Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

As ‘tuitadas’ de Eike e o debate sobre comunicação nas redes

Desde que a crise de confiança em relação às companhias de Eike Batista se instalou na bolsa, a voz do empresário só foi “ouvida” pelo Twitter. Batista, que sempre esteve muito presente na mídia, neste momento mais crítico resolveu manifestar-se via redes sociais. Além de fazer referências sobre as polêmicas envolvendo suas empresas, como o endividamento com o BNDES ou problemas estruturais, alertou investidores a não apostarem contra seus negócios.

A exposição o levou a ser duramente cobrado, também no Twitter, por acionistas de suas empresas que pediam reuniões com o empresário para que ele não apenas se manifestasse sobre o que desejasse, mas respondesse às perguntas dos minoritários.

Não é exagero dizer que, desde a primeira aparição de Batista no Twitter, o site passou a ser acompanhado pelos investidores à espera de notícias sobre o grupo, assim como as páginas oficiais das empresas. Apesar não ter exatamente passado informações relevantes sobre as companhias, a situação do empresário hoje está muito atrelada a elas, e seus comentários têm o poder de influenciar expectativas.

Procurado pelo Valor, o grupo EBX informou que o “Twitter é um canal extra-oficial do empreendedor Eike Batista”. Ressaltou ainda que “todos e quaisquer atos ou fatos relevantes das companhias abertas do grupo EBX são devida e formalmente informados ao mercado em estrita observância às leis e normas vigentes do mercado de capitais”.

Tendência notável

No início do mês, a reguladora americana SEC autorizou as companhias a divulgarem informações através das redes sociais, desde que investidores tenham sido alertados sobre qual site será adotado para isso. A medida foi uma resposta dada à apuração de episódio envolvendo um executivo da Netflix que usou sua página pessoal no Facebook para divulgar um dado sobre a empresa que impactou as ações.

Por aqui, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informa que não há, no momento, nenhuma discussão sobre o tema. “Contudo, ressaltamos que a autarquia está permanentemente e, sempre que necessário, modernizando a regulamentação do mercado de capitais, em função de fatores diversos, tais como estruturas inovadoras, experiência da supervisão, demandas de agentes de mercado, entre outros.” A BM&FBovespa informa que não monitora as redes sociais das companhias abertas e nunca interpelou qualquer uma por essa razão. Ressalta que acatará qualquer nova orientação do órgão regulador que aborde a comunicação das empresas por esses meios.

A discussão é ainda inicial no país, mas João Paulo Ferraz Vasconcellos, sócio do Leoni Siqueira Advogados, lembra que a tendência sempre é inspirar-se em modelos americanos, mais maduros. “No Brasil, em tese, não há nada que impeça hoje a divulgação de notícias por meio desses canais, inclusive algumas empresas já os utilizam”, diz o advogado. “A questão principal talvez seja o fato de, nos Estados Unidos, os principais executivos das companhias terem presenças mais marcantes e constante nas mídias do que no Brasil. Certamente por isso essa regulamentação começou por lá.”

Vasconcellos diz que a SEC apenas solicitou que as empresas divulguem uma política clara, para que o investidor tenha conhecimento de todos os canais de informação. “Mas continua valendo a necessidade de dar o disclosure adequado às informações”, diz.

Hoje no Brasil também o uso das redes sociais não é tão abrangente como nos Estados Unidos. Fabiane Goldstein, sócia da MBS Value Partners, conta que no mercado americano existem espécies de “twitters” onde só se fala sobre ações. Inicialmente, eles podem lembrar os fóruns de discussão no mercado, que há anos também por aqui acontecem na internet. No entanto, lá, essa ferramenta conseguiu tamanha relevância que acabou por estabelecer também um canal de relacionamento direto com as empresas.

Uma questão importante, afirma Fabiane, é que no caso do Netflix o executivo utilizou a sua página pessoal para falar sobre a empresa – assim como ocorre, por vezes, nas manifestações de Eike Batista. “Acredito que esse tipo de discussão sempre cai no bom senso do uso dessas ferramentas. Seria importante que o grupo, então, divulgasse uma política de uso de redes sociais, o que serviria inclusive para protegê-lo. O espaço de Eike Batista ficaria então caracterizado como um canal extra-oficial”, diz.

A ressalva clara é que um executivo de qualquer empresa não poderá nunca usar a web para criar expectativas, como, por exemplo, contar que amanhã haverá um assunto muito relevante discutido em uma reunião de conselho. “Neste caso, ele pode ser contestado por estar criando uma expectativa aos investidores”, avalia Vasconcellos, da Leoni Siqueira Advogados. “Obviamente, uma medida como a da SEC tira a espontaneidade do instrumento, mas não há como fugir disso. É natural que investidores acompanhem os twitters dessas personalidades em busca de informações.” Para ele, inclusive, a tendência é a de substituição, no futuro, dos atuais meios de divulgação para as redes sociais, “muito mais modernas”.

Informações seletivas

Renato Chaves, da Mesa Corporate Governance, afirma que se um empresário falar dos negócios e criar expectativas via internet deveria ser exemplarmente punido pela CVM. “Ele é administrador e, portanto, regulado”, diz. Além disso, ele lembra que existem outros contatos privados, entre empresas e analistas ou investidores e atualmente até mesmo entre conselheiros de empresas e investidores, “uma aberração que fomenta a assimetria de informações”.

“Para mim, as companhias só devem ter um canal de comunicação: a área de relações com investidores”, diz Chaves. “No meu modo de ver, ainda, todas as questões apresentadas por investidores deveriam ser publicadas no site da empresa, com as respectivas respostas. Tudo para reduzir a tal assimetria de informações”, afirma ele.

Fabiane, da MBS, lembra ainda que as empresas brasileiras com ADRs (recibos de ações) na bolsa de Nova York terão de atender ao pedido da SEC e divulgar políticas para uso desses meios, o que deverá provocar essa discussão em outros grupos domésticos.

O presidente-executivo do Grupo Atitude, Rodolfo Zabisky, avalia que tudo o que uma empresa aberta tem que transmitir de informação ao mercado deve fazê-lo dentro dos princípios básicos de “fair disclosure” – transparência, acesso à informação e equidade de tratamento. “Se o comentário de um empresário for impactar uma decisão quanto a comprar, manter ou vender ações, ele obrigatoriamente deveria fazê-lo com fair disclosure.” Caso contrário, diz Zabisky, estará dando informações seletivas e, portanto, deveria ser questionado. Os comentários, avalia, podem ser entendidos como manipulação de expectativas, e ainda de forma seletiva.

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Ana Paula Ragazzi, do Valor Econômico