Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um jovem de 90 anos

Das primeiras irradiações nos anos 1920 à reinvenção pautada pela internet, passando pelos anos de glória. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (30/10) pela TV Brasil comemorou os 90 anos do veículo de comunicação de massa que uniu o país de norte a sul: o rádio. Para conversar com Alberto Dines, o programa contou com a presença de Magaly Prado, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professora da Cásper Líbero, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP), Magaly escreveu três livros sobre rádio.

Em editorial, Dines sublinhou a importância de celebrar os 90 anos do rádio neste momento de crise da mídia: “À nossa volta acumulam-se as vítimas, sobretudo no segmento impresso. O fim do Jornal da Tarde, em São Paulo, e do semanário americano Newsweek não devem esconder a existência longeva de inúmeros jornais brasileiros. Muitas rádios também desapareceram, como a Rádio Mayrink Veiga e a Rádio Clube do Brasil. Mas o meio rádio está aí, novinho em folha e, de certa forma, revigorado pelos desafios oferecidos na era digital. Foi o primeiro veículo de comunicação de massa e, ao contrário do que se previa, não acabou com o jornal, nem foi morto pelo cinema ou a TV” [ver íntegra abaixo].

O Observatório exibiu entrevistas gravadas com pesquisadores, artistas e jornalistas que ajudaram a contar a história do veículo. A atriz Fernanda Montenegro destacou o poder de penetração do rádio: “O homem do campo, eu sei porque já vi isso, ele trabalha, ele capina, ele cuida lá da terra com um radinho do lado. Ele tem informação do mundo inteiro ali, baratinho, ele não tem que parar a sua vida. E, por outro lado, ele é sensibilizado por esse mundo que não faz ele parar para ser visto e ser ouvido. Eu acho isso um ganho talvez maior que a humanidade já teve em matéria de possibilidade de comunicação”. Para a atriz, o rádio não confina o ouvinte ao redor do aparelho. Ao contrário, liberta.

A tímida chegada

Um ruído distorcido, quase inaudível, marcou a primeira transmissão oficial de rádio no Brasil. Em 7 de setembro de 1922, durante a Exposição Internacional montada no Rio de Janeiro para celebrar o Centenário da Independência, o veículo de comunicação de massa que transformaria o Brasil nas décadas seguintes chegou ao país. Interessadas em exportar aparelhos de rádio, as companhias norte-americanas Westinghouse e Western Electric instalaram estações de transmissão no Corcovado e na Praia Vermelha.

“Eram equipamentos pesados, muitas válvulas. Aquilo funcionava de uma forma muito empírica, mas assim mesmo foram instalados no recinto da feira aqueles alto-falante antigos em forma de cornetas”, disse o radialista e pesquisador Reynaldo C. Tavares. As estações transmitiram a fala de abertura do presidente Epitácio Pessoa e, naquela mesma noite, os acordes da ópera “O Guarany”, de Carlos Gomes, foram irradiados do Theatro Municipal. Durante todo o evento, as estações transmitiram cotações de produtos, previsão do tempo e música.

O governo não se interessou em comprar os equipamentos e, no ano seguinte, as estações começaram a ser desmontadas. Inconformado, o antropólogo e médico Edgard Roquette Pinto decidiu acionar os intelectuais e integrantes da Academia Brasileira de Ciências. O físico Ildeu Castro, pesquisador da história da Rádio Sociedade, contou como foi a criação da rádio: “Cientistas, educadores, alguns empresários se reuniram para perceber que era fundamental, a partir de um instrumento novo de comunicação, atingir muito mais gente, e se organizar para isso. Fundamentalmente, sem um propósito privado ou de lucro, mas um propósito educativo, de cultura e de ciência”.

Em 20 de abril de 1923, o grupo liderado por Roquette Pinto funda a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, hoje Rádio MEC. Roquette aposta no rádio como ferramenta para atingir o contingente de 65% de brasileiros então analfabetos.

O rádio de profissionaliza

Meses depois da fundação da Rádio Sociedade nascem mais duas estações: a Rádio Clube do Brasil e a Rádio Clube de Pernambuco. Até o final dos anos 1920, trinta emissoras são fundadas por todo o país, mas as transmissões ainda atingem apenas a elite e têm um horário limitado. Na década de 1930, Ademar Casé revoluciona o rádio brasileiro. Funcionário da Rádio Philips, Casé montou a estratégia de bater de porta em porta com aparelhos de rádio. Depois de um breve período de demonstração, a maioria dos escolhidos comprava o equipamento.

