Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

TVs estatais consomem R$ 544 milhões ao ano


Elvira Lobato # copyright Folha de S.Paulo, 18/3/2007


Os orçamentos das 26 maiores televisões subvencionadas pelo setor público somaram R$ 544,14 milhões no ano passado. Ao menos 80% desse valor foi custeado com recursos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.


Nesta semana, o ministro Hélio Costa, das Comunicações, defendeu a criação de uma nova TV estatal, com transmissão em rede nacional, ligada ao Executivo. Costa anunciou que seriam destinados R$ 250 milhões ao projeto em quatro anos. A proposta recebeu sinal verde do presidente Lula e será aprofundada pelo Ministério das Comunicações.


Durante três semanas, a Folha ouviu dirigentes de emissoras públicas em todo o país, para quantificar a presença estatal no setor. A conclusão é que nem os órgãos do governo responsáveis pela radiodifusão -Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e Ministério das Comunicações- têm este mapeamento.


A partir dos anos 90, houve crescimento explosivo da presença estatal no setor. Em 1995, foi aprovada a Lei da TV a Cabo, que obriga as concessionárias a reservarem cinco canais para uso de Executivo, Legislativo e Judiciário, um canal comunitário e um universitário.


Em 12 anos de vigência da lei, surgiram 58 canais de televisão legislativa, mantidos com verba estatal, e 70 emissoras comunitárias, mantidas por ONGs e 52 canais universitários (privados e estatais).


No mesmo período, ocorreu um movimento de expansão das TVs educativas. Em 1994, havia 47 rádios e 20 TVs educativas, custeadas pelo Estado. Em 2002, o número de rádios havia saltado para 286 e o de TVs, para 138. O número seguiu crescendo durante o governo do PT. Em 2006, eram 367 rádios e 167 TVs educativas.


Não se sabe quantas dessas emissoras recebem dinheiro público. Em Ponta Grossa (PR) e São Carlos (SP), elas são subvencionadas pelas prefeituras. A Prefeitura de Ponta Grossa informou ter investido R$ 1,16 milhão na instalação da TV.


Descontrole


As TVs legislativas pressionam para sair do sistema de distribuição fechada e se tornar emissoras abertas. O governo Lula já deu concessões de canal aberto às Assembléias Legislativas do Ceará, do Piauí e de Mato Grosso. As demais casas legislativas reivindicam o mesmo tratamento.


Um exemplo dessa expansão é a TV Senado, que começou como canal fechado, virou TV aberta, em Brasília, e já tem canais para retransmitir em TV aberta em 15 capitais. Possui 12 concessões de rádio FM educativas, que ainda não operam.


Há estimativas de que as 58 TVs legislativas custem R$ 100 milhões ao ano. A despesa cresce com a proliferação de canais.


Parte das emissoras funciona como apêndices da estrutura administrativa de Executivo e do Poder Legislativo e não tem contabilidade separada.


Era digital


A migração das TVs educativas estatais para o sistema digital custará cerca de R$ 240 milhões. Sem verba de investimentos, elas temem que a digitalização seja o fim das emissoras mais pobres.


O decreto da TV digital, aprovado por Lula no ano passado, prevê que o sistema analógico seja desligado em 2016.


A Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais) propõe que a migração para o sistema digital seja financiada com recursos a fundo perdido e com créditos do BNDES.


As TVs educativas propõem a construção de uma rede digital para uso compartilhado da Radiobrás e das 20 emissoras afiliadas da Abepec. As televisões legislativas também discutem a formação de uma rede para uso compartilhado.


Fórum


Os problemas e o futuro do setor serão discutidos, em abril, no 1º Fórum Nacional da TV Pública, organizado pelo Ministério da Cultura. Os dirigentes das TVs educativas, legislativas, comunitárias e universitárias -que integram o grande bloco do chamado campo público- querem que o governo não tome decisão sobre a nova TV estatal antes do fórum.


