Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Por um código de ética para as mídias digitais brasileiras

Num processo aberto e colaborativo, a Society of Professional Journalists (SPJ), organização americana dedicada a melhorar e proteger o jornalismo, está atualizando seu código de ética, cuja última versão data de 1996. “Envolva-se e faça parte desse processo”, convoca o presidente David Cuillier, em seu blog. O primeiro ‘rascunho’, feito por uma comissão criada pela entidade, já está disponível para considerações. De acordo com Cuillier, a intenção é apresentar um documento consolidado na convenção nacional, em setembro deste ano.

Mais do que uma simples revisão, a iniciativa pretende levar em conta as particularidades e os novos dilemas éticos que surgem com o jornalismo online. Os itens abaixo, resultado do primeiro rascunho, incluem recomendações direcionadas às novas rotinas produtivas, e destacam de forma clara o processo de correção de erros:

>> Considerar as implicações de longo prazo do maior alcance e permanência da publicação online. Fornecer informações atualizadas e mais completas quando apropriado.

>> Reunir e atualizar informações no desenrolar da história e trabalhar para evitar erros. Distorção deliberada e relato de rumores não confirmados nunca são permitidos.

>> Lembrar que nem a velocidade nem a brevidade são desculpas para a imprecisão ou atenuam o dano de um erro.

>> Admitir erros e corrigi-los prontamente de forma destacada, onde quer que apareçam, incluindo o material arquivado.

Há também orientações éticas quanto ao conteúdo que circula nas redes sociais:

>> Reconhecer o prejuízo de usar fotos ou informações, incluindo fotos e dados de fóruns de redes sociais, nos quais a fonte é desconhecida, ou quando há incerteza quanto à autenticidade das imagens ou da informação.

Contexto brasileiro

A iniciativa da SPJ serve de exemplo para a discussão acerca da criação de um código de ética para as mídias digitais brasileiras, nos moldes dos que já existem para os jornais (ANJ), revistas (Aner), rádio e TV (Abert).

São muitas as justificativas para se pensar num documento normativo para as mídias digitais: após quase 20 anos de jornalismo online, há estudos consistentes que comprovam as especificidades dos meios digitais, tais como hipertextualidade, interatividade, multimidialidade ou convergência, personalização, atualização contínua, memória e tactilidade, esta incluída recentemente visando as interfaces móveis. Essas características podem ser encontradas em outras mídias, mas são potencializadas e reconfiguradas nos meios digitais, provocando rupturas. Por exemplo, o rádio já lidava com a interatividade por meio de conversas com os ouvintes por telefone. No entanto, a interatividade proporcionada pelos meios digitais – comentar e compartilhar uma notícia de forma instantânea, enviar um artigo para publicação, responder enquetes, alertar sobre uma notícia de última hora – modifica a profundidade da relação do leitor com o veículo jornalístico. Portanto, um meio com particularidades precisa de códigos deontológicos que se debrucem sobre essas questões.

Aliás, são muitos os dilemas éticos no jornalismo online, como a questão da velocidade de publicação da notícia e a consequente queda na qualidade da apuração; o arrefecimento dos conflitos entre público e privado (vide a ampla cobertura que os portais jornalísticos fazem da vida das ‘celebridades’); e a dinâmica da circulação de informação nas redes sociais e blogs, com a disseminação de boatos e falsas notícias, muitas vezes replicadas pelos próprios webjornais.

Por essas razões, que não se esgotam com os argumentos apresentados, faz-se necessário pensar em normas deontológicas para as mídias digitais, visando refletir sobre as ações dos veículos jornalísticos em seus websites, nos blogs jornalísticos, em aplicativos móveis e nas redes sociais digitais. Considerando que quase a totalidade das empresas jornalísticas brasileiras possui pelo menos um website, estamos falando de um universo amplo e carente de discussões mais aprofundadas.

Nota – Parte das reflexões presentes neste artigo estão na dissertação de mestrado da autora, intitulada ‘Parâmetros éticos para uma política de correção de erros no jornalismo online’.

>> Saiba como enviar uma colaboração para o código de ética da Society of Professional Journalists: http://blogs.spjnetwork.org/ethics/

>> Leia a tradução do código de ética da SPJ de 1996, feita pelo objETHOS neste link.

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Lívia de Souza Vieira é mestre em Jornalismo pelo POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS