Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

2010, 2011, balanço e perspectivas





Acabado 2010, é tempo de o programa Observatório da Imprensa¸ da TV Brasil, analisar o ano que terminou e refletir sobre as questões que estarão em pauta no ano que começa. A edição exibida na terça-feira (4/1), gravada no início de dezembro de 2010, manteve a fórmula dos programas que fecharam os dois anos anteriores: um exercício informal de futurologia. De 2008 ao final de 2010, permaneceram no noticiário temas como a crise financeira internacional, o fenômeno Barack Obama e as conseqüências do aquecimento global. Novos

assuntos surgiram na edição apresentada nesta semana, como a eleição de Dilma Rousseff, a primeira presidente do país, o derrame de informações secretas promovido pelo site WikiLeaks e a tomada de comunidades dominadas pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o mesmo time de convidados das edições anteriores: Sérgio Besserman Vianna, Claudio Bojunga e Renato Lessa. Economista e ecologista, Besserman é presidente da Câmara de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura do Rio de Janeiro e professor de Economia da PUC-RJ. Foi presidente do IBGE e diretor de Planejamento do BNDES. Claudio Bojunga, jornalista, é formado em Direito e estudou Política Internacional no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Foi repórter, redator, crítico e correspondente internacional. É professor da PUC-Rio e escritor. Renato Lessa, cientista social, é professor titular de Teoria Política da Universidade Federal Fluminense (UFF). Preside o Instituto Ciência Hoje e é pesquisador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.


Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines comentou que a futurologia está démodé e, por isso, os vaticínios perderam a graça.




‘O processo histórico é extensivo e se desenvolve em simultâneo em todas as esferas e quadrantes, o que permite sucessivas ações e reações, impulsos e reversões, desequilíbrios e reequilíbrios. Em última análise, é uma prova de que a vida é mais forte do que a morte. Uma comparação com as edições anteriores nos mostrará que os temas são praticamente os mesmos. Também os personagens da cena mundial. Se, por um lado, os agravamentos e atenuações nos libertam do fatalismo, do catastrofismo e das superstições, por outro lado, esta grande máquina de equalizar eventos só pode ser percebida com uma grande dose de paciência’, disse.


Imprensa e sigilo


Na abertura do debate, Dines colocou em pauta o vazamento de mais de 250 mil documentos secretos da diplomacia americana pela organização WikiLeaks, em 28/11. Claudio Bojunga relembrou o comentário de um historiador inglês de que este vazamento é o ‘sonho’ dos pesquisadores e o ‘pesadelo’ dos diplomatas. ‘A primeira constatação é a de quem tem que cuidar do sigilo são as autoridades, o Departamento de Estado, a CIA, o Exército. A imprensa não tem nada que ver. A imprensa tem que publicar mesmo. E acabou-se’, disse o jornalista. Além das ‘fofocas’, na avaliação de Bojunga, há poucas revelações fortes. O caso mostra que termos como ‘confidencialidade’ e ‘segredo’ muitas vezes são usados de forma indevida e servem de abrigo para desvios. Bojunga chamou a atenção para o fato de que o fundador do site, Julian Assange, assegura que não publica todas as informações que recebe. Ficam de fora as que podem trazer riscos à integridade física dos envolvidos.


Para Dines, o vazamento massivo de dados banaliza a importância das notícias e está ligado ao desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação. A grande quantidade de informações produz uma fragmentação do noticiário e ‘ninguém consegue juntar os cacos’. Em tom de brincadeira, Sérgio Besserman disse: ‘Já existe a tecnologia para essas mensagens serem passadas sem risco de vazamento. É possível escrever em um papel, fechar bem, dentro de um envelope, e mandar um diplomata entregar, ao invés de passar um telegrama ou e-mail’. Besserman comentou que o caso da WikiLeaks põe em discussão duas questões relevantes: a perda de privacidade e a tese de que o excesso de informação significa ampliação do conhecimento. ‘A disponibilidade total de informação em um ambiente cultural desprovido de base, de visão de fundo, é um dos grandes problemas do mundo moderno’, avaliou o economista.


A ideia de sigilo, fundamental para a constituição do sujeito histórico moderno, está se tornando obsoleta rapidamente na opinião de Renato Lessa. ‘As tecnologias de inspeção da vida dos cidadãos – disponíveis, por exemplo, pelo Estado – são devastadoras’, sublinhou. O episódio mostra que não há limites. Nem mesmo ‘os segredos mais bem guardados’ dos que fiscalizam a sociedade podem ficar ao abrigo da curiosidade dos inspecionados. O desafio principal é que a velocidade de divulgação das informações é infinitamente maior do que a capacidade de reflexão sobre elas.


‘Há que comemorar que o sigilo dos Estados está sob ameaça. Mas, por outro lado, não se pode embarcar na ideia de que temos agora à nossa disposição a possibilidade de decifrar o que os decisores dos Estados nacionais estão fazendo’, disse Lessa. Para o cientista social, os historiadores estão diante de um desafio porque a História é uma disciplina que tem que se valer da perspectiva. Lessa teme que passe a ocorrer uma demanda pela elucidação histórica de eventos recentes, cujos desdobramentos ainda não estão claros.


Primeiros passos do novo governo


Um dos fatos políticos mais relevantes de 2010, a eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República esteve em pauta no Observatório. Sobre a montagem do ministério da presidente, Besserman destacou que foi mantida quase a mesma engenharia política do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ‘Ela fica com uma série de trincheiras para evitar pressões que considere indevidas. É uma tática relativamente esperta’, avaliou. Besserman disse que a relação entre a presidente Dilma e o ex-presidente Lula e entre os dois governos continuará presente. ‘O governo Dilma não assume em 1º de janeiro. Ele vai se constituir ao longo do enfrentamento das questões que virão pela frente’, disse. Já o governo Lula estará presente na forma de um ministério que acostumou a se reportar ao ex-presidente.