As TVs educativas já haviam recebido mal a resolução do PT pela criação de uma rede nacional de TVs públicas e de uma rede nacional de rádios públicas, que divulgada no mês passado. Elas avaliam que já existem emissoras públicas em número suficiente. Também vêem com reserva a criação de quatro novos canais públicos institucionais previstos no decreto da TV digital.


Para o presidente da Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais), Jorge da Cunha Lima, o PT choveu no molhado ao propor a criação de redes nacionais públicas de rádio e de televisão. ‘A rede já existe e é formada pelo conjunto das televisões educativas estaduais e suas afiliadas e retransmissoras’, afirma.


***


Emissoras estatais querem seguir o modelo europeu


Elvira Lobato # copyright Folha de S.Paulo, 18/3/2007


As televisões estatais brasileiras têm como referência os modelos de gestão das emissoras européias, mas admitem que o sistema de financiamento adotado lá -em que o usuário paga para manter o serviço- não seria aceito no Brasil, onde a população já é sobrecarregada de impostos.


O modelo britânico de TV pública é o mais alardeado entre nós. A BBC tem oito canais nacionais em TV aberta, sendo seis digitais. Os dois canais principais (BBC 1 e 2) são analógicos. A BBC ainda tem dez emissoras de rádio.


A estrutura da BBC, que tem 20 mil funcionários, é financiada por uma taxa anual que toda residência britânica com televisor tem que pagar -corresponde a R$ 1,50 por dia. Essa taxa gera uma receita anual da ordem de R$ 12 bilhões.


O diretor geral da BBC responde a um conselho curador, formado por representantes da população. Os relatórios anuais de gestão da BBC são examinados pelo Parlamento.


Nos Estados Unidos, a TV pública reúne 350 emissoras locais e canais nacionais, que recebem recursos de doadores e de um fundo, o CPB (Corporation for Public Broadcasting, corporação para radiodifusão pública), criado pelo governo em 1967 e que recebe dotação governamental.


O CPB repassa recursos às emissoras públicas locais e nacionais e também a produtores independentes de programação. A maior fonte de recursos das TVs são as doações dos telespectadores. De três a quatro vezes por ano, as emissoras fazem campanhas para levantamento de recursos.


Na Alemanha, os usuários pagam uma taxa equivalente a R$ 45 por mês aos Correios, que financiam também a TV pública. A cada quatro ou cinco anos, as emissoras têm que anunciar e justificar os aumentos de custos ou da necessidade de recursos. Uma comissão examina o pedido e faz uma recomendação aos governos dos Estados para que orientem os parlamentares na decisão.


Os Correios e as telecomunicações alemães são da competência da União. Porém, os Estados têm soberania em questões relativas a escolas, informação, arte e cultura.


***


Poderes têm TVs cansativas e para iniciados


Daniel Castro # copyright Folha de S.Paulo, 18/3/2007


A programação dos canais legislativos e judiciário é uma mistura de boas intenções com más realizações. São canais a serviço da cidadania, que dão transparência a poderes públicos e até melhoram o desempenho de parlamentares. Por outro lado, são quase sempre cansativos de se assistir, muitas vezes de linguagem só inteligível para iniciados e eventualmente de qualidade técnica sofrível. O resultado é a audiência pífia.


Só a TV Senado aparece num ranking de audiência de 64 canais distribuídos pelas operadoras de TV paga de São Paulo e Rio (sem contar as redes abertas e as TVs Cultura e TVE-Rio) no trimestre novembro/dezembro/janeiro. As TVs Câmara e Justiça e os canais legislativos estaduais não estão na lista, o que significa audiência zero.


A TV Senado foi a 45ª mais vista no período. Numa projeção para o país, teve média de 2.800 espectadores por minuto entre as 19h e a 0h. Parece pouco, mas é mais do que CNN, Eurochannel e Bandsports. É preciso considerar, no entanto, que os canais são disponíveis para as cerca de 15 milhões de parabólicas do país, quase quatro vezes maior que o número de domicílios com TV paga.


