Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O jornalismo convencional e o desafio das plataformas online

Num ponto de ônibus, em meados de julho deste ano, em Itaimbé-BA, vi uma estudante de engenharia civil de uma faculdade particular lendo Veja. Comecei a conversar com ela e percebi como ela tinha uma opinião ruim da política e uma outra opinião positiva em favor de um ministro do STF. Surgiu então um conflito de ideias! Aí eu relatei um fato novo que havia lido pela internet no site DSM, levantando dúvidas acerca da imagem moral criada pela revista sobre o tal ministro. A leitora deu de ombros às novas informações, fechou a revista e desconversou, fim de papo […]. Este artigo é uma homenagem aos meus alunos de comunicação social da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Refletir o jornalismo exige atenta observação sobre a importância dessa ciência-técnica na sociedade contemporânea em que as mediações sociais protagonizadas por ela se relaciona com crises econômica e ética que atingem as empresas jornalísticas tidas como convencionais em suas plataformas impressas. Essas empresas, no mais das vezes, sempre foram orientadas para o conservadorismo social e econômico, bem como para o cinismo moral e o oportunismo político antidemocrático. Tudo isso desemboca não apenas em descrédito social, mas também em desgaste político.

Além disso, observa-se o fluxo sem direcionamento ético-político assumido em opiniões, notícias e posicionamentos, pulverizados em comunidades virtuais, redes sociais e sites da internet, apontando para um niilismo político-partidário, mas capitaneado por uma ideologia moralista conservadora, porém suspeita, pois não responde aos questionamentos profundos das necessidades sociais e alternativas democráticas.

A minimização das subjetividades

Será o fim da imprensa convencional, do papel e cia., das corporações jornalísticas e de seu modus operandi? Do ponto de vista político, a crise da imprensa no Brasil atinge principalmente as empresas que foram subsidiadas pelo Estado totalitário, as porta-vozes do liberalismo (e neoliberalismo) e que nunca tiveram compromisso e instrumentais de diálogo com a população brasileira. O jornalismo impresso dessas empresas nasceu elitista, sob a proteção do capital conservador, que as orientou dentro de um projeto sudestino de Brasil e limitado nas perspectivas democráticas.

Essa mesma forma de agir também orientou para um procedimento ético que no mais das vezes se tornara cínico a ponto de elaborar um discurso moralizador e social que não faz parte da realidade das próprias redações, ou mesmo, passa distante dos seus produtos culturais. Assim, para uma mente mais crítica, o jornalismo convencional das plataformas impressas não correspondem a realidade dos fatos, e quando faz alguma referência a realidade há mais distorções do que objetividade (intelectual ou mesmo textual, em uma abordagem de buscar várias versões das visões dos fato, dentro dos critérios deontológicos do jornalismo).

Um fenômeno que exemplifica isso é substituição dos códigos deontológicos do jornalismo pelos manuais de redação. Estes, por sua vez, escritos ou mesmo em forma de políticas empresariais, se concretizam em normas tácitas no universo dos textos escritos. Porém, ao sujeito-jornalista sempre coube uma exigência mercadológica tanto para a excelência profissional quanto para uma adequação ao saber-fazer das empresas que minimizaram ao máximo as subjetividades dos seus operários.

Convergência entre texto-imagem e som

A institucionalização dos sujeitos-jornalistas levou a confundir a pessoa com a empresa, tanto que ver-se a existência de figuras sombrias, os contrários jornalísticos, com seus textos, suas opiniões e orientações: a voz da empresa. Neles os gêneros do jornalismo se confundem não só em forma, mas principalmente em conteúdo. Em outras palavras, não se percebe a liberdade ou mesmo a responsabilidade do profissional, mas a subserviência e patifaria até mesmo contrárias aos objetivos da sociedade e da profissão.

A crise mercadológica que se avizinha e toma conta do setor é fruto de um contexto amplo das novas tecnologias e plataformas de comunicação que atingiu a área. Neste momento as empresas são suspeitas e acusadas de receber subsídios estatais e propagandas, reserva de mercado, calote e sonegação fiscal, acordos e compras de material “jornalístico” para escolas. Hoje as demissões coletivas e fechamentos de redações apontam para um horizonte péssimo, o que já era ruim há muito tempo.

O neoliberal mercado tão defendido pelos patrões em ideologia, materializado nos textos jornalísticos, veio em sua forma mais paulatina possível em tablets, modems, celular e computadores, numa convergência entre texto-imagem e som, em hipertexto, em tempo real, influenciando a política, a ética e a economia em suas perspectivas sociais.

Consenso conservador

Até quando sobreviverá a versão do jornalismo convencional que parece ferido de morte, mas atormentado em sua alma fantasmagórica cheia de raiva e louca nos apoios aos golpes contra a democracia e Estado democrático de direito? As novas tecnologias parecem não só limitar a abrangência mercadológica do jornalismo convencional, mas direcionar para novas perspectivas em campos técnicos. Claro que privilegiando gêneros como a imagem e som, mas com as possibilidades infinitas que as convergências podem apontar para o saber-fazer jornalístico. A diversidade das representações, as interações, abrangências das fontes e as colaborações apontam para um mercado ainda em expansão.

As novas plataformas tecnológicas se nutrem do rádio e televisão que ainda conseguem catalisar a maioria do público. Assim há um diálogo entre diversas formas de jornalismo em inúmeras camadas de interação. Tudo isso cria representações de mundo percebidas sob a ótica conservadora e cínica dos meios de comunicação social, a radiodifusão, que do ponto de vista ético-político imita as perspectivas do jornalismo convencional em retroalimentação: sai na revista no sábado, divulga-se no domingo na televisão, fala-se no rádio na segunda-feira e é comentada nas redes sociais.

A retroalimentação das notícias é reverberada nas novas plataformas, funcionando a partir da ideologia de mercado, em redes sociais capitalistas das instituições sociais que não desejam e nem querem mudanças estruturais. Assim sob a égide de forças conservadoras, antidemocráticas e, sobretudo, niilistas, veem-se no subterrâneo as ideias do consenso conservador e seu crescimento moralista, retrógrado e medieval (menos elitista), porém pulverizadas e sustentadas por um público inexperiente e acrítico.

“Sem partido” e de coração partido

No entanto, observa-se que há a possibilidade de conflitos que questionam a ordem estabelecida, por se tratar de novas tecnologias. Mas falta profundidade e ampliação dos rumos político e social desse fenômeno. As estruturas continuam iguais, as políticas públicas para comunicação ainda não vislumbra um Estado democrático de direito. Criam-se cada vez mais novos fóruns e as esferas públicas se ampliam no universo virtual, porém dentro de elementos políticos que não mudam, ou mesmo tornam-se padrões sociais preconceituosos, golpistas, viciados e interesseiros.

No universo da realidade aqui refletida, há concentração nas distribuições das verbas de propaganda e falta de transparência nas concessões da radiodifusão. Faltam estruturas tecnológicas para ampliação de Banda Larga e acesso as novas tecnologias. Uma má vontade política e ausência desenvolvimento de ações governamentais na ampliação da convergência entre comunicação e educação faz surgir horizontes desconhecidos e sombrios.

Talvez fique a versão ridícula, fraudulenta e mascarada do tipo “cansei” ou mesmo “Sem partido” e de coração partido, embebida em moralidades cínicas de quem tem seus heróis com pés de barro e lustrados pela mídia e que acha que resolver a corrupção é fechar o congresso nacional e aceitar que o STF legisle em nosso lugar: garantindo a desregulamentação da imprensa, o fim do diploma jornalístico e o domínio dos fatos. Talvez aquela estudante de engenharia, ávida pelas informações impressas, não tenha partido, mas um coração partido.

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Moisés dos Santos Viana é jornalista e professor universitário