Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O que mais desperta agressividade de internautas

Uma pesquisa internacional sobre jornalismo participativo mostrou que, na opinião de editores de alguns dos maiores sites de notícias do mundo, o tema do conflito árabe-israelense é o que mais desperta a agressividade de internautas. Em segundo lugar estão os assuntos ligados à religião islâmica.

Os pesquisadores, de oito países, conversaram com editores dos 24 sites mais importantes do mundo e examinaram as reações dos internautas e as medidas que os veículos de comunicação tomam para enfrentar a grande quantidade de comentários que aparece quando os temas são considerados “delicados”. Eles publicaram uma coletânea de artigos denominada Participatory Journalism: Guarding Open Gates at Online Newspapers (Jornalismo participativo: Guardando portões abertos em jornais on-line, em tradução livre).

“Editores de sites como Washington Post, Guardian, Die Welt e Le Figaro, afirmam que, quando publicam reportagens sobre o conflito no Oriente Médio, imediatamente começa um dilúvio de comentários que rapidamente se transforma em uma troca de manifestações de ódio”, afirmou em entrevista ao site israelense Ynet o pesquisador Zvi Reich, do departamento de Comunicações da Universidade Ben Gurion, que participou da elaboração do estudo.

“Os editores também dizem que identificam comunidades organizadas de pró-palestinos e pró-israelenses que imediatamente reagem a qualquer reportagem sobre o tema e rapidamente o site se transforma em um campo de batalha entre as duas comunidades”, acrescenta Reich.

Trata-se de uma quantidade inusitada de comentários de teor racista, antissemita, islamofóbico ou anti-árabe, que causa diversos problemas éticos para as principais redações do planeta, já que os sites são considerados responsáveis pelos conteúdos que publicam, incluindo os comentários dos internautas. Várias das páginas adotam medidas como pré ou pós-moderação, obrigatoriedade de registro, bloqueio de internautas que publicam comentários abusivos e incentivo aos leitores para que denunciem os autores deles.

Poucos comentam

De acordo com o pesquisador Zvi Reich, somente de 4% a 7% dos leitores costumam escrever comentários e de 30% a 40% do total têm o hábito de ler os comentários publicados.

No entanto, segundo Reich, “um pequeno grupo de internautas experientes e persistentes pode se apoderar de uma reportagem, criando a impressão de que representam a opinião da maioria”.

Por isso, muitas das redações, que anteriormente faziam uma filtragem prévia dos comentários, passaram a executar uma moderação posterior, já que a quantidade das reações de internautas é tão grande que exigiria moderadores que trabalhassem sem parar para poder acompanhar o ritmo e fazer uma pré-filtragem.

Algumas redações adotam filtros mais rígidos e detectam os números de IP dos computadores dos internautas que escrevem repetidamente comentários de teor abusivo. Esses passam a ser bloqueados automaticamente pelos sistemas dos sites.

A questão gera uma discussão complexa sobre liberdade de expressão, diversidade de opiniões e até sobre o impacto da filtragem na audiência, já que bloqueando internautas o site estaria diminuindo o numero de leitores.

Motivações

Mas, por que o conflito árabe-israelense desperta reações mais extremas do que outros conflitos étnicos ou nacionais que envolvem um sofrimento humano semelhante ou bem mais grave? Por que, por exemplo, o conflito no Sudão, que já deixou cerca de 400 mil mortos, não causa esse tipo de reação entre os internautas da mídia ocidental?

Uma das explicações é a ausência de comunidades sudanesas nos principais países do ocidente, que escrevam a língua desses países e acompanhem os sites de noticias locais.

No caso do conflito árabe-israelense, existem comunidades árabes e judaicas profundamente inseridas nas culturas dos diversos países e cujos membros geralmente se identificam com um ou outro lado do conflito e sentem a necessidade de expressar suas opiniões.

O interesse pelo conflito árabe-israelense vai além das comunidades árabes e judaicas, pois se trata de um conflito que afeta o mundo inteiro, tanto por seus aspectos religiosos, como por seu amplo impacto econômico. Vale lembrar, por exemplo, a crise do petróleo após a chamada Guerra do Yom Kipur, que eclodiu em outubro de 1973 e afetou a economia do mundo inteiro. A disputa por Jerusalém, cidade sagrada para as três religiões monoteístas, também é um fator que amplia o interesse internacional pelo conflito árabe-israelense e o torna carregado de emoções.

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Guila Flint é jornalista, em Tel Aviv