A audiência das educativas é um pouco melhor, por terem sinais abertos. Têm uma média diária nacional de 0,7 ponto no Ibope, que representa 17,8 milhões de domicílios e cerca de 55 milhões de espectadores. Traduzindo, foram sintonizadas em média em 127,9 mil domicílios por minuto em fevereiro. Ao todo, atingiram 5,3 milhões de residências.


A prioridade dos canais legislativos é transmitir as sessões nos plenários. E é justamente isso o que afugenta telespectadores, confirma Florestan Fernandes, diretor de jornalismo da TV Assembléia de São Paulo.No caso da TV Alesp, há um agravante: sua freqüência no cabo é compartilhada por 22 câmaras municipais.


A solução para atrair telespectadores e preencher a grade é exibir programas culturais. A TV Câmara tem o ‘Talentos’, que abre microfones para bons músicos. Na TV Alesp, há a série de biografias ‘RG Paulista’.


***


Não faltam recursos a TV pública, diz Bucci


Copyright Folha de S.Paulo, 18/3/2007


O presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, diz que o problema da TV pública no Brasil não está na falta de recursos financeiros ou de funcionários, mas na má-gestão. Ele, que pode deixar o cargo na reforma ministerial atualmente em curso, se declara um entusiasta da TV pública e diz que suas críticas são para aprimorar o setor. ‘Nenhuma democracia prescinde da comunicação pública, porque ela supre áreas que a comunicação comercial não pode atender.’ Leia a seguir sua entrevista à Folha. (Elvira Lobato)


Qual a diferença entre TV pública e TV estatal?


Eugênio Bucci – Há vários níveis de distinção. Falar que a TV estatal defende o governo e que a TV pública é independente é um argumento capcioso, porque mesmo a TV inteiramente de propriedade do Estado não pode fazer proselitismo. O dever da impessoalidade vale para todas. Sou um entusiasta da TV pública. Nenhuma democracia prescinde da comunicação pública, porque ela supre áreas que a comunicação comercial não pode atender. Nosso problema é de gestão e formatação de marco regulatório.


A BBC é citada como referência de independência editorial e é financiada por uma taxa anual paga pelos telespectadores. Qual deveria ser o modelo de financiamento no Brasil?


Bucci – É preciso ter recurso público ou garantido pela legislação. O cidadão inglês paga uma taxa anual para manutenção da BBC porque é obrigado por lei. A idéia de que televisão pública tem de dar lucro é imprópria. Ela sempre será financiada por recursos públicos. Também é falsa a idéia de que a TV aberta no Brasil é gratuita. O preço da TV aberta está embutido no preço dos produtos que ela anuncia.


O problema da TV pública brasileira é de falta de recursos?


Bucci – Não acho. O principal problema é de gestão e de projeto. Não é falta de funcionários nem de orçamento. Os projetos que consomem recursos públicos poderiam ser melhor geridos. O setor tem de enfrentar essa realidade. Por isso, o Fórum Nacional de TVs Públicas, a ser realizado em abril, terá uma importância histórica para o setor, porque vai debater os modelos de negócios.


E qual é hoje a situação da Radiobrás?


Bucci – O problema da Radiobrás é que ela mescla comunicação institucional, como o canal NBR, e comunicação pública, da Rádio Nacional e da TV Nacional. Fizemos uma gestão marcada pela impessoalidade e pela autonomia, mas todos os integrantes da diretoria são nomeados pelo governo e demissíveis a qualquer momento.


Na prática, funcionou bem, mas qualquer diretor pode ser afastado. O orçamento anual da Radiobrás é de R$ 105 milhões, e ela tem 1.148 funcionários, na quase totalidade celetistas. A empresa produz 90 horas de programação semanal para TV e está dentro de padrões razoáveis de produtividade. Não é algo que apavore.


