Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Vivian Oswald

‘Centenas de milhares de livros, revistas e documentos raros – dezenas de bilhões de páginas – além de milhões de horas de gravações de vídeo e áudio, ao alcance dos dedos. Boa parte das infindáveis fileiras de estantes e arquivos das bibliotecas da Europa será digitalizada e colocada à disposição dos internautas ao longo dos próximos anos.

Numa empreitada ambiciosa, a União Européia (UE) decidiu disputar o ciberespaço para assegurar a difusão e a conservação do patrimônio cultural europeu. A iniciativa capitaneada inicialmente pela França foi anunciada pouco depois que o Google lançou seu polêmico projeto de levar para a internet nada menos que 15 milhões de livros do acervo de grandes bibliotecas americanas e da britânica Universidade de Oxford.

Diferentemente da iniciativa do maior site de buscas da internet, a biblioteca digital européia não tem pretensões comerciais. O projeto será financiado com dinheiro dos Estados-membros, da Comissão Européia e futuramente – espera-se – da iniciativa privada também.

Ainda não se sabe ao certo qual será a abrangência da nova ferramenta européia. O que se pretende é permitir que qualquer internauta possa percorrer o conteúdo de todas as bibliotecas européias e montar sua árvore genealógica, por exemplo, ou buscar a biografia de um autor, sua obra e a crítica a ela.

Calcula-se que existam mais de 2,5 bilhões de livros, revistas, periódicos e documentos raros guardados hoje pelas bibliotecas nacionais em todo o continente, além de milhões de horas de gravações, fotografias e gravuras. Pretende-se incluir na biblioteca digital européia todos os tipos de mídia disponível no acervo.

Mas as autoridades européias já avisam que não será possível ter acesso a todo esse material e que cada país terá que fazer escolhas. O trabalho de digitalização não é fácil, nem barato. Manter arquivos apenas para a visualização na tela tem um custo. Versões para download , outro, bem maior. Além disso, a iniciativa esbarra no tema sensível dos direitos autorais.

No primeiro momento fala-se em garantir o acesso apenas a obras anteriores a 1920, uma vez que já estariam em domínio público. Mas há quem diga que materiais mais recentes poderiam ser usados depois da negociação de seus direitos. Embora a Comissão tenha reiterado seu compromisso com respeito ao material protegido, editores e autores desconfiam do futuro dos seus negócios e começam a se movimentar. Em carta endereçada ao Conselho Europeu, a Federação dos Editores Europeus destaca sua preocupação com direitos autorais e o possível desequilíbrio no mercado de livros.

– A biblioteca digital poderá permitir o acesso a textos esgotados, que tenham desaparecido das livrarias e que os editores não imprimem mais. Os legisladores devem fixar regras rígidas de acesso a essas bibliotecas. Não existe arma definitiva contra a pirataria, mas pode-se, pelo menos, dispor de um arsenal de sanções – disse Dominique Goust, diretor geral da editora francesa Le Livre de Poche, que possui um catálogo de três mil títulos e lança em média 375 novidades por ano.

Editores temem competição virtual

Segundo o professor Jos Dumortier, diretor do Centro Interdisciplinar para Lei de Tecnologia da Informação da Universidade de Leuven, na Bélgica, o projeto da nova biblioteca deve ser compatível com o mercado de livros.

– Ela não pode criar competição ao setor, caso contrário acaba com ele. Poderia até se pensar em um acordo entre os setores envolvidos para tratar dos direitos autorais, mas existem muitas associações de classe na Europa e a legislação não é harmonizada.

Todas essas preocupações devem ser consideradas pela Comissão Européia na hora de elaborar o projeto da biblioteca digital em julho do ano que vem. Neste momento, está em curso um processo de consulta pública através do qual a comissão pretende receber até janeiro de 2006 sugestões, desafios, dúvidas e demandas sobre a poderosa biblioteca que pretende criar.

