Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma tecnologia nacional para o rádio digital

Após seis anos de testes e debates sobre o rádio digital, apenas um consenso sobrevive: O rádio tem que se digitalizar para sobreviver à convergência das mídias que se aproxima. As vantagens para o rádio são mais visíveis nas emissoras de Amplitude Modulada, pois a qualidade de áudio tem uma melhora bem perceptível, mais do que nas de Freqüência Modulada. Para ambas o ingresso na tecnologia digital poderá trazer mais serviços agregados.

Como radiodifusor de AM e apaixonado pelo serviço que ela presta à comunidade, cultivo uma preocupação quanto ao seu futuro. Primeiro pelas crescentes perturbações e ruídos que se alastram nos grandes centros, tornando em algumas áreas o AM inaudível; segundo, pelas mudanças na geografia das cidades e nas características do solo em volta dos parques transmissores que prejudicam a propagação das Ondas Médias. Por fim, a péssima qualidade dos receptores colocados à disposição dos consumidores, na maioria chineses, via Paraguay, não conseguem sintonizar todas as emissoras AMs.

As tecnologias apresentadas

Até hoje chegou ao país de forma mais concreta apenas duas tecnologias para o rádio digital: O DRM e o IBOC. Não pretendo me aprofundar tecnicamente neles, mas pondero que as duas tecnologias não servem para o radiodifusor brasileiro que opera na faixa das Ondas Médias. Elas têm sua irradiação baseadas na plataforma de AM, que pelos motivos comentados anteriormente, sofrem interferência, com ruídos e chiados no analógico e no digital ficariam mudos. O IBOC e o DRM também apresentam os problemas da transmissão simultânea, na mesma faixa, do analógico e do digital, um atrapalha o outro. Levando em consideração que seriam necessários pelo menos dez anos para que houvesse a transição completa pelo consumidor do analógico para o digital, teríamos uma década de transmissão ainda pior no rádio AM analógico e um rádio AM digital cheio de problemas.

O analógico e o digital não conseguem conviver com qualidade na mesma banda. Acredito que a audiência acabaria por debandar para outro serviço. A solução seria uma transição para uma freqüência livre onde o digital operaria full, enquanto continuaria com a transmissão analógica até o momento da transição final. O AM poderia ir para os canais 5 e 6 da TV analógica (76 MHz à 88 MHz), e as FMs migrariam para onde? Parece que essas tecnologias estão condenadas pela transição.

Tecnologia nacional

A TV enfrentava também os mesmos problemas do rádio, a atual faixa levava dificuldades para a migração, os dirigentes e engenheiros de televisão foram buscar o caminho mais apropriado tecnologicamente e politicamente para a migração. O rádio começou a discutir o sistema digital bem antes da TV no Brasil e ainda não chegou a nenhuma conclusão.

Venho defendendo uma guinada no rumo das discussões do rádio digital. Cada vez mais me convenço que devemos seguir o exemplo bem sucedido (na migração) da TV digital. O rádio deve ocupar uma freqüência consignada, nova, livre, e aos poucos ir fazendo a sua migração, sem prejudicar o analógico, sem apressar o pequeno e distante radiodifusor.

Imaginemos se o rádio utilizasse uma nova freqüência, com seu transmissor digital full, podendo fazer seus ajustes, testes e investimentos na velocidade da sua praça e nível de exigência dos seus consumidores, este é o ambiente ideal para a migração.

Continuando o exercício de criarmos em nossas mentes o ambiente ideal para o novo Rádio brasileiro, imaginemos que, além do rádio ser digitalizado e se ele pudesse dar um passo simultâneo à convergência das mídias? Ou seja, estar numa freqüência que pudesse agregar outras formas de mídias. Existe um ambiente assim para o Rádio, uma tecnologia de menor custo e nacional, desenvolvida no Brasil.

O rádio digital brasileiro poderia ocupar o canal 14 da TV digital (470 MHz à 476 MHz). Esses 6 MHz abrigariam com tranqüilidade as rádios de toda uma região metropolitana, como São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, transmitindo em digital, com todas as vantagens agregadas apresentadas pelo IBOC ou DRM. O custo seria bem menor que as adaptações na transmissão simultânea. Para se ter uma idéia, uma emissora que opera em 10 000 w de potência precisaria de algo em torno de 400 w para ter a mesma cobertura, e isso com um transmissor em VHF (470 MHz) que não custaria muito mais do que R$ 8.000,00. É evidente que ainda haveria o custo de antenas e software, mas com certeza bem mais baratos do que das outras tecnologias.

O receptor

A transmissão pelo canal de TV digital é viável e possível, entretanto, os mais críticos veriam dificuldades nos receptores, afinal é uma tecnologia nacional e não há disponíveis receptores de rádio nessa freqüência. É verdade, ainda não existem, mas também até há bem pouco também não existiam receptores e setup box para a TV digital brasileira – hoje já disponíveis nas lojas de todo o país. O receptor viria naturalmente, pois o mercado nacional é significativo no consumo de eletroeletrônico. Os países do Mercosul (Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai) e ainda Peru, Bolívia e Venezuela que adotaram o padrão brasileiro de TV digital, iriam com certeza nos seguir no rádio digital também.

Convergência

No momento em que a TV e o rádio estão em desvantagem na tendência de convergência de mídias, com perspectivas de perda de espaço para as teles e a internet, a união dos dois meios de comunicação numa mesma freqüência, permitirá que o rádio e a TV compartilhem as recepções em portáteis, celulares e televisores de última geração. Essa união fortaleceria a radiodifusão livre e gratuita do Brasil.

As vantagens

A possibilidade de abrigar as rádios digitais num canal de TV digital só traria vantagens ao país: teríamos resolvido a transição do rádio digital, permitiríamos que cada radiodifusor fizesse o investimento à seu tempo e necessidade, uniríamos a radiodifusão livre e gratuita e, ainda, estaríamos gerando emprego e exportando para o mundo a tecnologia.

Ainda é cedo para prevermos para onde caminhará a digitalização do mais popular e querido meio de comunicação, pois os lobbies estão se acotovelando para conquistar o segundo mercado mundial de radiodifusão, que é o Brasil, só perdemos para os EUA. O que me alegra é que as autoridades responsáveis pela decisão estão se portando de forma exemplar, cautelosos como a questão exige e interessadas na melhor solução e no menor tempo possível e responsável, aliás, agindo até mais interessadas do que muito radiodifusor brasileiro.

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Economista e advogado, é radiodifusor de emissora AM no interior do estado do Rio de Janeiro e presidente da Associação das Emissoras de Rádio e TV do Estado do Rio de Janeiro (AERJ)