***


Canais estatais se tornam cabides de emprego pelo país


Copyright Folha de S.Paulo, 18/3/2007


O governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), determinou intervenção na TV e na rádio educativas do Estado. A transmissão dos sinais para os 32 municípios foi suspensa, e os 169 empregados, postos em férias. Segundo o governo, as duas emissoras têm orçamento anual de R$ 7,2 milhões e estão inchadas, com 169 funcionários.


‘A TV é importante para a construção da identidade cultural do Estado, mas não vamos permitir que sirva de cabide de empregos e de central de favores’, declarou o secretário de Governo, Osmar Jerônimo.


Há emissoras sucateadas e outras em franco crescimento. O governo do Piauí investiu R$ 4,7 milhões na Fundação Antares. A fundação tem 220 funcionários e fará concurso para contratar mais 100. Segundo seu presidente, Rodrigo Ferraz, ela não deixa a dever, em termos de recursos, à TV Meio Norte, afiliada da Globo.


Já em Alagoas, o Instituto Zumbi dos Palmares, vinculado à Secretaria de Educação e que administra a TV educativa e quatro emissoras de rádio, passa por penúria financeira. Apenas 4% da produção exibida pela TV são produzidos localmente, embora tenha 390 funcionários, que consomem 90% da folha de pagamento. A situação é tão crítica que um dos itens da pauta de reivindicações dos professores estaduais em greve é que a Secretaria de Educação deixe de sustentar a TV.


No Pará, a presidente da Funtelpa (Fundação de Telecomunicações do Pará), Regina Alves Lima, suspendeu o convênio assinado em 1997, na gestão do ex-governador Almir Gabriel, que cedia à TV Liberal, afiliada da Globo, o uso da rede de 78 retransmissores para o interior do Estado. A TV educativa só era captada na capital.


Um dos problemas das emissoras educativas estatais é com funcionários estatutários. A TVE do Espírito Santo, por exemplo, não tem programação ao vivo à noite porque o expediente termina às 19h.


A TVE do Maranhão foi transferida para o âmbito do governo federal quando o senador José Sarney (PMDB-AP) foi presidente da República (1985-90), para garantir recursos para o programa de ensino à distância. Ela faz parte da TVE do Rio, que é federal, o que não impediu que fosse abandonada.


Desde o início de seu mandato anterior, o governador Roberto Requião (PMDB) investiu em pessoal, equipamentos e expansão da Fundação Rádio e Televisão Educativa do Paraná. E alterou seu estatuto para despontar como personagem freqüente da programação.


A hoje RTVE (Rádio e TV Paraná Educativa) acrescentou ao objetivo de produzir e gerar programas culturais, educativos e o debate de ‘políticas públicas de governo’. Aos adversários de Requião a RTVE reserva dossiês e ataques.


O líder do PSDB na Assembléia Legislativa, Valdir Rossoni, diz que a TV pública do Paraná ‘é uma demonstração de truculência, culto à personalidade’. Rossoni acusa Requião de ‘contagiar a emissora com sua síndrome chavista’. Admirador do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, Requião fez com a Telesur, de Caracas, uma parceria para compor a cadeia do telejornalismo da emissora, em troca da reprodução de programas de seu governo.


A Folha tentou falar na quinta e sexta-feira com o presidente da RTVE, Marcos Batista, mas ele não atendeu. O porta-voz de Requião, Benedito Pires e assessores da Agência de Notícias do governo não responderam à reportagem. (Elvira Lobato e Mari Tortato)


***


Parlamentares fazem uso eleitoreiro de canais do Legislativo, diz pesquisadora


Copyright Folha de S.Paulo, 18/3/2007


Nem a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), nem o Ministério das Comunicações fazem acompanhamento das televisões legislativas. Segundo a pesquisadora Márcia Jardim, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que defendeu tese de doutorado em Ciências Sociais sobre canais legislativos, como o serviço não depende de outorga do governo, as assembléias tratam direto com as operadoras de TV a cabo.