Claudio Bojunga destacou que parte da mídia levanta dúvidas se a presidente Dilma tentará ‘conquistar o brilho próprio’ ou seguirá os passos do ex-presidente Lula. Se o afastamento se confirmar, poderá haver um remanejamento natural dos cargos. É interessante refletir, na avaliação de Bojunga, se a mudança do quadro irá alterar certas tendências. ‘Qual era a dúvida? É que a tendência desenvolvimentista, entre aspas como é chamada, se chocasse com a tendência estabilizadora, mantenedora dessa austeridade extraordinária’, disse. Para o jornalista, durante a ruptura da continuidade ocorrerão indagações e será preciso mexer em certos personagens representativos da postura austera – como o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci.


Nas edições de 2008 e 2009, a crise financeira desencadeada pela bolha imobiliária dos Estados Unidos teve um peso importante no debate. Dines comentou que a crise ‘mudou de cores’, mas ainda abala as economias de diversos países. Para Renato Lessa, os brasileiros estão ligados a uma crença de que a crise existe, no entanto passa ao largo do país, sobretudo porque em sua fase aguda não causou danos sérios como o ocorrido em outras nações. Na avaliação do cientista social, essa referência deverá estar presente no governo Dilma, mesmo se a tendência de tratamento mais severo da questão fiscal for mantida. ‘Já há uma espécie de adaptação, não só ao cenário internacional, que nós não controlamos, mas às dificuldades internas que ficaram, não digo escondidas, mas latentes durante este período’, disse. Esta conjuntura terá reflexos políticos importantes porque a presidente Dilma herdou os votos, mas não o carisma, a biografia e o significado simbólico e sociológico do ex-presidente Lula na história contemporânea brasileira.


A crise longe do fim


Sérgio Besserman destacou que deve ser evitada qualquer ideia simplista sobre as causas da crise de 2008, como a atribuir apenas a erros de regulação sem levar em consideração o período histórico. O economista acredita que os ajustes mais severos ocorrerão no início do governo Dilma. Se os cenários macro, global e o brasileiro, em torno do meio do mandato, estiverem positivos – com as principais metas alcançadas, como crescimento acelerado e taxas de juros baixas – a política econômica em curso será mantida. ‘Caso a rodada de dificuldades continue, por conta da economia global e aproximando a primeira eleição de meio de mandato, e depois o período final de governo, a engenharia política terá que ser reconstruída porque ela não se sustentará’, previu.


O Observatório também discutiu a ocupação pelas forças de segurança pública do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, comunidades dominadas pelo narcotráfico na zona norte do Rio de Janeiro, no final de novembro do ano passado. Dines perguntou aos convidados sobre o papel do governo federal, no longo prazo, no restabelecimento da ordem pública nessas comunidades. Para Bojunga, é institucionalmente justificada a participação do governo federal nas ações que culminaram com a fuga dos bandidos para outras comunidades porque o terrorismo, a reforma do sistema prisional e a guarda das fronteiras são questões de âmbito federal. Bojunga defendeu que sem uma reforma integral das polícias não há como solucionar a crise da segurança pública no Rio de Janeiro.


Para Renato Lessa, federalismo brasileiro tem como característica a forte atuação do Poder Executivo. ‘Não é o federalismo que tem como consequência o enfraquecimento do poder central. Se a gente comparar com o [sistema] americano, os poderes são muito mais isonômicos, muito mais equilibrados’, explicou o cientista social. Em comparação com outras democracias, do ponto de vista constitucional o Poder Executivo brasileiro é o decisor dotado da maior quantidade de poderes. Lessa ponderou que a crise na segurança pública do Rio de Janeiro ocorrida em novembro último é um evento recente e, por isso, novos dados podem surgir.


De quem é o monopólio da força?


O papel do governo federal na organização da invasão das comunidades é muito maior do que se pode supor, na opinião de Lessa. ‘Eu não posso imaginar que uma polícia que era uma das pior avaliadas do planeta, em 24 horas tenha se transformado no seu oposto e tenha sido capaz de executar o que executou. É bem provável que a gente possa perceber nisso uma intervenção legal, no âmbito das possibilidades das relações no Brasil entre poder executivo federal e os governos. É um federalismo à brasileira’, ressaltou.


Sérgio Besserman afirmou que a segurança pública é uma das grandes questões da democracia brasileira. ‘Nas regiões metropolitanas do Brasil, a economia do crime adquiriu uma feição diferente porque o controle do território passou a fazer parte da equação financeira do negócio’, disse. O economista criticou a hipocrisia de autoridades e da sociedade carioca e brasileira que, durante décadas, agiram como se as comunidades dominadas pelo narcotráfico fossem inexpugnáveis. Para Besserman, do ângulo da oferta de serviços, essas comunidades passaram por avanços. No entanto, a presença do Estado por meio das leis ainda é inconsistente. ‘Se o Estado abre mão de território, se ele aceita a ideia de que ‘eu reconheço que naquele território eu não vou ter o monopólio da força’, ele vai abrir mão de tudo. E há uma vasta literatura em economia para mostrar que se a impunidade começa dentro de um território, ela se estenderá para todos os lados’, advertiu Besserman.


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Veja Também


As Reflexões 2009/ Projeções 2010  – Exibido em 22/12/2009







E Reflexões 2008/ Projeções 2009 – Exibido em 16/12/2008


http://www.tvbrasil.org.br/observatoriodaimprensa/cme/081216_491.htm

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Jornalista