Em abril, durante encontro de jornalismo no Texas, a Open Society Foundations (OSF), instituição mantida pelo investidor George Soros, patrocinador de campanhas democratas nos EUA e de bandeiras como a legalização da maconha, alertou uma série de sites latino-americanos de reportagem de que iria cortar a subvenção que lhes provinha. Entre os meios eletrônicos beneficiados listam-se o salvadorenho El Faro, o colombiano La Silla Vacía, o chileno Ciper e o brasileiro Agência Pública.
O apoio fornecido pela Open Society, em muitos casos realizado em paralelo ao da Fundação Ford, ambas sediadas em Nova York, ajudou a estabelecer uma rede on-line de jornalismo alternativo na região.
Com o anúncio do corte, ainda não concretizado, acelerou-se a corrida por outras formas de financiamento que permitam a sobrevivência dos sites. Os veículos passaram a procurar outras fundações, além de “crowdfunding” (mecanismo de financiamento direto, por indivíduos).
A Open Society foi formada por Soros em 1993, nos Estados Unidos, para coordenar ações que o investidor americano de origem húngara apoiou no período de transição do Leste Europeu para a democracia e o capitalismo. Com o tempo, diversificou seu campo de atuação para a América Latina e a África.
O advogado Pedro Abramovay, 33, ex-secretário nacional de Justiça (governo Lula), assume neste mês a direção da Open Society para a América Latina. Ele explica que a instituição passa por uma “grande reestruturação interna”. Os programas regionais, como o latino-americano, estão “ganhando força” em detrimento dos temáticos, como o programa de mídia, que vinha financiando os sites de jornalismo –não só na América Latina mas em outras áreas do globo, como o Leste Europeu.
Abramovay foi indicado para a fundação pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que preside a Comissão Global sobre Política de Drogas, “financiada em grande medida”, segundo o advogado, pela própria Open Society. Ele chegou a ser o secretário nacional de Políticas Antidrogas do governo Dilma Rousseff, mas deixou o cargo em poucos dias, depois de defender penas alternativas para pequenos traficantes.
A reestruturação e a escolha do diretor brasileiro apontam para a priorização do tema das drogas nas ações regionais da instituição. Além da aproximação com FHC e Abramovay, o próprio Soros se encontrou com Lula há quatro meses, quando o ex-presidente recebeu prêmio do International Crisis Group, organização nova-iorquina também financiada, em parte, pela Open Society.
Paralelamente, o fundo de investimento de Soros, baseado nas ilhas Cayman, passou a investir no setor brasileiro de comunicações, um ano atrás. O primeiro passo foi a aquisição da operadora de TV paga Sunrise, de São Paulo. O segundo, o lançamento, há um mês, da On Telecom, operadora que começa oferecendo acesso à internet de banda larga no interior paulista.
Questionado sobre os interesses comerciais de Soros no Brasil, Abramovay –lembrando ainda não ter assumido seu cargo na Open Society– diz ter sido informado de que “há uma política muito rígida de separação das coisas, para que não exista nenhum conflito de interesses”. Para tanto, a fundação vem buscando cada vez mais uma “governança própria, independente da vontade” do investidor.
Democratização
Se a Open Society revê suas subvenções, cujos beneficiados incluem ainda organizações como o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, no Texas, e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Fundação Ford segue firme na área de “democratização da mídia”, que começou a se desenvolver na última década, segundo Mauro Porto, coordenador do projeto dedicado a “mídia e liberdade de expressão” na instituição.
Há mais de meio século no país, a Fundação Ford tem linhas tradicionais de doação, como direitos humanos e igualdade racial. “A área mais nova, que é de acesso à mídia, tem um portfólio de doações principalmente para organizações da sociedade civil”, diz ele. Além da Pública, do Centro Knight e da Abraji, lista o Coletivo Intervozes e o Observatório da Imprensa.
As subvenções seguem “dois eixos estratégicos: a necessidade de atualização do marco regulatório para as comunicações e o monitoramento de como os meios tratam determinadas temáticas”. Segundo Porto, o projeto surgiu há dez anos, quando a fundação avaliou ser “fundamental, para consolidação da democracia no Brasil, a democratização dos meios de comunicação”.
Questionado sobre as doações de mídia da Fundação Ford nos anos 50 e 60, que seguiam a política externa dos EUA, como relata o livro “The Cultural Cold War” (no Brasil, “Quem Pagou a Conta?”, Record, 2008), Porto responde que “certamente ocorreram erros na história” da instituição, mas agora ela “atua com a mais absoluta independência e transparência”.
