Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia não explica o porquê dos ‘rolezinhos’

O poder de formar opinião da imprensa nunca se perde, seja para o lado bom ou ruim da notícia. Com a tentativa de explicar os motivos dos tais “rolezinhos”, a mídia, tão distante da periferia, não soube explicá-los ao público de maneira correta, entregando informações extremamente equivocadas. E, no final da história, quem acabou dando o bom exemplo, por simplesmente ter praticado à risca o manual do jornalismo, foram o jornal Folha de S.Paulo e a revista Veja.

No sábado (11/01), a mídia registrou a confusão e truculência policial no “rolezinho” realizado no Shopping Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo. Logo, no dia seguinte, a imprensa passou a procurar as razões desses encontros de adolescentes; até porque, os garotos e garotas estavam programando encontros em shoppings rotulados de “alta classe”. Daí, a mídia se perdeu ao não sair do muro burguês que a cerca.

Esse foi um erro grave, pois o público recebeu as explicações equivocadas como verdade, retransmitindo o que recebera aos amigos, colegas, familiares… Assim, o motivo do “rolezinho” se dividiu: um, o que a mídia queria que fosse, e outro, o seu sentido real. A maior das falácias foi tentar rotular os “rolezinhos” como um “movimento de protesto social contra a falta de lazer na periferia”. Análise crassa, de quem sequer conhece a periferia. Nesse erro, a Folha também incorreu nos primeiros dias (segunda e terça-feira).

O acerto da Folha

Justamente nesses dias ocorreram os grandes erros da mídia. O jornal Diário de S.Paulo abraçou a ideia do “pouco espaço de lazer na periferia” e fez reportagem de capa na quarta-feira (15/1) forçando mostrar a imagem de “juventude abandonada” em Itaquera – até se sustentando em matérias que o jornal fez anteriormente.

Neste mesmo dia, o site G1 publicou matéria com declarações de especialistas. Quando isso é posto, esperam-se opiniões abalizadas e certeiras, porém, na verdade, surgiram então os maiores deslizes. As visões expostas de ditos intelectuais não podiam ser mais fora de propósito. Cientista políticos, sociólogos, antropólogos, advogados… Argumentos vindos de cima para baixo, da elite para a periferia, todos eles sem qualquer fundo de verdade. Um exemplo clássico disso pôde ser visto na Globo News, no programa Entre Aspas, quando a apresentadora Mônica Waldvogel convidou uma antropóloga da USP e um diretor de escola de Direito da Universidade Anhembi Morumbi. O debate sobre os “rolezinhos” foi patético.

A mídia acertou quando fez o básico, sem inventar ou filosofar sobre algo que não existe. A Folha, também na quarta, publicou a reportagem ideal e que acabou ditando todas as outras matérias corretas nos veículos concorrentes. Com o título “DNA do rolê”, a reportagem do jornalão da classe A disse que os inocentes “eventos em shoppings nasceram de encontros de adolescentes com seus fãs”. O acerto ocorreu porque a Folha foi na origem, falou com os garotos e garotas que estão por trás dos “rolezinhos” e transmitiu ao leitor a informação exata.

A opinião dos periféricos

A revista Veja, com a matéria “Eu não quero ir no seu shopping”, também cumpriu o dever jornalístico de ouvir os personagens da história. A frase “a ideia de que os rolezinhos são protestos (…) é de quem não conhece a periferia” é uma excelente definição. Tudo bem que, como é o praxe da Veja, há uma cutucada no PT e nos movimentos sociais que tentam se apoderar dos “rolezinhos”. Contudo, é uma das melhores reportagens sobre o tema.

A moral fica com o depoimento de um dos adolescentes ouvidos por Veja: “Rolezinho é para ver os parca, curtir, comer lanche e beijar na boca.”

Nada de revolucionário, nada fora do normal. Algo que sempre aconteceu na periferia – e vai continuar acontecendo. A mídia não havia noticiado nada em grande proporção porque não afetava diretamente seus leitores de elite. Quando o rolê chegou perto, escorregaram ao buscar esclarecimentos de membros da sua classe. Entretanto, só acertou quando foi aonde não costuma ir, quando ouviu a opinião dos periféricos.