Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Violência contra o
público e os leitores

Um dia o jornaleiro me informou que o Le Monde diário não poderia mais ser adquirido no Brasil. Os poucos leitores não conferiam a devida rentabilidade à importação de um produto tão caro. Quem quisesse que o lesse na internet, quem não tivesse o hábito que desse adeus ao caderno de livros às sextas-feiras e à leitura deglutida com calma e arquivada, sem links.


Outro dia o mesmo jornaleiro foi o mensageiro da notícia triste: a revista encartada todos os domingos no jornal espanhol El País não viria mais para o Brasil. Papel bom, quatro cores, grandes colaboradores, só que os parcos interessados no Brasil não compensavam a venda. Agora o jornal viria sem uma das melhores revistas acopladas, com entrevistas suculentas com o rei Juan Carlos, o ator Antonio Banderas, os escritores José Saramago ou Antonio Tabucchi, o compositor Joanr Manoel Serrat, a bruxa cantora Chavela Vargas ou Chico Buarque, os artigos de Rosa Montero, o refinamento gráfico. Mais uma janela se fechava para o mundo.


Foi num fim de semana que meus canais da BBC e da TV5 não funcionaram na Net. A sensação foi de orfandade. Motivo: ‘Face ao tamanho que a Net tem de assinantes, o número de interessados nesses canais era mínimo’, disse o diretor de Produtos e Serviços Marcio Carvalho.


A mim, assinante do sistema analógico, propuseram uma integração no sistema digital que me custaria quase o dobro. Como recusei e exigi os canais ameaçando uma ida ao Procon, ofereceram-me a digitalização no meu pacote mesmo. Não sei até quando pelo mesmo preço. Foi um caos no meu modesto aparelho de TV, que teve de abrir mão da conexão com o aparelho de DVD e complicou o acesso à TVA, que mantenho justamente para não perder o Eurochannel e os filmes europeus – uma janelinha ficcional para o Velho Mundo.


Mapa redesenhado


Agora vem O Globo comunicar numa cartinha formal que os assinantes residentes fora do Rio de Janeiro seriam privados de alguns cadernos. Segundo o jornal, uma pesquisa realizada com leitores constatou que os cadernos ‘com conteúdo voltado para o Rio de Janeiro não atendem aos interesses dos leitores de fora desta região’.


O gerente de assinaturas Alexandre Ferraz colocava o suplemento literário ‘Prosa e Verso’ e o ótimo ‘Informática & Etc’ no mesmo bolo dos cadernos ‘Carro’, ‘Classificados’, ‘Boa Chance’, ‘Rio Show’ e ‘Megazine’. Não conseguindo ver o que ‘Informática’ e ‘Prosa e Verso’ teriam a ver com carioquice, o gerente me tranqüilizou na cartinha: assinante morando em São Paulo receberia como prêmio de consolação o desconto de R$ 2,07 na assinatura.


Não há consolo para a ausência, nas bancas de jornais brasileiras, de veículos como o Le Monde diário e a revista dominical encartada no El País. Não há mundo para um assinante de TV paga se fica vetada a exibição do melhor jornalismo – como o britânico da BBC e a versão francesa dos fatos na TV5, nem sempre coincidentes com a americana CNN. Não há desculpa para uma carioca que mora em São Paulo se uma de suas conexões com a cidade perdida é cortada. Em vez de atrair pessoas para o Rio de Janeiro, O Globo resolveu ignorá-las e ainda vetar a leitura de um caderno literário e outro de informática com a desculpa de serem ‘regionais’.


Tenho a sensação de que o mapa do mundo está sendo redesenhado e o Brasil recortado, navegando para longe isolado do resto, feito uma ilha, levando junto esta cota de brasileiros que não contam nas pesquisas, e pelo jeito não interessa a ninguém.

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Jornalista, São Paulo (SP)