Embora nada esteja muito claro sobre o futuro projeto a ser acertado entre os 25 países da UE, tem-se uma pista do que vem pela frente. Desde o início do ano existe uma grande biblioteca européia online. O site The European Library (www.theeuropeanlibrary.org), uma iniciativa da Conferência das Bibliotecas Nacionais Européias, permite o acesso às coleções de 12 bibliotecas nacionais e deve incluir outras 12 até o final de 2006. A partir do site, o internauta pode ter acesso aos catálogos das bibliotecas e algumas obras digitalizadas, entre elas a versão de documentos raros.’



Douglas McMillan

‘Acesso à informação do lado de cá do equador’, copyright O Globo, 19/11/05

‘No Brasil ainda não há planos ambiciosos como os da Google ou da Amazon, mas projetos interessantes já disponibilizam bibliotecas de uma forma ou de outra aos internautas nacionais. Um deles é o Biblioteca Livre, programa de computador que será lançado dia 16 de dezembro e que foi elaborado numa parceria entre a Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional (Sabin), o Programa de Engenharia Elétrica e a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia Elétrica (Coppe), ambos da UFRJ, e patrocinado pela IBM. Através dele pode-se, sem muito esforço e com um computador básico, informatizar o catálogo de bibliotecas de qualquer tamanho e, mais importante, pôr esses dados na internet.

– Queríamos fazer um programa de código aberto, que pudesse ser aperfeiçoado e modificado para atender necessidades especiais. Ao mesmo tempo, que fosse profissional, para permitir a digitalização de grandes volumes de livros, e amigável, para que até mesmo pessoas sem intimidade com computadores pudessem utilizá-lo – diz um dos coordenadores do projeto, Ubaldo Miranda, da Sabin.

O programa cria entradas de catálogo detalhadas, acessíveis de forma simples através de uma etiqueta com código de barras, e as disponibiliza num site igualmente descomplicado, que pode ser acessado por qualquer internauta. Dependerá de cada biblioteca, no entanto, digitalizar o conteúdo de seus livros ou simplesmente exibir links para outros sites que já o tenham. A fase de testes, feita em três pequenas bibliotecas do Rio, acaba de ser concluída. O trabalho é rápido: duas pessoas sem experiência digitalizaram três mil livros em dois meses.

– O Brasil tem cerca de nove mil bibliotecas públicas. A imensa maioria delas não está informatizada. Programas desse tipo nunca custam menos de R$ 100 mil, impensável para quase todas. Nosso custo é zero, qualquer pessoa pode baixar o programa – explica Jorge Lopes de Souza Leão, da Coppe.

Em dezembro, o projeto distribuirá milhares de kits de instalação do programa para que mesmo bibliotecas sem acesso à internet possam se beneficiar. Outra possibilidade promissora é a de integrar diversos acervos num único site, algo que já está sendo discutido com universidades privadas cariocas e pode acontecer já no começo do ano. O download do Biblioteca Livre está disponível em www.biblivre.ufrj.br’



Mariza Louven

‘Internet vai ter expansão de 22% ao ano na receita’, copyright O Globo, 20/11/05

‘Os próximos anos serão da internet. De acordo com projeções da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC), nenhuma outra mídia apresentará taxas de crescimento semelhantes à desse segmento até 2009. Esta é uma constatação particularmente positiva para o Brasil e para o México, que concentram 73% dos gastos anuais da região com acessos à rede mundial de computadores.

A pesquisa ‘Global Entertainment and Media Outlook: 2005-2009’, realizada pela PwC em parceria com a Wilkofsky Gruen Associates, reúne informações de 58 países nas Américas, Europa, Ásia e Oceania. Para os próximos cinco anos, a internet terá o melhor desempenho na América Latina, com alta de 22,3% ao ano tanto na receita gerada por acessos quanto na incidência de publicidade.

– Os negócios referentes a direitos de transmissão em programas e redes de televisão, videogames e a indústria fonográfica deverão registrar elevação inferior a 10% em igual período – afirma Estela Vieira, sócia da PwC.

O Brasil é o segundo maior mercado de cinema e vídeo da região, com gastos de US$ 504 milhões em 2004, um aumento de 9,1% sobre o ano anterior, impulsionado principalmente pelo crescimento de 16,4% da bilheteria de cinema. Uma linha de crédito oferecida pelo BNDES está incentivando novos investimentos: a rede Cinebox planeja inaugurar cem novas salas até 2006 e o governo espera que outras mil sejam construídas nos próximos quatro anos, com aumento de 50% sobre a oferta.

Apenas 14,5% das casas brasileiras têm DVD

Apesar da pirataria, há 23 milhões de domicílios equipados com vídeo no país – uma taxa de penetração de 55,4% e que deve chegar a 70% em 2009, com 33 milhões de domicílios. Já o DVD está em apenas 14,5% das casas (seis milhões), devendo crescer sete vezes até 2009. O maior mercado da América Latina em aluguel de fitas também é aqui: girou US$ 208 milhões em 2004.

A TV por assinatura brasileira faturou US$ 1,46 bilhão em 2004, mesmo valor registrado pelo México. A projeção é de crescimento médio anual de 10% nos próximos anos, chegando a US$ 2,4 bilhões em 2009. O Brasil tem o maior número de assinantes da América Latina, 5,3 milhões, apesar de o índice de penetração ser ainda muito baixo: menos de 20% da população.

As vendas da indústria fonográfica subiram 39,3% em 2004 no país, ainda abaixo das de 2000. Os gastos com a compra de CDs e outros produtos comercializados pelas gravadoras vão declinar nos próximos cinco anos, a uma taxa média anual de 4,7%.’



O Estado de S. Paulo

‘Redução do apartheid digital à metade até 2015 é possível’, copyright O Estado de S. Paulo, 20/11/05

‘A Cúpula Mundial da Sociedade da Informação acabou ontem com a mensagem de que é possível reduzir significativamente o abismo digital entre ricos e pobres em uma década, e com o objetivo principal de fazer com que todas as localidades do planeta estejam conectadas à internet em 2015.

O encontro, que teve mais de 17 mil participantes, serviu para promover o chamado Fundo de Garantia Digital como principal mecanismo para financiar os projetos visando a reduzir o apartheid digital.

Os países em desenvolvimento não conseguiram obter a aprovação das contribuições, mas a comunidade internacional acordou a criação de um novo fórum multilateral em que os governos e as outras partes implicadas começarão a debater, no 2º trimestre de 2006, questões relativas à administração da internet, como segurança, crime eletrônico e proteção da propriedade intelectual.

A gestão técnica da rede continuará nas mãos dos Estados Unidos, que não cederam à pressão da comunidade internacional para que o controle das numerações e dos domínios da internet passe a ser de responsabilidade de um organismo intergovernamental.

A União Internacional de Telecomunicações (UIT), organismo pertencente ao sistema das Nações Unidas, publicou na cúpula uma série de dados que evidenciam um enorme abismo digital entre os países mais desenvolvidos e os mais pobres. Por exemplo: a taxa de penetração da internet nas sociedades americana e européia é de 62% e 41% da população, respectivamente. A média mundial é de 13%; da América Latina, 11%; da Ásia, 9%, e a da África, só 2%.

No final de 2004, havia nos países desenvolvidos uma média de 53,5 linhas telefônicas fixas para cada cem habitantes, ante 11,7 dos países em desenvolvimento. Na telefonia celular, a proporção de assinantes era de 76,8% e 18,8%, respectivamente.

A situação é especialmente grave no caso da África subsaariana, onde há uma só linha telefônica para cada cem habitantes. A UIT calcula que ainda exista um bilhão de pessoas no mundo sem a possibilidade de falar por telefone.

Apesar disso, a UIT transmitiu a mensagem de que é possível cumprir a maioria dos objetivos traçados na cúpula, como fazer a internet chegar a todas as 2,7 milhões de localidades existentes no planeta em 2015. A instituição calcula que será necessário um investimento de US$ 1 bilhão para conectar as 800 mil localidades que ainda estão fora da rede.

O organismo ligado à ONU também é otimista nos objetivos de facilitar o acesso de todos aos serviços de rádio e televisão, e de fazer com que, em 2015, metade da população mundial tenha acesso às tecnologias da informação e das comunicações (TIC).

Por outro lado, a UIT reconheceu a dificuldade de concretizar em um prazo tão curto outros objetivos, como garantir a presença dos cerca de 6 mil idiomas existentes no mundo na rede, e de estabelecer pontos de acesso público à internet em cada localidade.

A Cúpula serviu de vitrine a vários projetos com objetivo de reduzir o abismo digital, dentre os quais destacou-se o do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) para produzir maciçamente computadores portáteis a US$ 100 e distribui-los a entre 100 milhões e 150 milhões de estudantes de países em vias de desenvolvimento.

Nas discussões sobre o governo da internet, os EUA conseguiram manter a gestão técnica da rede, ferramenta que nasceu como um projeto militar do Pentágono, mas aceitaram a criação de um novo fórum internacional de discussão, cujos membros se reunirão pela primeira vez em Atenas no 2º trimestre de 2006.

O Plano de Ação da Cúpula prevê que esse organismo, chamado Fórum para o Governo da Internet (IGF), sirva para a discussão multilateral de assuntos ‘críticos’, como segurança e proteção na rede, qualidade do serviço, crime eletrônico, luta contra o spam e o terrorismo, e proteção da propriedade intelectual.’



O Globo

‘Entre direito e ‘esquerdo’ autoral’, copyright O Globo, 19/11/05

‘Duas das correntes mais fortes desafiando o velho conceito de direitos autorais são o Creative Commons e o Copyleft. Ambos, aliás, têm no Brasil um de seus baluartes. O primeiro, criado pelo professor de Stanford Lawrence Lessig, subdivide a licença comum em várias partes. No lugar do pressuposto ‘todos os direitos preservados’ do copyright, preserva-se apenas direitos específicos. Pode-se permitir a cópia, por exemplo, mas não qualquer alteração do conteúdo, ou vice-e-versa.

Já o Copyleft, nascido americano e hoje disseminado mundialmente, permite que o conteúdo assim licenciado seja livremente alterado e aperfeiçoado, mas obriga que o produto resultante também o seja. Foi idealizado para programas de computador, mas hoje seu conceito se estende a qualquer tipo de trabalho criativo ou científico, como música, imagens e, claro, livros.

Legítimo representante do Copyleft, o coletivo italiano Wu Ming, responsável pelo thriller histórico ‘54’, lançado no Brasil esse ano pela Conrad, disponibiliza a íntegra de seus livros na internet. Tendo como lema ‘O autor é uma farsa’, está em direta oposição aos autores e editores dos EUA.

– Promover uma melhor circulação do conhecimento não fere a fama ou a carreira editorial de um autor. Nossos livros estão disponíveis gratuitamente na internet há anos e continuam a vender bem nas livrarias. Não acho que isso seja uma ameaça à sobrevivência, pelo contrário – afirmou ao GLOBO um dos autores anônimos do coletivo, que esteve no Brasil há poucos dias participando da Feira do Livro de Porto Alegre. – É óbvio que apóio iniciativas como a da Google. Dias atrás demos a eles todos nossos títulos para que fizessem o que bem entendessem.

O liberalismo de um lado se depara com um conservadorismo identicamente razoável do outro.

– O sistema de direitos autorais funcionou tão bem durante séculos que hoje a Google tem essa riqueza enorme para digitalizar – disse Paul Aiken, diretor executivo da Authors Guild, por telefone, em Nova York. – Não podemos mudar tudo isso apenas porque uma nova tecnologia apareceu.

De lados opostos,esquerda e direita

Como é fácil perceber, há uma divisão ideológica atravessando o debate. Até a própria palavra Copyleft, um trocadilho que poderia ser traduzido livremente como ‘esquerdo autoral’, aponta isso. O fato levou o autor americano Nick Taylor, presidente da Authors Guild, a se perguntar num artigo recente: ‘Nosso país sempre se preocupou com o direito de propriedade. Quando decidimos que o socialismo era a melhor forma de administrar a internet?’.

