitaco’.

Em primeiro lugar, não sei se podemos falar em regulação de mercado no sentido acadêmico do termo. O que vem se discutindo é muito mais a responsabilidade social dos meios do que propriamente a regulação das relações de produção, distribuição e consumo.

Isto posto, temos um enorme problema trazido pela convergência digital. Como você [Luis Nassif] mesmo disse, a comunicação eletrônica inclui as telecomunicações e a internet. Ora, as telecomunicação têm marco regulatório e agência reguladora – a Anatel. Além disto, a internet tem hoje nas operadoras de telefonia uma grande fornecedora de serviços, da plataforma aos conteúdos.

O que vamos fazer com a Anatel? As opções vão da extinção à ampliação total das atribuições, passando por um arco-íris de possibilidades. É uma longa discussão, que mexe com interesses gigantescos dos investidores multinacionais.

Curto e grosso

Existem problemas no marco regulatório das telecomunicações? Bem, neste caso o Congresso Nacional está chamado a debater o tema e melhorar a legislação. O Ministério das Comunicações pode conduzir uma discussão sobre isso. Só que a última palavras é dos legisladores.

Cabe mencionar que a regulação das telecomunicações é – ou deveria ser – complementada pela ação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e dos órgãos de defesa do consumidor. Isto não impede que o setor seja um campeão de reclamações.

Gostaria ainda de mencionar um detalhe da regulação das telecomunicações: o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Problemas no regime de concessão tornaram inviável o uso destes recursos na implantação da banda larga e da oferta facilitada de internet.

Uma das fontes desta ânsia pela ‘regulação da comunicação eletrônica’ é o papel dos meios de comunicação de massa, que usualmente assumem a defesa de teses conservadoras dentro da sociedade. Isto para não falar da campanha eleitoral disfarçada de candidatos conservadores.

Neste caso temos um problema de difícil equação. Por um lado, existe a demanda democrática de liberdade de expressão. Por outro, a vontade de setores da sociedade de oferecer resistência à ‘manipulação de conteúdos’ pelos grupos industriais de comunicação.

Pode-se usar o eufemismo que se quiser: isto é censura. Todo governo totalitário não quer oposição. A nossa tradição não é exatamente a de uma sociedade pluralista, mergulhada em discussões argumentativas. Ao contrário, nestas horas saltam as veias autoritárias.

Papel do Estado

Recentemente, Hugo Chávez propôs e obteve a aprovação de uma lei de responsabilidade social dos meios na Venezuela, no contexto da enxurrada de regulamentações da Lei Habilitante. Olhando o texto, percebe-se que é apenas uma lei de censura com retórica bolivariana. Infelizmente nossa imprensa e nossos blogueiros ficaram calados sobre isso.

As iniciativas de restrição da liberdade de expressão e de comunicação se espalham. Faz menos de quinze dias que o Parlamento Europeu externou desagrado com legislação deste tipo na Hungria [ver, neste Observatório, ‘Países europeus criticam lei de imprensa‘ e ‘Repetimos a pergunta?‘]. Fora os casos dos ‘culpados de sempre’: China, Irã etc.

Há atualmente um intenso debate nos EUA sobre a questão da neutralidade da rede. O orgão regulador deles – a Federal Communications Commission (FCC) – quer impor restrições ao fluxo. A resistência a esta iniciativa do governo norte-americano é ampla, e repercute por aqui por razões ideológicas.

Enfim, a questão da tal ‘regulação da comunicação eletrônica’ é bem complexa. Não pode ser resolvida como enfrentamento de torcidas de futebol. O governo e o ministro Paulo Bernando estão certos quando falam em ampla consulta pública.

Quero registrar também que não concordo com a tese ultraliberal das indústrias de comunicação, que se opõem a qualquer regulação e regulamentação. A principal conclusão da minha tese é que só a ação do Estado é capaz de reduzir as assimetrias dentro dos mercados.

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Pesquisador do Ibict/MCT