Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Educação e medalhas de menos

Tenho falado sobre anestesia e imobilidade de todos, incluindo aí nós, da imprensa, no meio social e escolar. Talvez um caminho que possa nos ajudar, em relação aos estudantes, seria estimular a prática esportiva nas escolas. Mais matérias e pautas sobre o assunto. Esporte traz autoestima e bons valores, como a consciência da conquista pelo mérito. Sem esforço, não se alcança uma marca respeitável. A criança e o jovem podem voltar a sonhar e descobrirem-se capazes de realizar qualquer objetivo. Esporte afasta drogas, une famílias. E essa palavra também que ser redescoberta por aqui: família. Esse é um dos motivos pelos quais a vinda de uma Olimpíada deveria ser tratada como algo diferente, mais que um simples oba-oba de festa.

Há que se pensar no chamado “legado olímpico”. Engana-se quem pensa que ele é feito somente pelas obras vetustas como investimentos em aeroportos, em estádios, em transportes coletivos e em segurança. O que já seria bom, com gastos responsáveis, sem hiper-faturamento. Mas além disso deve-se construir uma imagem positiva do país, de solidariedade, de união e lutar contra os estereótipos das mulheres fáceis, do turismo sexual etc., etc. Aí um caminho que podemos contribuir, e muito. Mostrar um outro Brasil. Essa é nossa grande chance. Apesar de tudo, nosso país hoje é reconhecido nos Brics, vive um bom momento econômico e também pensa em qualidade. Por exemplo, das empresas brasileiras, cerca de 6,9 mil possuem certificado de qualidade Iso-9000, maior número entre os países em desenvolvimento. A Inglaterra estava enterrada em uma maré de pessimismo e saiu da Olimpíada realizada: gastou menos que o esperado, mostrou sua força, seu poder e encantou.

Longe do mínimo aceitável

Para a Olimpíada, nós, a imprensa, mais do que incensar gestores, políticos e cartolas das confederações em trocas de benefícios, deveríamos ter uma cobertura mais crítica, no sentido não só de apontar problemas, mas apontar caminhos. Normalmente, em nossa cobertura, ou se é alarmista e vira inimigo declarado do evento, ou se mostra apenas os benefícios – não há moderação. Os poucos que se aventuram em fugir do lugar-comum são vistos como uma espécie de “foras-da-lei”.

“Nunca antes na história deste país” o esporte e a educação receberam tantos recursos e o que ganhamos? Caímos de posição nos quadros de qualidade do ensino e nos de medalhas. Em Atenas, em 2004, com menos dinheiro, fizemos mais. Segundo a revista Exame, “a campanha e a preparação dos atletas brasileiros para Londres foi a maior e mais cara de todos os tempos”.

Em educação, o que fazemos? Dizemos que temos mais gente em sala de aula. Temos, sim, mas não estão a aprender, e sim, a fingir que aprendem e os professores a fingir que ensinam, no eterno e conhecido pacto da mediocridade. De 2005 a 2010, os gastos do governo com educação passaram de 3,9% para 5,4% do PIB e devem atingir 7,0% do PIB em 2014. Contudo, a qualidade do ensino médio decaiu no Distrito Federal e em nove estados brasileiros, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2011, divulgado na terça-feira (14/8), pelo Ministério da Educação (MEC). No exame Pisa (Program for International Student Assessment) de 2009, a educação brasileira ficou em 53º lugar entre 65 países, atrás de Trinidad e Tobago. Os defensores do governo vão dizer que temos melhorado no Pisa, e os dados até mostram isso. Contudo, quando avançamos 10 passos o resto do mundo avança 9. E quando você está com um nível muito baixo, qualquer melhora aparece mais. Mas, estamos longe do mínimo aceitável.

Falta de planejamento

A Coreia do Sul é quem mais dá exemplos a serem seguidos tanto em educação como nos esportes. Segundo o economista Ricardo Amorim escreveu em recente artigo, “na Coreia, por exemplo, para cada R$ 1 que o governo gasta com crianças de até 15 anos, ele gasta R$ 0,80 com aqueles com mais de 65 anos. Como consequência, os coreanos são líderes em qualidade de ensino e mais de 60% dos jovens coreanos chegam à universidade. (…) No Brasil, para cada R$ 1 de gasto público com crianças, são gastos R$ 10 com idosos. A Coreia escolheu investir no futuro. O Brasil, no passado.” A Coreia ficou em 9º lugar em Atenas, depois em 7º em Pequim, e agora ficou em 5º, em Londres. Eles investiram em três excelentes centros de treinamento nos quais atletas com mais de 15 anos podem se dedicar em tempo integral ao esporte.

