Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

“É preciso explicar o que é liberdade de expressão”

As manifestações violentas no Cairo contra o filme Inocência dos Muçulmanos se transformaram em um ato antiamericano que se irradiou pelo mundo nos últimos dias. Nas ruas da capital do Egito, o Estado ouviu dos manifestantes um apelo: Washington precisa revisar sua política para o mundo árabe-muçulmano. De outro lado, o presidente Mohamed Morsi tem de encontrar o tom para tratar com os EUA, de quem recebe US$ 2 bilhões por ano em apoio militar – o segundo maior orçamento após Israel.

Para Mustafá Kamel al-Sayed, cientista político da Universidade Americana no Cairo, Morsi não seguirá os EUA em temas-chave. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual a raiz do recente levante no mundo árabe-muçulmano?

Mustafá Kamel al-Sayed – As pessoas estão nas ruas não apenas protestando contra o vídeo em si, mas contra a percepção do Islã pelo Ocidente como um todo. Além disso, pessoas comuns no Egito e em outros países acreditam que nada acontece em um país sem a permissão do governo, que no mundo muçulmano autorizava ou proibia tudo até a Primavera Árabe. Logo, eles acreditam que o governo americano autorizou a realização e a divulgação desse vídeo. Este é um início de um tempo no mundo árabe-muçulmano. É preciso explicar o que é liberdade de expressão. Não é fácil, porque muitas pessoas precisam rever suas convicções.

Essas insatisfações reforçaram o sentimento antiamericano profundo no mundo árabe-muçulmano após a Primavera Árabe?

M.K.a-S. – Imediatamente após o discurso do presidente Barack Obama na Universidade do Cairo, há quatro anos, a percepção esteve a ponto de mudar. Mas as relações com Israel, o tratamento da questão palestina, as guerras no Afeganistão e no Iraque, os ultrajes sofridos por muçulmanos nas prisões, a queima do Alcorão nos EUA… Enfim, uma série de circunstâncias estimula essa percepção antiamericana.

O ataque que matou o embaixador americano Christopher Stevens aconteceu na Líbia, mas o Egito é o país mais problemático para os EUA no momento, não?

M.K.a-S. – Sim, porque o Egito foi muito próximo econômica e politicamente em relação aos EUA durante o regime de Mubarak. A opinião pública do Egito não mudou muito desde a Primavera Árabe, porque a percepção geral é que a política externa dos EUA não mudou. Além disso, a Irmandade Muçulmana sente-se embaraçada frente à opinião pública pelas políticas claramente pró-Israel de Washington. Entidades políticas organizam os protestos para assumir a liderança de um movimento que começa espontâneo e popular.

Morsi está em uma situação complexa: tem visita aos EUA marcada dia 23, mas não pode se mostrar muito próximo a Obama, certo?

M.K.a-S. – Obama disse que não somos inimigos, nem aliados. Creio que esteja dizendo que os EUA vão apoiar o Egito, mas sem intervenções. Por outro lado, Morsi indica que não vai seguir os EUA em temas-chave, como a questão palestina. Ele precisa se distinguir de seus antecessores e ao mesmo tempo enfrentar a opinião pública. Mas creio que ambos estão interessados na liberalização econômica e na adoção da democracia pelo Egito.

Qual será a possível repercussão do encontro entre Obama e Morsi pelos fundamentalistas egípcios?

M.K.a-S. – O presidente Morsi tentará explicar o ponto de vista do Egito sobre as questões internas e regionais, mas ainda assim vai ser difícil satisfazer todos os interesses internos. O presidente vai tentar obter concessões e fazer Washington entender que agora a relação diplomática precisará ser de independência. / A.N.

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[Andrei Netto, do Estado de S.Paulo, no Cairo]