Se o que Taylor diz é verdade, a batalha é mais uma vez entre socialistas e capitalistas. Como deixa bem claro em sua entrevista por telefone, de Washington, a presidente da Associação de Editores dos EUA, Pat Schroeder, há o debate sobre disseminar informação e cultura – e há as cifras.

– Quem faz um site quer ser visto, disseminar informação. Mas nenhum escritor quer ter o livro copiado. Do jeito que está, ganhamos apenas exposição e a Google fatura alto com anúncios. Não tenho nada contra bibliotecas digitais e disseminar informação, contanto que haja um plano de negócios decente.’



Folha de S. Paulo

‘Rede Democrática’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 20/11/05

‘A Cúpula da Sociedade da Informação que terminou ontem em Túnis foi obscurecida pela acalorada discussão sobre quem deve controlar a internet. Um acordo de última hora foi obtido na quarta-feira, instantes antes da abertura do encontro. Ficou acertado que, por enquanto, a gestão da rede continuará a ser feita pelos EUA. A partir do próximo ano, será criado um fórum internacional para discutir a questão -’solução’ típica de quem deseja manter tudo como está.

Com isso, os participantes da cúpula ficaram livres para dedicar-se a debater como diminuir o fosso digital entre ricos e pobres. Atualmente, apenas 14% da população mundial tem acesso à rede. A meta é que, até 2015, metade dos terráqueos estejam conectados à internet.

É claro que, no plano ideal, seria melhor se a internet fosse controlada por uma entidade absolutamente neutra e apolítica. Hoje, ela é gerida pela Icann (Corporação da Internet para o Anúncio de Nomes e Números), uma organização privada contratada pelo Departamento de Comércio dos EUA. O problema é que a proposta alternativa, defendida por países como Brasil, China e Arábia Saudita, de criar um organismo da ONU para substituir a Icann, além de irrealista, era altamente suspeita.

Para começar, ninguém de bom senso poderia crer que os EUA abririam mão de controlar um instrumento tão valioso como a internet, por eles criado e desenvolvido. De resto, a principal preocupação de Pequim e Riad não é tornar a rede mais aberta e democrática, mas, pelo contrário, mais controlável e censurável. Como o Brasil embarcou nesse pleito em companhia de algumas das piores ditaduras do planeta é questão ainda aberta a escrutínio.

De certo há que uma das maiores virtudes da internet reside justamente em sua multiplicidade que, por vezes, beira o caos. E é em sua virtual incontrolabilidade que está a garantia de que ela não será instrumentalizada por nenhum governo.’



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‘Cúpula termina com mais de 200 acordos’, copyright Folha de S. Paulo, 19/11/05

‘A Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, que terminou ontem em Túnis, na Tunísia, conseguiu alguns avanços no sentido de diminuir o abismo tecnológico entre países ricos e pobres.

Mais de 200 acordos para levar tecnologia a países em desenvolvimento foram firmados nos três dias da cúpula, que aconteceu no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas).

Os acordos foram firmados entre governos, empresas, ONGs e pessoas que participaram da cúpula e incluíram desde negócios envolvendo gigantes como a Microsoft até contatos entre inventores e investidores.

Os governos dos países ricos, no entanto, fizeram poucas doações ao Fundo Digital de Solidariedade da ONU -foram menos de 8 milhões em doações.

O objetivo do fundo é possibilitar que metade da população mundial, ou 3 bilhões de pessoas, tenha acesso à internet até 2015.

Também foi aprovada a criação do Fórum de Governança da Internet, grupo internacional que discutirá assuntos relativos à web. Diversos países protestavam contra o sistema de governança da web, considerado unilateral.

Apesar da novidade, os EUA vão manter o controle do sistema que guia o tráfego na internet. Com agências internacionais’



VIDEOGAMES
Steven Johnson

‘A sociedade eletrônica’, copyright Folha de S. Paulo, 20/11/05

‘Os moradores da aldeia estão inquietos. Penso neles com freqüência durante o dia, nos momentos tranqüilos, enquanto caminho depois de deixar meu filho na escola ou espero na fila do café. Penso em suas necessidades: alguns deles têm fome e precisam de um novo suprimento de cereais; alguns se cansaram de dormir sem um teto para abrigá-los.

