Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Obama vence a política do medo

Obama vence Mitt Romney. É uma informação que traz alívio para as pessoas conscientizadas na América e no mundo. Sim, pois Romney arrastava uma corrente de ferro cujo peso era colossal. Ele trazia de volta os neocons, a turma de Bush que servia para idealizar projetos – que afirmassem todo o ranço megalomaníaco –, perigosos e inviáveis que alardeavam constantemente a ligação entre beligerância e patriotismo. Esta era a base da herança maldita de Bush. Romney tentou esconder esta herança, mas como fazê-lo? Se a gestão republicana de Bush, fruto de toda uma política fracassada, de mentiras, de classificação de milhões de documentos e de indícios fortes de um rol significativo e muito provável de crimes de Estado, estava estruturada na escolha de seu staff, composto pelos mesmos integrantes de outrora!

A revista The Economist assim reportou: “Romney evitou qualquer distinção entre seus planos de política externa e os de Obama. É o conselho que recebeu da elite do Partido Republicano. Eles percebem que a maioria dos eleitores não está interessada numa política externa que corra o risco de enredar os EUA em mais conflitos com o Oriente Médio”. A jornalista Helena Celestino, do jornal O Globo, em excelente artigo publicado em sua coluna, intitulado “Fim da Paranoia”, assim contextualizou: “Onze anos após o 11 de setembro, a morte de Bin Laden parece ter sido o último ato do drama que assombrou os americanos durante uma década. Numa pesquisa Gallup de setembro, só 0,5% dos eleitores considera o terrorismo o principal problema dos EUA” (O Globo, 28/10/2012).

A insignificância dada pelo povo norte-americano a um tema tão sério aponta, de forma inquestionável, que o cidadão americano desconfia que uma enganação monstruosa sobre este tema ainda está oculta! Helena concluiu: “O ostracismo de George W. Bush, o representante maior desse tempo, é uma indicação do cansaço dos americanos com as políticas antiterroristas e guerras preventivas.”

Radicalismo fundamentalista

Aliás, Romney criticou o uso político por parte de Barak Obama ao encontrar e eliminar Osama bin Laden em maio de 2011 – é claro que muita gente sabia onde Bin Laden estava. Ainda na gestão de Bush, em 2007, o diretor nacional de inteligência dos EUA, Jack McConnel, em depoimento para o Senado americano, baseando-se em informações da CIA, indicou onde estava Osama bin Laden: “Segundo o diretor da Inteligência, Bin Laden estaria estabelecido em alguma região rural do Paquistão. (…) Até agora os serviços de inteligência americanos se recusavam a dar dados sobre a localização do líder da al Qaida, apesar de todas as suspeitas apontarem para a fronteira entre Paquistão e Afeganistão.” McConnel ainda afirma:“O nosso maior conhecimento aponta que a liderança (da al Qaida), o número um e o número dois, estão lá. Eles estão tentando reconstruir campos de treinamento e toda a infraestrutura necessária para a organização de novos ataques em todo o mundo” (O Globo, 1/3/2007).

Romney deveria criticar, isso sim, o menosprezo de Bush à informação do diretor nacional de inteligência dos EUA! McConnel e os analistas da CIA estavam tutelados pela presunção de veracidade, logo, esta informação deveria ter sido melhor aproveitada, mesmo porque, a OTAN confirmou a informação do diretor de inteligência dos EUA: “Fontes da inteligência da Otan afirmaram ontem que o saudita Osama Bin Laden, líder da al Qaida, está vivendo confortavelmente em áreas tribais do noroeste paquistanês” (O Globo, 19/10/2010). É claro que a confirmação da Otan se deu já na gestão de Obama, contudo, Obama agiu, e Bush não! Preferiu, tudo indica, continuar com o uso político do quadrilheiro fundamentalista. Osama bin Laden vivo validava a política agressiva de Bush.

Obama agiu eficientemente e com um custo mínimo: quatro helicópteros, vinte Seals e um agente da CIA. Bush, ao contrário, torrou “US$ 1,2 trilhão – estimativa de quanto custou aos EUA o combate à al Qaida” (Estadão, 3/5/2011) –, provocou a morte de quase dois mil jovens americanos no Afeganistão, e inutilizou a vida de outros milhares, que tiveram seus corpos mutilados, e suas mentes destruídas – por estresse pós-traumático e outras patologias psíquicas ao testemunhar tantas atrocidades – que sabiam ser – , provocadas por razões inverídicas e inconsistentes. Além disso, deslocou o aparato de guerra para lugares distantes, e um contingente de mais de 1,5 milhão de soldados, que tinham de ser alimentados, vestidos e armados. E, em oito anos de mandato alegou não encontrar Osama bin Laden – alguém acredita nisso? Hoje, só 0,5% de americanos e, talvez, ninguém no resto do mundo!

Romney também criticou o povo com referencia a “paixão americana pela caridade”. É de conhecimento geral que atividades positivas, de cunho humanitário, por parte dos países desenvolvidos, geram uma significativa diminuição da agressividade nos países do Oriente Médio submetidos ao manto medieval do fundamentalismo. Desde que, é claro, esta ajuda não seja para regimes corruptos e suspeitos. Ao contrário do que afirmou Romney, a guerra, e não a “paixão pela caridade” é que recrudesceria o radicalismo fundamentalista. A ex-diretora do M15 Eliza Manningham-Buller afirmou que “a guerra foi responsável pela radicalização de uma geração de jovens muçulmanos (…) aumentou a ameaça terrorista, ao mesmo tempo em que deu a Osama bin Laden sua jihad” (O Globo, 21 /7/2010).

Esperança venceu a política do medo

Quando Romney disse que “47% que são dependentes do governo, que acreditam que são vítimas, que acreditam que o governo tem a responsabilidade de cuidar deles, que acreditam ter o direito a cuidados de saúde, comida, habitação”, esqueceu-se de que, as verbas governamentais serviam, também, para dar dignidade a milhares de norte-americanos que combateram nas guerras provocadas inutilmente por Bush. Os veteranos, que, em muitos casos, impossibilitados de trabalhar, dependeriam do Estado para sua sobrevivência e de sua família. O editorial do New York Times foi cortante: “Mitt Romney está tentando incitar a raiva de uma pequena parcela dos mais ricos, que não precisam de assistência do governo, mas a recebem do mesmo jeito, contra os trabalhadores pobres, veteranos e parte da classe média.”

Obama venceu não só a Romney, venceu também a ala ultraconservadora preconceituosa e exclusivista, que tem um histórico de instigar a América a alijar, além dos menos favorecidos, os afrodescendentes – aliás, todos nós somos afrodescendentes, todos derivamos de um grupo de Homo Sapiens que saíram do norte da África, e cruzou o Mar Vermelho –, os hispânicos e todos aqueles que não se encaixassem no modelo anglo-saxão padrão. Com Obama o mundo é multirracial e multipolar! Com ele, de fato, a esperança venceu a política do medo!

***

[Marcelo Csettkey é jornalista e escritor, Rio de Janeiro, RJ]