Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Pelejas da mídia na Argentina

Durante o século 20, houve duas guerras na América do Sul: entre a Bolívia e o Paraguai no Chaco (1932-35) e entre a Argentina e o Reino Unido pelas ilhas Malvinas, ou Falklands (1982). No século 21, surgiu um novo tipo de guerra em que ainda não há baixas: as guerras da mídia.

De um lado, grandes companhias privadas afirmam que a liberdade de expressão e seus negócios são ameaçados por regimes que, segundo elas, são autoritários. Elas chegam a comparar as políticas do governo com o fascismo. De outro lado, os chamados governos populistas ou de esquerda na Argentina, na Bolívia, no Equador e na Venezuela acusam a mídia de prejudicar a democracia, mediante uma cobertura tendenciosa e práticas de monopólio.

Na Argentina, a batalha travada pelos governos Kirchner contra o Grupo Clarín (o maior conglomerado de mídia da região, dono de um jornal, uma emissora de rádio, uma televisão, uma rede de notícias a cabo, uma empresa de cabo, um portal de internet e várias outras empresas) pairou sobre as políticas do país desde 2008. Muitos a chamaram de guerra, mas um divórcio seria uma descrição mais precisa.

Durante a administração de Néstor Kirchner (2003-07), o governo cultivou um relacionamento amistoso com o Clarín por causa da fraca base política do presidente. (Ele só recebeu 22% dos votos em sua primeira candidatura à Presidência.) Entre outras benesses do governo, o presidente Kirchner permitiu que o grupo fundisse suas companhias de cabo, Cablevisión e Multicanal, e a empresa resultante tinha 60% de todos os assinantes de cabo. (A televisão a cabo gerou 60% dos lucros do grupo.) O Clarín apoiou as principais políticas do governo, foi gentil em suas críticas e ignorou questões inconvenientes como a corrupção.

Em algum ponto do caminho, a relação azedou, mas nem o governo nem a companhia ofereceram explicações convincentes para a desilusão.

Quando o conflito irrompeu, em março de 2008, Cristina Fernández Kirchner, que sucedeu a seu marido como presidente em dezembro de 2007, fez o máximo para sabotar os negócios do Clarín. (Néstor Kirchner morreu em 2010.) Ela reteve os direitos de transmissão dos jogos de futebol, cancelou a fusão das empresas de cabo, reduziu de modo significativo a publicidade oficial (passando-a para canais que apoiavam sua administração), pressionou os anunciantes privados a não gastar com o Clarín e acusou os executivos da empresa de crimes durante a última ditadura militar (1976-83). “Clarín mente” tornou-se um lema do governo.

Eficácia limitada

Kirchner intensificou o conflito em 2009, ao promover uma lei no Congresso que estabeleceu novos regulamentos para a mídia. Estes prejudicariam de maneira irrevogável o modelo de negócios do Clarín, obrigando-o a vender 236 de suas 264 licenças. (O Clarín manteria seus negócios de TV e de cabo, mas de forma muito reduzida.) O grupo travou uma batalha nos tribunais durante três anos e meio para impedir que dois artigos dessa lei fossem implementados, e a Suprema Corte decidirá nos próximos meses se eles são constitucionais.

A cobertura do governo pelo Grupo Clarín tornou-se hostil. “Não há espaço para a neutralidade”, disse-me um dos principais editores do Clarín, que é o jornal de maior circulação na América Latina.

“Ou você está com os defensores da liberdade de expressão ou está com o governo.”

Héctor Magnetto, executivo-chefe do Grupo Clarín, que o governo retratou como um criminoso, não falou com a mídia argentina, mas disse ao New York Times: “Trata-se de mais que o Clarín. Trata-se da democracia”.

A concentração da mídia – e o Clarín é um estudo de caso – tem sido um problema para a democracia na região.

Historicamente, algumas famílias e algumas companhias controlaram o mercado em vários países. Essas empresas de mídia dependeram do Estado para publicidade, créditos e outros benefícios, uma situação que criou relações doentias.

No Equador, uma lei de mídia recém-aprovada, semelhante à da Argentina, também tem um dispositivo que rege o conteúdo, incluindo penas por publicar material que possa prejudicar a honra de pessoas. Segundo os adversários do presidente Rafael Correa, que teve uma longa batalha com vários canais de mídia do país, o novo dispositivo significará que o presidente determinará o que pode ou não ser publicado, e a lei obrigará algumas empresas de mídia a fechar.

Como o presidente Correa e o finado Hugo Chávez, que foi pioneiro na tática de minar canais de mídia que considerava indignos enquanto governou a Venezuela, o governo Kirchner tentou contornar as grandes companhias de mídia montando seu próprio veículo de comunicação com a sociedade. Criou extensos canais próprios de mídia –estatais ou semioficiais – para atacar o Clarín e elogiar o trabalho do governo.

Mas esses esforços significam pregar para o coro e têm eficácia limitada no apelo aos leitores moderados de ambos os lados da guerra de mídia. Esses leitores têm de decifrar com dificuldade o que veem no noticiário para descobrir o que aconteceu na véspera.

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Martín Sivak, do New York Times, em Buenos Aires