Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um desconfiômetro para o apresentador

O programa Caldeirão do Huck, sob a liderança do apresentador Luciano Huck, tem se convertido em uma dessas pérolas da nossa santa idiotice que diariamente preenche a programação da TV aberta brasileira sob a bandeira da ‘liberdade de expressão’. Essa fronteira confusa teve um dos seus mais significativos momentos na edição do programa supracitado que foi ao ar sábado, dia 21 de julho de 2007.

Eu cochilava no sofá, em frente à TV – meio esquecido da letra da música ‘Milha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)’, d’O Rappa, que diz: ‘me abrace e me dê um beijo, faça um filho comigo, mas não deixe sentar na poltrona no dia de domingo, procurando novas drogas de aluguel nesse vídeo coagido, é pela paz que eu não quero seguir admitindo’. Pois que, de repente, pulo da poltrona para prestar atenção no que vinha da TV e ter certeza que eu estava acordado, e não mais cochilando. E o pior é que nem era dia de domingo, mas esse detalhe apenas nos lembra que as drogas de aluguel e os vídeos coagidos na TV brasileira não se resumem aos domingos.

Na tela, Luciano lembrava um episódio de um norte-americano que, por ocasião do início dos jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, havia comparado o Brasil com o Congo e, diante de tamanha ofensa (imagine!), o tal norte-americano foi mandado de volta ao seu país.

O limite da ética

Então, anuncia o Luciano Huck, para mostrar que o Brasil (especialmente em época de Pan-Americano) é democrático e hospitaleiro e sabe conviver com todos (exceto com quem faz tal tipo de comparação), resolve fazer uma homenagem ao Congo – ele ainda se pergunta sobre o gentílico de Congo e sugere que é King-Kong. Essa homenagem consiste em uma pessoa vestida de gorila andando pelas ruas do Rio e, segundo o próprio apresentador, esse gorila é um legitimo habitante do Congo. O vídeo do programa, para quem não o viu e quiser conferi-lo, ainda está disponível na internet.

Quer dizer que não podemos tolerar uma comparação do Brasil com o Congo, mas, para ‘homenagear o Congo’ nós podemos transformá-lo em algo desumanizado, para nos divertirmos à suas custas. Achei que a mensagem deveria ser para o tal norte-americano que fez a comparação, mas o que Luciano Huck fez foi juntar-se a ele, não mais para chacotear o Brasil, mas para chacotear o Congo – que nesse caso foi duplamente aviltado. Sinceramente, espero que este exemplo não seja o que sustenta a defesa de ‘liberdade de expressão’ patrocinada pelos donos e magnatas da comunicação e hoje tão propalada na mídia brasileira. Se for para isso, só posso imaginar que essa ‘liberdade de expressão’ não é a mesma que eu defendo, pois essa liberdade sem parâmetro e sem o mínimo de responsabilidade nos encaminha numa direção extremamente confusa.

Espero que haja um conjunto de instituições brasileiras e transnacionais interessadas em dar a Luciano Huck e à sua equipe um pequeno desconfiômetro, ou seja, que ele seja alertado para o fato de que, do mesmo jeito que nos incomodamos com comparações aberrantes que são feitas a nosso respeito, outras pessoas, em outros países, também podem se sentir enormemente ofendidas quando decidimos rir às suas custas. Alguém tem que dizer a esse moço que ele ‘se toque’, que ele ‘se ligue’. Ao besteirol que custeia a sua vida deve ser imposto o limite da ética.

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Professor dos cursos de Pedagogia e Comunicação Social do Departamento de Ciências Humanas III da UNEB, Juazeiro, BA