Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A filósofa e o irmão de Celso Daniel

Em um programa de entrevista com a Marilena Chauí, observei, e assim ratifiquei, algo que já tinha percebido antes: um maniqueísmo que não é nem ideológico, é partidário. Em resposta a pergunta sobre a corrupção, ela veio com toda aquela lenga-lenga culpando a estrutura do sistema partidário e, por tabela, retirando toda a culpa dos companheiros. Ela tem razão quando diz que há 10 anos ocorreram episódios mais graves e a imprensa pouco ou nada repercutiu. O livro Privataria Tucana revela nos mínimos detalhes todos as maracutaias feitas contra os brasileiros e a nação brasileira pelos tucanos e nos capítulos finais revela também que muito do know how dos tucanos na arte de ludibriar a tigrada e trabalhar para os ricos e muito ricos tem seguidores no PT (Palocci & Cia.). Todos sabem da preferência da grande imprensa pelos tucanos e por qualquer outro que faça oposição ao PT. Tudo menos o PT, é o seu lema. Daí colocar a culpa toda na estrutura no sistema político vai uma grande distância.

Depois do programa de entrevista da Marilena Chauí, na mesma quinta-feira (22/3), tive a sorte de ver parte do programa Roda Viva onde estava sendo entrevistado o irmão do Celso Daniel, prefeito de Santo André morto em condições não bem esclarecidas até hoje. De cara, não entendi a indisposição dos entrevistadores com o entrevistado. Logo entendi a razão do mal-estar. Minha suposição é que os entrevistadores esperavam, aproveitando toda a tragédia familiar, que o entrevistado, cheio de ódio e rancor, endereçasse todo este ódio ao PT e assim eles criassem um belo programa para ser aproveitado em futuras campanhas políticas.

Não foi o que aconteceu. Apesar de tudo, o irmão de Celso Daniel demonstrava equilíbrio e apontava em parte o mesmo que Marilena Chauí, dizendo que os partidos – todos os partidos – eram reféns de uma estrutura política que tornava imperativa a arrecadação de dinheiro usando todos os meios disponíveis, inclusive achacando empresas prestadoras de serviços para o poder publico. A semelhança com o discurso de Marilena Chauí para aqui.

Corporativismo dos juízes

A versão do irmão de Celso Daniel é que seu irmão fazia isto, mas se sentia mal. Mais, não tirava para si nada deste recurso, que ia todo para o partido. Segundo Bruno Daniel, os problemas de seu irmão começaram quando ele percebeu que alguns estavam tirando dinheiro para si, e assim enriquecendo, e ele não concordava com isso. Tudo bem, podem dizer que isto é uma versão do irmão para limpar a imagem do mesmo. Também pode ser o contrário. Isto é, existem fortes indícios de que sua versão não seja apenas uma versão, e sim a verdade. Concorre para isto um fato capital: por que mataram a galinha dos ovos de ouro? Se ele concordasse com o esquema, por que o eliminariam?

De tudo resulta, no meu entender, que o fato da estrutura do sistema político exigir métodos não republicanos não é salvo-conduto para os políticos se aproveitarem para enriquecer, pegando parte do que deveria ser destinado totalmente ao partido. Isto é corrupção grave e Marilena Chauí, na ânsia maniqueísta de defender seu partido, acha isto um subproduto da estrutura político-partidária inofensivo que não deve ser levado em consideração.

Depois, vem se queixar em público porque a direita do seu partido abandonou quase todas as bandeiras progressistas e democráticas. Fico pasmo em ver até que ponto a fidelidade partidária pode chegar. Uma pessoa com a biografia de Marilena Chauí se dar ao trabalho de, seguidamente, através de artigo na imprensa, sair em defesa de um modo corporativo ao partido e, assim fazendo, passar uma mão por cima dos supostos corruptos deste. É o mesmo corporativismo, sem tirar nem por, dos juízes indignados com Eliana Calmon que pensam estar assim defendendo a instituição e estão, de fato, acobertando bandidos togados.

Referência não impede a crítica

Outra tirada questionável foi quando a filósofa e os outros entrevistados, “todos cheios de dedos”, queriam levantar a questão de que este estilo udenista-lacerdista era muito parecido com o estilo petista de fazer política antes da chegada ao poder. O PT era a vestal imaculada do antro de prostitutas que eram os demais, “os trezentos picaretas”. Ela matava no nascedouro a explicitação deste link.

Tem certas coisas que pessoas como Marilena Chauí demonstram não entender do mundo atual e vêm com a cantilena datada quando evocam “propriedade dos meios de produção”. Está certo, os proprietários dos meios de produção têm poder, mas nem tanto como tinham. Hoje, eles dividem com os donos da mídia e com outros atores, como os donos de impérios de telecomunicações. O poder é mais fluido e invisível na chamada modernidade líquida e isto, estas pessoas, com seus aparatos conceituais datados, parecem não entender. O acionista anônimo, o rentista, que tem um portfólio de investimentos pulverizados em “n” empresas, cujos interesses são representados pelos clubes de investimentos e pelos operadores da bolsa de valores, tem, às vezes, mais poder de fogo político e econômico que o acionista majoritário de uma só empresa.

Noves fora estas ressalvas, gosto muito de Marilena Chauí. Ela tem muito a ensinar quando sair desta seara maniqueista. Li o livro Diálogos com Marilena Chauí, organizado por Maria Celia Paoli, Editora Barcarolla, onde está relatado por ela e por outros que partilharam ou acompanharam seu trabalho na Secretaria de Educação de São Paulo. É um belo material, onde fica evidente a dignidade e a grandeza do governo Erundina e de Marilena Chauí, que tiveram que brigar com o mundo por ser o primeiro governo de esquerda da maior cidade da América Latina. O fato de ela ser uma das minhas referências políticas não impede que eu pense criticamente sobre parte de seu pensamento e prática.

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[Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS]