Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A internet pós-Snowden

É difícil mensurar o quanto as revelações de Edward Snowden sobre as técnicas americanas de vigilância em massa abalaram a dinâmica geopolítica sobre a liberdade, a segurança e a governança na internet neste último ano.

Antes de Snowden, governos já reconheciam as capacidades revolucionárias da internet e o consequente empoderamento dos cidadãos. Infelizmente, alguns escolheram responder ao florescimento da liberdade de expressão na rede reprimindo as atividades nas redes sociais, monitorando ativistas e impondo restrições.

Depois de Snowden, governos, democráticos ou não, se tornaram mais assertivos internacionalmente em relação à governança da internet, em nome da luta contra o terrorismo, da proteção da privacidade de seus cidadãos ou do aumento da “cybersegurança”. A China, por exemplo, defendeu o conceito de “cybersoberania”, pelo qual cada país deveria poder estabelecer sua própria internet, com suas próprias regras e definição de liberdade on-line.

O exemplo dos EUA na defesa do direito à privacidade on-line não é menos perturbador. Vistos como defensores tradicionais da liberdade na internet, os EUA trilharam o caminho da vigilância em massa, com o apoio consciente ou não das grandes corporações.

Compromisso e liderança

O Brasil é uma esperança na esfera geopolítica de governança da internet pós-Snowden. A presidente Dilma, na ONU, estabeleceu dois princípios essenciais da liberdade, da segurança e da governança da internet: 1) na ausência do direito à privacidade, não pode haver real liberdade de expressão e opinião e, portanto, democracia; 2) o direito à segurança dos cidadãos de um país não pode ser garantido às custas da violação dos direitos de cidadãos de outro.

Com base em sólidos princípios democráticos, o Brasil passou a liderar uma nova onda na discussão global sobre a privacidade digital, apresentando com a Alemanha uma resolução na ONU que foi a primeira grande iniciativa da entidade em defesa do direito à privacidade em 25 anos.

No plano doméstico, aprovou o Marco Civil da Internet, incluindo a proteção do direito à privacidade e à livre expressão. Resultado de um processo participativo, o Marco representou um importante contraponto a processos legislativos sigilosos, incoerentes às promessas de transparência. Ele deixou claro o apoio brasileiro à neutralidade da rede como princípio norteador do desenvolvimento futuro da internet. Com questões a serem resolvidas, resta saber se sua implementação servirá de fato para proteger os direitos dos internautas.

Por fim, o Brasil organizou e liderou o NetMundial, encontro global multissetorial sobre o futuro da governança da internet e demonstrou como essa abordagem pode funcionar. Não muito antes disso, a Índia defendeu uma governança “multilateral” que, longe de “internacionalizar e democratizar”, poderia incrementar o poder de governos não democráticos no controle sobre a internet. Sozinhos, governos são incapazes de preservar o melhor que a internet tem a oferecer.

O governo, a sociedade civil e o Comitê Gestor da Internet demonstraram grande liderança nesse processo. Entretanto, em um momento crítico do período pós-Snowden, serão necessários ainda mais compromisso e liderança para garantir que a governança e a regulação protejam a internet enquanto plataforma global interoperável e fortaleçam os direitos humanos on-line, em vez de comprometê-los.

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Eileen Donahoe é diretora de temas globais da Human Rights Watch e Maria Laura Canineu é diretora da Human Rights Watch Brasil