Ela constata o uso eleitoreiro pelos dirigentes das Câmaras Municipais e das Assembléias, já que eles têm poder de nomear e de demitir os diretores das TVs. Para Jardim, apesar da ingerência política, os canais legislativos contribuem para a democracia e são mecanismos eficazes de controle da atuação dos parlamentares. ‘Não se mata o boi para acabar com o carrapato’, diz ela, referindo-se ao uso eleitoreiro das TVs.


A primeira TV Legislativa da América Latina foi inaugurada em 1996 com a TV Senado. O segundo país a aderir foi o Chile, cinco anos depois. Hoje, segundo Jardim, há canais legislativos também em Argentina, México, Peru e Venezuela.


Os quatro países transmitem sessões plenárias ao vivo, mas Brasil, México e Venezuela são os únicos com 24 horas de programação diária. A Argentina tem a menor grade de programação, com média de oito horas diárias. Todos financiam as TVs com dinheiro público.


Chile e México são os países que têm os modelos de gestão mais independentes, com diretores nomeados ou votados pelo conselho editorial.


Segundo a pesquisadora, a televisão legislativa nos EUA é iniciativa das empresas de TV a cabo, e não há verba pública envolvida. O sistema naquele país, chamado C-SPAN, foi criado em 1979, quando as TVs cabo decidiram oferecer gratuitamente a seus assinantes as transmissões, ao vivo, dos trabalhos do Legislativo. Na França, a TV é custeada com recursos das casas legislativas. (EL)


***


Assembléias e Câmaras de SP disputam espaço na programação das emissoras


Copyright Folha de S.Paulo, 18/3/2007


A disputa por espaço na TV Legislativa abriu uma guerra entre a Assembléia e as câmaras de vereadores do interior de São Paulo. A Alesp entrou com um processo na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) pedindo intervenção na divisão do tempo de programação, uma vez que o canal é de uso compartilhado.


Os municípios, por sua vez, acionaram seus deputados federais para defendê-los, em Brasília, para evitar que a Assembléia fique com a maior parte da grade de programação.


A briga teria começado porque o presidente da Assembléia, Rodrigo Garcia (PFL), de São José do Rio Preto, ficou insatisfeito porque não estava aparecendo ao vivo em sua cidade e quis instalar um decodificador de sinais para controlar a entrada no ar das TVs das câmaras municipais. A iniciativa provocou reação em Bauru, Taubaté, entre outras.


Por ser o Estado mais rico da federação, São Paulo é também o que possui maior número de canais de televisão vinculadas ao poder legislativo municipal. Das 58 televisões de câmaras municipais existentes no país, 24 estão em São Paulo.


Os canais legislativos foram criados pela Lei da TV a Cabo, de janeiro de 1995. A lei estabelece que as Assembléias Legislativas e as câmaras municipais devem compartilhar o horário da programação. Como as TVs a cabo têm concessão de âmbito municipal, a Alesp deve negociar a divisão do espaço com cada câmara municipal. Em tese, cada uma das casas teria direito a 50% do espaço.


Ocorre que há coincidências nos horários das sessões que devem ser transmitidas ao vivo, o que provocou o conflito entre as casas legislativas. Os municípios dizem que a prioridade de transmissão ao vivo deve ser para as sessões. Em junho de 2006, por causa do conflito, foi criada a Associação Paulista das TVs Câmaras Municipais. O problema vai pipocar pelo país, à medida que proliferarem canais municipais. (EL)


***


O fio da suspeita


Dora Kramer # copyright O Estado de S.Paulo, 18/3/2007


A proposta de criação de uma televisão do Poder Executivo não seria, em princípio, uma idéia má. Ainda mais quando se tem o exemplo das televisões dos Poderes Legislativo e Judiciário. Criticadas no início, principalmente a pioneira TV Senado, as emissoras, há que se reconhecer, prestam um bom serviço ao cidadão.


Se, de um lado, alimentam vocações exibicionistas, de outro permitem que a população acompanhe em tempo real, e sem cortes, algo antes só possível a quem tivesse trânsito permitido nas dependências daquelas instituições inacessíveis à maioria.


Há que se reconhecer, em penitência, o equívoco de avaliações da época, que levaram em conta apenas os custos, sem considerar os benefícios.


As transmissões de julgamentos importantes, sessões de votações de interesse público, comissões parlamentares de inquérito, discussões em comissões permanentes, exposições de ministros e mesmo os debates do dia-a-dia no Congresso são politicamente educativos. Para o bem ou para o mal. Ajudam a sociedade a formar juízos.


A TV do Executivo poderia se inserir nesse cenário e é com o argumento desses exemplos que o governo defende a proposta de criar uma estrutura para dar conhecimento de seus atos 24 horas por dia a todo o território nacional.


O problema não é a proposta, mas o que está (ou pode estar) por trás dela e o histórico de quem a faz.


A idéia gerou imediata desconfiança. Plenamente justificada pelo insistente flerte com o autoritarismo e o gosto pelo modo publicitário de governar.


Quem enxerga nas críticas conspiração, vê excessos na liberdade de expressão, não disfarça a preferência pela interlocução via propaganda e desvaloriza a mediação institucional não pode reclamar quando é alvo da suspeita de que esteja querendo criar uma rede de televisão para ter nas mãos um instrumento que lhe permita ignorar todas as demais instâncias da democracia.


Se não é isso o que o governo Luiz Inácio da Silva pretende, é preciso haver uma explicação convincente o bastante para desarmar os espíritos armados não por suposições, mas por fatos objetivos.


Além do quê, o Poder Executivo já tem vários instrumentos à disposição: emissoras estatais de rádio e televisão, A Voz do Brasil, a Radiobrás, o programa semanal do presidente no rádio, a prerrogativa de convocação de rede a qualquer tempo e mais a preponderância do noticiário sobre o governo nos veículos privados.


Se isso não basta é de se perguntar o que, então, bastará para satisfazer a necessidade do governo de se comunicar com a população.


***


Rede pública já existe, afirma chefe da TVE


Wilson Tosta # copyright O Estado de S.Paulo, 18/3/2007


As TVEs existentes já formam um ‘embrião’ do que pode se tornar uma rede de TV pública no Brasil, sem necessidade de partir do zero como cogita o governo federal. ‘Falta é definir exatamente o que é uma TV pública’, diz a jornalista Beth Carmona, diretora-presidente da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que comanda a TV Educativa Brasil – remanescente da rede estatal de TV tentada nos anos 70 e desfeita nos 80.


Em meio ao debate aberto depois que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, anunciou a criação de uma televisão do Executivo federal, ao custo de R$ 250 milhões em quatro anos, Beth admite que as emissoras educativas têm problemas. Vinculadas aos Estados, elas estão sujeitas a mudanças de governo e têm vínculos diferentes com a máquina estatal, dificultando sua transformação em autêntica rede.


‘Há dificuldades’, diz Beth, desde 2003 no cargo que lhe dá, além do comando da TVE Brasil, sediada no Rio, a TVE do Maranhão, um sinal nacional via satélite de televisão, as rádios MEC AM e FM no Rio e Rádio MEC AM em Brasília. ‘Cada TVE é de um Estado, quando muda o governador pode mudar tudo.’ Outro complicador é que em alguns Estados a TVE é ligada à Secretaria de Educação, em outros à de Cultura, em outros à de Comunicação.


Hoje, são 21 TVs Educativas públicas, transmitindo, a partir de capitais, programação da TVE Brasil, da TV Cultura de São Paulo e, em menor proporção (de 10% a 20%), programas próprios. São remanescentes do Sistema Nacional de Rede Educativa (Sinred), criado no governo militar e dissolvido nos anos 80. A concepção inicial, dos anos 70, era que a TVE, do Rio, geraria boa parte da programação, com espaço para produções locais. Problemas operacionais e políticos, porém, levaram à decadência a emissora-mãe, transformada em fonte de empregos fantasmas e até em refúgio de agentes da repressão. Nos anos 90, em crise, chegou a transmitir uma pelada de futebol amador, além de ter equipamentos usados para outras finalidades.


