Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma oportunidade que não pode ser desperdiçada

Parecia que a decisão sobre a escolha do modelo tecnológico a ser adotado pela TV Digital brasileira já havia sido tomada pelo Executivo sem a participação de outros poderes e muito menos da sociedade civil organizada. Mas, de repente, os prazos foram dilatados e a negociação foi reaberta, aparentemente em função de importantes divergências internas entre ministros poderosos.


Ao mesmo tempo, surgiu outro espaço de discussão. Na quarta-feira (8/2) foi realizada uma plenária da Câmara dos Deputados, transformada em Comissão Geral (cf. Art. 91 do Regimento Interno) para o debate do tema.


A necessária entrada – ainda que tardia – dos senhores deputados no debate, transmitida ao vivo pela TV Câmara, mesmo sem qualquer garantia que o rumo da decisão de governo seja alterado, explicitou ainda mais as posições dos diferentes atores que têm interesses em disputa.


A defesa da TV Digital ‘livre e gratuita’ foi o bordão utilizado por cerca da metade dos quarenta oradores convidados. Se um estrangeiro, alheio ao desenrolar das discussões, desembarcasse no Brasil e assistisse à sessão da Câmara, certamente sairia convencido de que o debate tem girado em torno da seguinte questão: deve a TV Digital – a exemplo do que ocorre hoje com a TV aberta – ser livre e gratuita?


Mas é essa realmente a questão que tem dominado o debate entre nós? Existem atores defendendo que a TV Digital – ao contrário da TV aberta – não seja ‘livre e gratuita’?


Propaganda partidária


Qualquer cidadão que venha acompanhando o que tem sido divulgado pela grande mídia sobre o assunto sabe que essa é uma questão falsa. E, coincidentemente, os convidados que insistiram nesse bordão na sessão da Câmara dos Deputados representam os mesmos interesses e defendem as mesmas posições: querem uma decisão imediata do governo federal; são favoráveis à adoção do modelo japonês e… são concessionários privados de radiodifusão.


O que, de fato, se esconde por trás do bordão ‘livre e gratuita’?


TV livre para esses atores significa concessionárias de TV privadas e comerciais, operando praticamente sem regulação do Estado ao sabor dos ventos do mercado. TV gratuita significa TV financiada preponderantemente (e não exclusivamente) pela publicidade de produtos e serviços.


Registre-se, todavia, que os custos da publicidade são incorporados aos preços finais dos produtos e serviços pagos pelo consumidor. E que os custos de veiculação do horário gratuito de propaganda eleitoral – também repetidamente citado pelos mesmos atores – é objeto de ressarcimento fiscal às emissoras de radio e TV, conforme previsto na Lei Eleitoral. Não há, portanto, gratuidade.


Decisão final


Seria essa TV ‘livre e gratuita’ que estaria em jogo na escolha do padrão tecnológico da TV digital?


Não. Não é. A principal questão em disputa é exatamente a finalidade básica das concessões de radiodifusão (e de telecomunicações) – digitais ou não. A prioridade deve ser o atendimento ao interesse público e o exercício pelo cidadão de seu direito à comunicação. Isso significa acesso à mídia e representação plural e diversificada dos pontos de vista existentes na sociedade.


A escolha do padrão tecnológico da TV Digital brasileira oferece aos formuladores da política pública do setor uma oportunidade única e histórica para a democratização da radiodifusão.


Democratizar ou permanecer sob a hegemonia oligopolizada de uns poucos grupos privados nacionais associados aos megagrupos multinacionais de mídia e/ou de telecomunicações?


Decidir às pressas ou aproveitar a ocasião única para a construção de um marco regulatório – longamente devido – que inclua as novas questões decorrentes da revolução digital e da convergência tecnológica, inclusive os diferentes padrões de TV Digital?


A TV livre e gratuita que está em jogo é aquela que atende ao interesse público. E é somente o interesse público que deve orientar a decisão final do governo sobre o padrão tecnológico da TV Digital no Brasil.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)