“Em três meses, o Casé acabou se tornando um campeão de vendas e despertou o interesse no diretor da Rádio Philips e a rádio, então, propôs a ele que montasse um programa”, disse Reynaldo C. Tavares. O “Programa Casé”, na avaliação de Tavares, foi uma escola de rádio. Ágil e criativo, Casé inovou ao veicular o primeiro jingle do rádio brasileiro, composto por Nássara, para a Padaria Bragança. Outro diferencial foi a valorização dos artistas, que passaram a assinar contratos de exclusividade.

O governo percebeu o potencial do veículo na década de 1940, regulamentou o seu funcionamento e autorizou a irradiação de publicidade. O rádio é convertido em um poderoso instrumento de propaganda estatal. Maria Helena Capelato, professora da USP, relembrou que o rádio havia sido uma importante ferramenta de promoção do regime nazista e que o governo Vargas inspirou-se nesse modelo para unificar o país. “Veio a calhar porque se o objetivo era a unificação territorial e também a criação de uma identidade política nacional, uma identidade que tivesse base nos valores, nas tradições brasileiras, numa identidade coletiva, então o rádio era o meio mais adequado de que a voz do chefe, do líder, chegasse aos cantos mais distantes do país”, disse a professora.

Em 1945, Fernanda Montenegro, uma jovem estudante de 15 anos, decidiu candidatar-se a um concurso na Rádio MEC, onde trabalharia por 10 anos. “Muita coisa, muita base do que eu possa me valer hoje na vida, essas coisas todas me vieram de uma percepção direta não só com a música, mas também com a parte literária porque a rádio também se servia desse material como produto e como informação cultural. Nós tínhamos aula de português, de declamação, noções de logopedia, de literatura. Tinha uma discoteca esplendorosa para a época, tinha também uma biblioteca importante. E a Rádio MEC também tinha coisas importantes como, por exemplo, a retransmissão durante anos, aos domingos, da Orquestra Sinfônica Brasileira tendo à frente o Eleazar de Carvalho”, lembrou a atriz.

Nasce a Rádio Nacional

Em 1940, o Estado incorporou o Grupo A Noitecomo pagamento de dívidas trabalhistas. Entre as empresas encampadas estava a já então poderosa Rádio Nacional. O governo permitiu que a renda publicitária arrecadada com os anúncios fosse revertida em melhorias na emissora, que se tornou líder nacional em audiência. Bem equipada, a Rádio Nacional contava com o melhor elenco de cantores, músicos, atores e radialistas do mercado. “O faturamento era grande, não há dúvida nenhuma. Mas todo esse faturamento era usado em benefício da própria emissora”, explicou Reynaldo C. Tavares. Para o pesquisador musical Ricardo Cravo Albim, o presidente Getúlio Vargas teve uma “intuição genial” de estimular a criação de emissoras particulares nesse período.

Os programas de auditório marcaram a história do rádio no Brasil. Seus apresentadores, como César Ladeira, levaram as multidões ao delírio e promoveram os artistas ao status de estrelas. “Naquele tempo, isso era fundamental. Se você ouvir uma voz rascante como a da Dalva [de Oliveira], uma voz lancinante, se você ouvir uma voz tão envolvente e aveludada como a do Cauby [Peixoto], se ouvir uma voz perfeita e quente como a da Ângela Maria, consegue entender melhor o que isso causou na cabeça das pessoas”, disse o pesquisador musical Rodrigo Faour.

Das muitas histórias que envolvem os cantores da era de ouro do rádio, uma ficou marcada para os que viveram aquele período: a guerra entre fãs de Emilinha Borba e de Marlene. Ricardo Cravo Albim contou que a antipatia entre os grupos não era marketing: “Os fãs clubes se estabeleceram espontaneamente e dividiram o Brasil em um tratado imaginário das ‘Tordesilhas Radiofônicas’, entre Marlene e Emilinha Borba”, disse.