Mudanças


Em 1998, a Fundação Roquette Pinto, que controlava a estrutura que hoje é da Acerp, tinha cerca de 3 mil funcionários, com estabilidade, e um orçamento, pago pela União, de R$ 100 milhões. Naquele ano, mudou-se o estatuto jurídico da controladora e adotou-se o contrato de gestão. A administração foi assumida pela associação, uma organização social (OS) comandada por um conselho de administração com quatro integrantes indicados pelo governo e três representando funcionários e a sociedade. Por lei, a OS firma contrato de quatro anos com o governo, sendo remunerada. Pode captar recursos por serviços ao próprio Estado e a terceiros e com patrocinadores (não publicidade). Em 2007, receberá R$ 40 milhões do Estado e quase o mesmo de outras fontes.


‘Boa parte dos patrocínios vem da Petrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil’, admite a presidente.


Atualmente, a Acerp tem cerca de 1.200 empregados. Há alguns anos, fez um programa de demissão voluntária. Os celetistas são cerca de 60%. Os funcionários com estabilidade estão em um quadro em extinção. Há seis meses, a TVE Brasil mudou-se para uma nova sede, um prédio de 12 andares, que comprou por R$ 4,5 milhões.


‘Quando assumimos, em 2003, tínhamos R$ 18 milhões em dívidas’, conta o diretor administrativo financeiro, Haroldo Ribeiro. Hoje, os débitos, em parte quitados e o resto renegociado, estão em R$ 2 milhões. Voltada para educação e cultura, a emissora tem sua melhor audiência adulta – três a quatro pontos, entre 102 mil e 136 mil domicílios – com o Sem Censura, de entrevistas. Na área infantil, o teto é de cinco pontos, ou 170 mil aparelhos.


***


Nos EUA, TV estatal é só para o exterior


Copyright O Estado de S.Paulo, 18/3/2007


O serviço estatal de televisão e rádio dos Estados Unidos se chama Voz da América e tem orçamento anual de US$ 166 milhões. A Voz da América existe há 64 anos e não é veiculada dentro dos EUA – o serviço alcança 115 milhões de pessoas por semana, em 44 idiomas. A lei americana proíbe a Voz da América de transmitir diretamente para cidadãos americanos, para evitar que o governo federal, em Washington, tenha um canal direto de comunicação com o público doméstico.


O objetivo da Voz da América é fazer diplomacia e passar mensagens sobre a cultura americana no mundo. O serviço é controlado pelo Escritório Internacional de Transmissão de Rádio e TV do governo.


A Voz da América tem sofrido cortes no orçamento e está aumentando a programação em árabe, em detrimento do inglês. O serviço foi criado em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, como parte do Escritório de Informação de Guerra. O objetivo era transmitir programas de notícias para áreas da Europa e norte da África ocupadas pelos nazistas.


São oferecidos programas específicos para Cuba, por meio da Rádio Martí, baseada em Miami. A Martí foi criada em 1983 pelo então presidente Ronald Reagan, para ‘combater o comunismo’.


Os EUA têm ainda a PBS (TV) e a NPR (rádio), redes públicas financiadas com dinheiro privado e do governo, mas não supervisionadas pelo governo.


Interesses do governo


A emissora de televisão pública argentina, Canal 7, foi a primeira do país. Evita Perón discursou na inauguração.


Daquele longínquo 17 de outubro de 1951 até hoje, o Canal 7 parece não se ter distanciado do seu primeiro objetivo de divulgar os atos do governo federal, em Buenos Aires. Na Argentina, a TV pública é uma mera instância de comunicação do governo.


