Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Olhem-se no espelho

Na segunda-feira [17/9], David Kirkpatrick, chefe da sucursal do New York Times no Cairo, convocou Khaled Ali, um dos manifestantes diante da embaixada dos EUA no Egito, que justificou os protestos da semana passada: “Nunca insultamos profeta nenhum – nem Moisés, nem Jesus. Então, por que não podemos exigir respeito por Maomé?” Trabalhador da indústria têxtil, de 39 anos, ele carregava um cartaz em inglês: “Cale-se América”. “Obama é o presidente, então deveria se desculpar.”

Li vários comentários dos amotinados na imprensa da semana passada e tenho um grande problema com eles. Não gosto de ver a crença de alguém insultada, mas preciso deixar duas coisas muito claras – mais claras do que a equipe de Obama deixou. Uma é que um insulto – até um tão estúpido e horrendo como o vídeo que deu início a tudo isso – não dá direito às pessoas de saírem à rua para atacar embaixadas e matar diplomatas inocentes. Não é assim que pessoas responsáveis por si mesmas se comportam. Não há desculpa. Isso é vergonhoso.

Em segundo lugar, antes de exigir desculpas do presidente americano, Ali e os jovens egípcios, tunisianos, líbios, iemenitas, paquistaneses, afegãos e sudaneses que foram às ruas devem se olhar no espelho – ou simplesmente ligar seus televisores. Podem querer ver o amargor chauvinista disseminado por alguns de sua própria mídia – na TV via satélite, em websites ou vendido em livrarias diante de mesquitas – insultando xiitas, judeus, cristãos, sufistas e qualquer um que não seja sunita ou muçulmano fundamentalista. Existem pessoas nos seus países para as quais odiar “o outro” tornou-se uma fonte de identidade e desculpa coletiva por não atingir o próprio potencial.

Fés e profetas dos outros devem ser respeitados

O Instituto de Pesquisa de Mídia do Oriente Médio (Memri, na sigla em inglês) foi fundado em 1998, em Washington, por Yigal Carmon, ex-assessor em Israel no combate ao terror, para “acabar com as divergências de linguagem entre o Oriente Médio e o Ocidente, monitorando, traduzindo e estudando mídia, livros escolares e sermões religiosos em árabe, farsi, urdu e pashtu”. O que respeito no Memri é que ele traduz não só material ofensivo ou ameaçador, mas também textos de comentaristas árabes reformadores, liberais e corajosos.

Como um judeu que viveu e trabalhou no mundo muçulmano, sei que manifestações de intolerância são só um lado da história e existem ali opiniões profundamente tolerantes que são apoiadas e praticadas também. Essas sociedades são complexas.

Esse é o ponto. Os EUA também são uma sociedade complexa, mas devem parar com a tolice de dizer que esse é apenas um problema dos americanos. Os manifestantes do Cairo estão certos: as fés e os profetas dos outros devem ser respeitados. Mas isso é recíproco. Obama e os jornais mais importantes dos EUA condenam o discurso de ódio contra outras religiões. E os manifestantes?

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[Thomas L. Friedman é colunista do New York Times]