Também penso em suas ambições: um dia construir um grande templo ou uma larga muralha ao redor do centro da aldeia para protegê-los das hordas invasoras. Penso em sua situação demográfica: neste momento não há crianças suficientes para sustentar o crescimento populacional que imagino para eles. E penso em sua devoção -a mim. Porque eu sou seu deus.

Devo dizer desde já que pensamentos desse tipo me deixam aliviado por não haver telepatas ao meu lado na Starbucks [maior rede de cafeterias dos EUA]. Há algo ligeiramente maluco em tentar descobrir como fortalecer seus adoradores contra os invasores e ao mesmo tempo decidir se vai tomar um ‘venti’ ou um ‘grande Frapuccino’. Mas é uma maluquice que qualquer videojogador habitual reconhece imediatamente. Porque, é claro, meus adoradores são virtuais.

Estou jogando Black & White 2, o novo jogo do aclamado criador Peter Molyneux, em que o jogador assume o papel de uma deidade. O objetivo final é aumentar seu rebanho: converter cidades inteiras em fiéis, seja pela fúria ou pela benevolência, conquistando-os ou vestindo-os. Ou geralmente, como no meu caso, com um pouco das duas coisas.

Se você não é um jogador, talvez se surpreenda com a quantidade de outros adultos de aparência normal ao seu redor que estão pensando coisas parecidas. Nos EUA, a indústria de jogos hoje fatura tanto quanto Hollywood, e o jogador médio tem cerca de 30 anos.

Estamos chegando rapidamente ao ponto em que um jogador comum tem mais probabilidade de ter um filho do que ser uma criança. Pelo menos desde Tetris, e provavelmente de Pong, os jogos digitais vêm se alojando no fundo de nossas consciências, instigando-nos a repensar suas charadas só mais uma vez antes de irmos para a cama.

Negócio arriscado

Eu diria que o motivo principal para essa queimação de tela é este fato realmente pouco citado: os jogos de hoje são excepcionalmente difíceis. Eles exigem um esforço mental que surpreenderia qualquer um que jogou pela última vez na era do Pac-Man. Em Black & White, por exemplo, o jogador deve simultaneamente rastrear centenas de variáveis mutáveis e interligadas.

Algumas delas têm uma natureza emocional e metabólica: cada adorador -e pode haver milhares deles- tem um conjunto diferente de necessidades que você deve satisfazer ou então correr o risco de perder sua devoção.

Algumas são militaristas: outros aldeões que adoram deuses rivais podem estar construindo exércitos para atacar seus enclaves. Algumas necessidades são ambientais: se você construir moradias demais para sua população, arrasará as florestas que rodeiam sua cidade em expansão.

O que é crucial é que cada um desses elementos está conectado aos outros: proteja suas florestas construindo menos casas e seus aldeões não se reproduzirão no mesmo ritmo, limitando o tamanho do Exército que você pode formar.

Black & White é um jogo relativamente intelectual, é claro -mas só em termos de assunto, e não de complexidade. Existem valores morais abordados explicitamente pelo jogo: você pode escolher a fúria ou a bondade, espadas ou arados, para superar suas metas: daí o título. Mas os desafios mentais envolvidos em Black & White são decididamente rotineiros.

O jogo para PC mais vendido de todos os tempos, The Sims, envolve um quadro de variáveis igualmente complexo para acompanhar, enquanto as simulações esportivas, sempre populares, o obrigam a dirigir toda uma organização -fazer negócios, equilibrar orçamentos, abrandar egos assim como dar ordens. Até o controverso jogo de atirador Grand Theft Auto apresenta um mundo incrivelmente amplo e complexo: o guia feito por um jogador com todas as variáveis envolvidas no jogo chegou a 53 mil palavras, o tamanho de um livro pequeno.