Novelas eternas

Histórias de mocinhas e vilões recheadas de reviravoltas reúnem as famílias ao redor do rádio a partir da década de 1940. A dramaturgia ganha espaço na programação com a encenação de peças teatrais e novelas. As rádios Nacional e Mayrink Veiga apostam alto e empregam mais de 350 radioatores. Em uma década, a Rádio Nacional produziria mais de 850 folhetins, chegando a transmitir quinze novelas diferentes por dia. A mais famosa delas, O Direito de Nascer, durou quase três anos. Seu dramático enredo envolvendo amores proibidos, filhos bastardos e traições bateu todos os recordes de audiência. “Eu observo que o rádio tem uma magia que a televisão não tem. É a magia de transmitir imediatamente a voz humana sem imagem”, disse Ricardo Cravo Albim.

Para Fernanda Montenegro, o rádio enriquece a imaginação. “Um bom rádio, uma boa narrativa, um bom radioteatro, ele serve o imaginário sem fronteiras. Quando você pega uma história e põe num vídeo, põe o cinema, e você fecha a visão daquele diretor, daquela produção, a tua imaginação também fica ali, confinada”, explicou. A atriz relembrou que o rádio era o ponto central das casas: “As pessoas ficavam sentadas ouvindo aquele aparelho que também era um tipo de altar, porque inclusive eram peças grandes. E não só novelas, mas programas humorísticos. As famílias riam. Eu me lembro do “Balança, mas não cai”e de um programa chamado “PRK-30”. Era um programa de uma comicidade… só de ouvir. O Brasil parava”, contou Fernanda.

O potencial do rádio como transmissor da notícia instantânea só se consolidou na década de 1940. Até ali, o radiojornalismo brasileiro era restrito à monótona leitura dos jornais impressos. Emissoras internacionais, como a Rádio Berlim e Rádio Italiana, aproveitaram para tentar conquistar os ouvintes. A professora de História do Rádio Rose Esquenazi explicou que as emissoras queriam convencer os brasileiros e latinos de que o regime fascista era mais forte. “A BBC descobriu isso e resolveu então fazer um serviço em português para o Brasil, e para a América Latina em espanhol. Era numa mesma faixa de horário e começou a contrapor, começou uma briga radiofônica pelos ouvintes”, disse Rose. Pouco depois, os americanos perceberam a estratégia e começaram a também se aproximar pelas ondas do rádio.

O rádio como testemunha

Vibrante, sucinto e pontual, o “Repórter Esso” revolucionou o radiojornalismo brasileiro. O mais emblemático jornal da história do rádio entrou no ar em 1941 com quatro edições diárias de cinco minutos e inúmeros boletins extras. O “primeiro a dar as últimas” era inicialmente produzido pela empresa de publicidade McCann Erickson, com informações da agência de notícias norte-americana United Press. “Quando os americanos chegam aqui querendo investir no ‘Repórter Esso’, que vai ser o principal radiojornal de todos os tempos no Brasil, o que acontece é que a gente acaba aprendendo a fazer a notícia mais enxuta, mais objetiva e com muito investimento”, disse Rose Esquenazi. Transmitido por cinco emissoras, o programa ficou 27 anos no ar.

Magaly Prado comentou o futuro do radiojornalismo com a chegada da internet: “O jornalismo é o jornalismo como sempre, em qualquer plataforma. Mas hoje temos que saber que não tem mais como não conviver com este colaborador. Como o rádio é facilitado pelos aparatos, pelos aplicativos, qualquer pessoa pode fazer rádio. Ela faz um audiocast, pendura na rede, tem o seu micropúblico na cauda longa e consegue falar com públicos variados”, disse a professora.

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O rádio que se transforma – Luiz Carlos Ramos

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90 anos no ar

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 663, exibido em 30/10/2012

No exato momento em que o sistema midiático global está sendo submetido a um tremendo sacolejo, é extremamente alentador comemorar os 90 anos do rádio brasileiro.

À nossa volta acumulam-se as vítimas, sobretudo no segmento impresso. O fim do Jornal da Tarde, em São Paulo, e do semanário americano Newsweek não devem esconder a existência longeva de inúmeros jornais brasileiros com 187, 185 ou 137 anos, como o Estadão.

Muitas rádios também desapareceram, como a Rádio Mayrink Veiga e a Rádio Clube do Brasil. Mas o meio rádio está aí, novinho em folha e, de certa forma, revigorado pelos desafios oferecidos na era digital.

Foi o primeiro veículo de comunicação de massa e, ao contrário do que se previa, não acabou com o jornal, nem foi morto pelo cinema ou a TV. E nestes 90 anos da era do rádio, e a despeito das previsões apocalípticas, é imperioso lembrar a inextinguível vocação comunicadora da humanidade.

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[Lilia Diniz é jornalista]