Depois de 56 anos de sua inauguração, a ex-ATC (Argentina Televisora Color) é amplamente criticada por políticos, profissionais de comunicação e pelo público porque é sempre utilizada para divulgar os interesses do governo e nunca se aproximou do conceito de TV pública. ‘Na administração de Néstor Kirchner, o canal está recuperando o objetivo de TV pública, no sentido de democratizar o acesso, já que estamos investindo para chegar aos povoados menores e distantes’, afirma o gerente de Relações Institucionais do Canal 7, Luis Lazarro.


No país de 36 milhões de habitantes, 18 milhões têm acesso ao 7. O canal é transmitido por 273 repetidoras em todo o país e 99,5% das empresas de TV a cabo também transmitem a emissora pública, segundo Lazarro. Somando ambos os sistemas, 79% da população recebe o sinal do Canal 7.


Além dos US$ 24 milhões previstos no orçamento do governo para a emissora, em 2006, outros US$ 2 milhões foram consumidos na ampliação do sinal. O debate sobre a função e a programação da TV oficial parece ser eterno, assim como o baixo nível de audiência. (Patrícia Campos Mello e Marina Guimarães)


***


TV estatal pode custar o dobro do previsto por Costa


Elvira Lobato # copyright Folha de S.Paulo, 17/3/2007


A criação de uma rede estatal de televisão, com cobertura em todo o território nacional, como anunciado pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, pode custar no mínimo R$ 523,36 milhões, segundo cálculos de fabricantes e de engenheiros ouvidos pela Folha.


Na segunda-feira passada [12/3], Costa apresentou ao presidente Lula a proposta de criação da Rede Nacional de Televisão Pública, ligada ao Executivo, que implicará, segundo ele, em investimentos de R$ 250 milhões em quatro anos.


Na ocasião, Costa disse que a intenção é fazer com que o sinal da nova TV chegue a todos os municípios (5.564). Há no Brasil, segundo o IBGE, 4.458 municípios com população de até 30 mil, dos quais 1.370 têm menos de 5.000 habitantes.


Segundo informação dos fabricantes de equipamentos, o principal item de custo de uma rede nacional de TV é levar o sinal aos pequenos municípios. O custo de um posto de retransmissão mais simples, para localidades com até 10 mil habitantes, foi calculado pelo presidente da Abirt (Associação Brasileira da Indústria de Radiodifusão), Eduardo Santos de Araújo, em R$ 50 mil.


Ou seja, para cobrir os 2.581 municípios com essa população, seria necessário um investimento de R$ 129 milhões.


Se o governo for instalar retransmissores em todos os municípios, gastará, pelo menos, R$ 443,36 milhões, fora o investimento na implantação da emissora que vai gerar a programação e colocá-la no satélite para ser retransmitida.


A projeção dos R$ 523,36 milhões foi feita com a máxima economia de custos. Pressupôs, por exemplo, o compartilhamento de torres de retransmissão com outras emissoras, e cessão de terrenos por prefeituras, prática que o ministro cogitou adotar no projeto.


Costa não explicou como chegou à sua cifra, de R$ 250 milhões. Em entrevista à Folha, na terça-feira, disse que se tratava de um número inicial, que precisa ser ‘refinado’.


Há vários pontos obscuros em relação à estrutura da TV estatal pretendida pelo ministro. O primeiro ponto refere-se à Radiobrás. Costa disse que não está decidido se será aproveitada a estrutura da Radiobrás, que cobre 30% do país.


Segundo especialistas, se o governo for implantar uma rede paralela à da Radiobrás, terá de instalar uma emissora geradora, que será a cabeça da rede. Uma geradora de médio porte, com capacidade de produzir 24 horas de programação, custa, no mínimo, R$ 84 milhões.


Costa afirmou, por meio de sua assessoria, que a decisão final sobre o projeto será dada pela Secom. Em relação ao custo apontado por fabricantes, disse que, se o projeto for compartilhado com Estados e municípios, diminuirá o dispêndio do governo, mas não comentou a diferença entre o valor apontado pelos fabricantes e sua projeção de R$ 250 milhões.

******

Jornalista