Mas essa complexidade, por si só, significa necessariamente que devemos encarar os jogos a sério como obras culturais? Que eles devam ser resenhados e dissecados juntamente com livros, filmes e balés? Afinal, os jogos de palavras cruzadas são mentalmente desafiadores, mas em geral não há resenhas deles nas seções de cultura.

Viciados no sistema

Creio que a resposta para essa pergunta é um decisivo ‘sim’, mas isso exige que desenvolvamos novos critérios estéticos adequados ao meio.

Muitos jogos levam o jogador por algum tipo de trajetória narrativa, mas acho que de modo geral contar histórias é uma das coisas menos interessantes nos jogos. No que se refere à profundidade psicológica, a maioria dos jogos é risivelmente simples.

A grande maioria dos jogadores, suspeito, não decide jogar porque quer descobrir o que vai acontecer ou porque se interessa pelos personagens. Eles jogam porque querem descobrir como funciona o sistema do jogo ou porque querem explorar o espaço que o jogo representa.

Narrativas banais e personagens unidimensionais parecem uma crítica, mas só se você partir dos critérios que usamos para romances ou filmes. Mas, se você pensar nos jogos como mais próximos da arquitetura ou da arte ambiental, eles não parecem tão fracos. Não desconsideramos os edifícios porque eles não têm linhas narrativas fortes ou personagens bem desenvolvidos. O mesmo vale para os jogos. Eles são -em primeiro lugar- ambientes e sistemas, e não histórias.

Teorias da sociedade

A arte de fazer um grande jogo está em criar espaços que são interessantes de explorar e sistemas interessantes de manipular -como os vibrantes aldeões de Black & White, com suas diversas necessidades interligadas. Mas, se os jogos carecem de força narrativa, não significa necessariamente que careçam de importância social.

Todos os complexos jogos de simulação que estão no mercado -desde The Sims a Civilization, SimCity e Black & White- são na verdade teorias animadas do funcionamento de uma determinada sociedade, seja a Roma Antiga ou uma metrópole moderna. Você aprende a teoria jogando.

Um dos atributos definidores de Grand Theft Auto que foi cronicamente ignorado pelos críticos é que o jogo faz uma sátira explícita da cultura americana das grandes cidades -ou, mais precisamente, o pesadelo da classe média dos subúrbios com a cultura das grandes cidades.

Mas essa sátira brota tanto do ambiente do jogo -a hilariante pseudotrilha sonora de rádio, os fragmentos de diálogo que se escutam no mundo- quanto da história que se desenrola conforme você joga.

Tudo isso -a força econômica da indústria de jogos, a complexidade dos próprios jogos e sua crescente relevância como plataforma de comentário social- resulta em uma conclusão inevitável: ignorar os jogos significa ignorar uma das formas culturais mais interessantes e criativas de nosso tempo -não muito diferente de ignorar Hollywood na era de ‘Cidadão Kane’ e ‘Gilda’.

Na verdade, há mais a dizer sobre a conexão entre as primeiras críticas de filmes e a avaliação contemporânea dos jogos. Mas terá de esperar para outro dia. Agora preciso cuidar do meu rebanho.

Steven Johnson é crítico cultural e colunista das revistas ‘Wired’, ‘Emergency Technology’, ‘Slate’, ‘New York Times Magazine’. Este texto foi publicado no ‘Guardian’. Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.’



Folha de S. Paulo

‘Novas mídias é tema de livro do autor’, copyright Folha de S. Paulo, 20/11/05

‘Em ‘Surpreendente’ (Campus, 216 págs., R$ 47), tradução pouco ortodoxa para ‘Everything Bad Is Good for You’ (Tudo que É Ruim É Bom para Você), Steven Johnson vai contra a corrente e defende que não há hoje uma perda de qualidade na cultura popular, afirmando que os estímulos da mídia de massa (videogames, internet, televisão e cinema) potencializam as faculdades cognitivas das pessoas. Ele também estuda o efeito dos desafios de jogos eletrônicos e as redes e processos mentais da interação com outras mídias.’