Nas escolas brasileiras, raramente os professores discutem qualidade no ensino. Discutem salários, política salarial. Direitos. E os resultados? Ficam de “dependência”. O ministro incompetente da Educação, Fernando Haddad, que conseguiu ficar de dependência na realização do Enem, foi premiado com a candidatura à prefeitura da cidade mais importante do país. Bela punição…

Nos esportes, um ditador que se perpetua no Comitê Olímpico Brasileiro. Carlos Arthur Nuzman não larga o osso. Ou melhor, fica com a carne, pois o osso é o que sobra. Dizemos que conquistamos medalhas históricas nessa e naquela modalidade, mas não dizemos que foram fruto de esforço pessoal, e não de políticas públicas. Não dizemos que o esporte escolar foi jogado às traças. Não se fala de gestão. Esse sim, o verdadeiro gargalo. Falta de metas, de planejamento levado a sério.

Atletismo teve a pior campanha em 20 anos

Mas mesmo nosso ministro acaba de admitir isso em entrevista à BBC: “O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, admite que os investimentos do governo brasileiro foram tardios em relação às metas do país para 2016″. O COB recebe 2% de todos os recursos da Loteria Nacional. Desse total, 85% ficam com o COB, 10% vão para o esporte escolar e 5%, ao universitário, segundo dados do Ministério do Esporte. “Em relação à necessidade, é pouco, mas em relação ao que tínhamos, é muito’, disse Aldo Rebelo à BBC Brasil.

Em evento realizado na Comissão de Turismo e Esporte da Câmara dos Deputados, em matéria do competente jornalista José Cruz ficamos sabendo que “no contexto da formação e projeção de atletas, a representante do Ministério da Educação, Clélia Brandão, deu a dimensão da realidade da nossa precariedade em termos de políticas públicas para o setor: apenas 56,7% das escolas brasileiras têm uma quadra esportiva. Pior: dessas, apenas 40,3% têm um professor de Educação Física à disposição dos alunos!”

Não há planejamento, continuidade e, com algumas honrosas exceções de algumas modalidades e atletas, o amadorismo impera em nosso esporte, com exceção, é claro, no desvio de dinheiro público. Há anos o professor Fernando Franco, do Centro de Estudos de Atletismo,denuncia nossa falta de renovação, sempre apontando caminhos e os resultados falam por si. O atletismo ficou sem medalha e teve a pior campanha em 20 anos. E para quem não sabe, o atletismo é quem mais distribui medalhas. Só em Londres foram, pasmem, 143! E estamos falando em um esporte que desde 2001 recebe aporte da Caixa e repasses da Lei Piva.

O esporte une e forma pessoas

À BBC Brasil, o conselheiro da Confederação Brasileira de Atletismo e do clube BMF (o principal do país na modalidade), Miguel Arruda, afirmou que “o investimento deveria ter acontecido antes. Já deveríamos ter terminado Pequim olhando para a Olimpíada de 2016. (…) No atletismo, é possível que tenhamos resultados piores (no Rio 2016) do que em Londres. Os atletas que vão competir no Rio já estão em competições nacionais e os resultados que estamos observando são ínfimos. (…) Na minha opinião, não há tempo. 2016 já passou. Já perdemos o bonde no atletismo”.

Dos sete campeões olímpicos dos EUA em provas individuais no atletismo em Londres, cinco estudaram em universidades públicas. Apesar de os americanos conseguirem contagiar instituições privadas, que também investem (exemplo que deveríamos também perseguir), vemos como o esporte universitário é importante no mundo e no Brasil temos nossos espaços esportivos universitários dilapidados, abandonados e esquecidos.

Investir em esporte não deve excluir ou diminuir investimentos em outras áreas como educação e saúde. Pelo contrário, essas áreas se complementam e tem que ser criada uma coordenação para que andem juntas, mas também independentes. E assim como em outros países do mundo, como nos EUA, com a cobrança de resultados. E isso muito nos falta: acompanhar os resultados dos investimentos. O aluno que começa a se destacar no ensino básico americano em algum esporte tem que ter boas notas na escola. O mesmo acontece nas universidades. Com isso, como a formação é boa em sentido amplo. As empresas vão atrás dos atletas promissores para investir neles.

A questão não é meramente ganhar medalhas, mas mostrar a responsabilidade do Estado em relação ao esporte, área capaz de interligar saúde (por motivos óbvios), segurança pública (quantos projetos de esporte mostram isso, como o da ONG carioca Luta Pela Paz (LPP), no Complexo da Maré, que utiliza o boxe e outras modalidades de luta para desviar os adolescentes da rota da criminalidade); educação e emprego (com todos os valores agregados, como responsabilidade, disciplina, foco). O esporte une e forma pessoas e essa é uma das medalhas que temos que colocar em nosso peito de ouro.

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[Marcos Linhares é jornalista, escritor e professor, cobriu os Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, as Olimpíadas de Atenas e Pequim e as Copas do Mundo da Alemanha e da África do Sul. É autor de Nos bastidores do jornalismo esportivo]