A exemplo de Abramovay sobre a Open Society, ele afirma que a Fundação Ford é hoje mantida “única e exclusivamente pelo seu endowment’”, dotação de grande volume feita pela família Ford, cujos rendimentos financeiros sustentam “tudo o que a instituição faz ao redor do mundo e no Brasil”. Enfatiza que “a fundação não recebe dinheiro de nenhuma empresa nem de nenhum governo”.
Ameaça
A Fundação Ford, porém, não quer ser o sustentáculo da mídia alternativa na América Latina e, segundo Porto, “incentiva a que nenhum dos parceiros dependa dela”, o que representaria “ameaça à sustentabilidade e à independência financeira” dos meios apoiados pela instituição.
O problema é que no Brasil, acrescenta Pedro Abramovay, “falta cultura de doação”, tanto de fundações como de indivíduos. Nos últimos dois anos, fora do governo, Abramovay esteve à frente do site global Avaaz, de campanhas e petições, que não aceita financiamento de governos ou fundações, só “crowdfunding”. Com base na sua experiência, avisa que, junto aos brasileiros, não é tarefa fácil. “O Brasil tem o maior número de membros da Avaaz, está em primeiro lugar, com 5 milhões, mas em doações fica lá atrás.”
Natália Viana, da Agência Pública, que iniciou em agosto um programa de financiamento coletivo para reportagens, discorda. “Se fosse dois anos atrás, também teria essa visão, mas o fenômeno do crowdfunding’ no Brasil está muito forte, especialmente através do Catarse”, diz, citando o site escolhido pela agência para levantar recursos. “Há várias campanhas bem-sucedidas no Catarse.”
Ela apresenta dois argumentos contra “essa coisa de que brasileiro não doa”. O primeiro é que as experiências que já deram certo, aqui, seguem estratégia diferente daquela usada nos EUA. “Não é uma lógica de doar todo mês um valor para uma ONG, mas uma lógica de campanha mesmo. É o momento em que todos se juntam. Depois, passou. No Brasil, com o Catarse, tem funcionado.”
O segundo é o exemplo de outras organizações. “O Greenpeace já tem arrecadação muito grande no Brasil. E a Anistia Internacional reabriu no Rio depois de anos, apostando que dá para fazer ‘fund-raising’ [levantamento de fundos].” Até a última quarta, segundo Viana, a Agência Pública havia levantado R$ 16 mil via Catarse –o valor salta para R$ 32 mil, com a decisão da fundação americana Omidyar (entidade filantrópica criada por Pierre Omidyar, fundador do site de leilões eBay, e sua mulher) de doar R$ 1 para cada R$ 1 real arrecadado. O objetivo é chegar a R$ 47,5 mil até o dia 20, quando acaba a campanha.
Gigantes
Além de fundações e indivíduos, outros personagens têm surgido na subvenção ao jornalismo alternativo: os gigantes da tecnologia. Carlos Castilho, do Observatório da Imprensa, confirma que o Google Brasil “financiou a ida de pessoas” ao Texas para o encontro de jornalistas em que foi anunciada a retirada de cena da Open Society.
Na conferência, que reuniu representantes de 12 sites jornalísticos latino-americanos, do México à Argentina, as ferramentas de mídia do Google, como o YouTube, foram apresentadas como alternativa de monetização. “O Google está começando a apresentar alguma coisa”, diz Castilho. “Mas está fazendo coisas pontuais. Não há um projeto de médio e longo prazo. Pelo menos até agora.”
A aproximação com o jornalismo começou no último ano, nos EUA, quando a empresa passou a patrocinar a série de conferências TechRaking, do Center for Investigative Reporting, organização americana voltada ao jornalismo investigativo. E não é só o Google que tem “se achegado aos jornalistas”, segundo Nick Winfield, do “New York Times”, que cita o site de classificados Craigslist e outros.
Para Winfield, a movimentação talvez se deva ao sentido de responsabilidade, até “culpa”, pela disrupção do jornalismo nos meios tradicionais. Na sua opinião, porém, “o dinheiro que as empresas de tecnologia estão gastando para apoiar o jornalismo pode ser visto de modo mais cínico: como investimento de relações públicas em uma indústria que se debate, mas ainda pode causar problemas ou, pelo contrário, favorecer seus interesses empresariais”.
Quaisquer que sejam as intenções dos financiadores, da parte dos sites sem fins lucrativos “o dilema é a sustentabilidade dos projetos”, alerta Castilho. “Não existe receita pronta para ser aplicada ou caso para ser copiado. Está todo mundo tentando, na base de erro e acerto. E provavelmente não haverá uma solução para todos.”
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Nelson de Sá, da Folha de S.Paulo