Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Teles garantem seu papel monopolista

No apagar das luzes de 2005 um assunto de extrema relevância para a sociedade brasileira teve um desfecho no mínimo polêmico, sem que a imprensa tenha dado o devido destaque. Trata-se da renovação dos contratos de concessão das empresas que operam o Sistema de Telefonia Fixa Comutada (STFC). Ou, para nós simples mortais, os telefones fixos de nossas residências e trabalhos.


Estes contratos foram renovados pelos próximos 20 anos, sendo que revisões só serão possíveis em cinco anos. Agora era o momento de debater que tipo de serviços a sociedade brasileira espera das empresas de telefonia e como podemos cobrar que estas empresas cumpram o que foi acordado.


Mas, infelizmente, o assunto não teve a devida cobertura pela imprensa e muitos temas importantes acabaram ficando de fora dos contratos. E, pior ainda, há indícios de que o ministro Hélio Costa tenha cometido, com a concordância da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), crime de improbidade administrativa. Essa, inclusive, é a opinião de membros do próprio governo Lula que pediram para não ter seus nomes revelados.


Improbidade?


Segundo parecer da consultoria jurídica do Ministério das Comunicações (assinado pela advogada Adalzira França Soares de Lucca), a Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV, mas que hoje não mais representa SBT, Bandeirantes, Record e RedeTV) teria pedido explicitamente que o ministro ‘no exercício de sua autoridade em defesa do setor de radiodifusão’ determinasse à Anatel que fizesse constar do texto dos contratos de concessão para prestação de STFC ‘vedação expressa à prestação pelas empresas de telecomunicações, de Serviços de Comunicação Social’.


O problema é que não existe qualquer proibição legal para que as teles possam prover serviços de comunicação social. Aliás, a mineira CTBC já presta telefonia fixa, celular e TV paga. A única vedação legal (artigo 222 da Constituição Federal) é quanto à participação do capital estrangeiro acima do limite de 30%. Mas esta proibição não afeta, por exemplo, a Telemar.


A consultoria jurídica do ministério reconheceu que não havia base jurídica para o pleito da Abert, mas, mesmo assim, considerou que esta parte dos contratos não estava suficientemente clara. Com base neste argumento, o ministro Hélio Costa ‘sugeriu’ que a Anatel modificasse o texto.


Ocorre que – e aqui estaria a origem do crime de improbidade administrativa – este tema não foi alvo da consulta pública que discutiu a renovação dos contratos de concessão de STFC e, portanto, não poderia ser incluído a posteriori apenas para atender um pleito da Globo (emissora hegemônica na direção da Abert). A inclusão do novo texto não foi nem mesmo comunicada anteriormente às operadoras de telecomunicações, que souberam do fato no dia da assinatura dos contratos, 22 de dezembro.


Instrumento da Globo


A solução encaminhada pela Anatel ao pedido do ministro Hélio Costa pode, em um primeiro momento, parecer inócua, pois a agência ‘apenas’ incluiu a obrigatoriedade do respeito ao artigo 222 da Constituição Federal. Obviamente qualquer contrato deve seguir a Constituição e não se torna necessário explicitar este ou aquele artigo.


Mas, há que se lembrar que a mesma Abert patrocina uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), do senador Maguito Vilela (PMDB-GO), para alteração justamente do artigo 222 da Constituição Federal propondo que a produção, distribuição e provimento de conteúdo nacional por quaisquer meios de telecomunicações (inclusive a internet) estejam sujeitos ao limite de 30% de capital estrangeiro já imposto às emissoras de rádio e TV aberta e à imprensa.


Se a PEC for aprovada, com a mudança nos contratos feita pela Anatel a pedido do ministro Hélio Costa, as teles não poderão alegar que foi-lhes imposta uma nova regra, uma vez que a menção ao artigo 222 da Constituição Federal já passou a constar nos contratos de concessão de STFC.


De cláusula óbvia e inócua, a mudança dos contratos se tornaria um importante instrumento da Globo na batalha contra as teles estrangeiras.


E o que não entrou


Além do que foi incluído indevidamente nos contratos, há o problema do que não aparece, mas deveria estar lá. E, neste caso, como se houvesse um processo de compensação, as beneficiadas são as empresas de telefonia, que tiveram que ‘engolir’ a menção ao artigo 222 da Constituição Federal.


Não foram definidas as regras para unbundling e portabilidade. Por trás destes nomes complicados, estão duas regras que estimulam a competição no setor e que já são usadas em outras regiões, como Estados Unidos e União Européia.


Portabilidade numérica é a regra que reconhece que o verdadeiro bem de um consumidor não é a sua linha telefônica (que virou uma commodity), mas o número que a identifica. Afinal, todos fazemos investimentos para divulgar nossos números telefônicos e uma mudança de operadora pode significar perder esse número e ter que começar tudo do zero. A portabilidade (já praticada nos Estados Unidos) permite que o cliente leve consigo o número de sua linha, caso ele mude de operadora. Assim, as teles terão que fazer mais investimentos para fidelizar este cliente e seu número telefônico.


Unbundling é a política de desagregação das redes, já praticada na União Européia, por exemplo. Isso porque, ao contrário do que afirmou a propaganda privatizante do governo Fernando Henrique Cardoso, as redes de telefonia fixa são monopólio natural. É economicamente inviável para uma outra operadora construir uma rede de cabos para competir com a empresa de telefonia fixa local.


As empresas que não possuem redes fixas têm que buscar outros caminhos, como redes sem fio (wi-fi, wi-max, telefonia celular etc.) ou redes de TV a cabo (como fez a Telmex ao adquirir a Net Serviços a despeito do que diz a Lei 8.977).


Momento incômodo


A prática do unbundling obriga que as empresas de telefonia fixa abram suas redes para que outras empresas possam também oferecer serviços como telefonia e acesso à internet banda larga. As operadoras que usassem o unbundling teriam que remunerar (mediante um cálculo complexo) as empresas donas das redes. Tal prática permitiria ao cidadão, através do fio que chega à sua casa, escolher qual serviço ele deseja assinar, avaliando a concorrência dos melhores preços e serviços.


Infelizmente, os brasileiros terão que esperar pelo menos mais cinco anos para terem o direito de usufruir de práticas já disponíveis em outros países. E as teles continuam tendo o direito de exercer seu papel monopolista.


Todo político sabe que não basta ser honesto, é preciso transparecer honestidade. Mas, a presença de um ex-empregado das Organizações Globo e um senador dono de uma emissora de rádio (à revelia do que afirma a legislação do setor) como ministro das Comunicações tem sido um complicador. E o silêncio do ministro diante destes fatos só faz aumentar a especulação sobre suas intenções.


Isso tudo em um momento particularmente incômodo para o governo Lula.

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Jornalista (UFF), mestre em Comunicação (UFRJ), coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e integrante do Coletivo Intervozes