Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

‘Estrago à imagem do Brasil já foi feito’

O Brasil não pode mais contar, como na época em que conquistou a vaga para sediar a Copa 2014 e a Olimpíada de 2016, com os dois eventos para tentar mostrar ao mundo que ascendeu ao posto de potência global.

A afirmação é feita pelo repórter especial da revista “Economist” para a América Latina, Michael Reid, em seu novo livro “Brasil: A Ascensão Turbulenta de uma Potência Global”, a ser lançado em setembro no país.

“Muitos estragos já foram feitos à imagem do Brasil por conta de problemas na organização da Copa”, disse Reid à Folha de S.Paulo, em Nova York.

Para o jornalista, que morou no Brasil de 1996 a 1999, o Mundial ressaltou, no cenário internacional, a falta de habilidade em “organizar projetos de infraestrutura” e em financiar eventos “sem sobrecarregar o contribuinte”.

Leia a entrevista a seguir.

Em seu livro, o sr. diz que a Copa não servirá como prova de uma ascensão do Brasil a potência global. Qual deve ser o impacto do Mundial para a imagem do país?

Michael Reid – Quando o governo Lula concorreu para sediar a Copa do Mundo e a Olimpíada, o Brasil estava crescendo mais rápido e havia um forte senso de otimismo no país. Claramente, pensava-se que esses eventos iriam coroar a ascensão do Brasil. Hoje, o país está numa situação diferente.

A Copa ressaltará muitos dos problemas do Brasil, como a falta de habilidade em organizar de forma eficiente projetos de infraestrutura em larga escala ou em financiar [tais eventos] sem sobrecarregar o contribuinte.

A mídia internacional voltará suas atenções para o futebol, mas será difícil para o Brasil ter um impacto totalmente positivo. Muitos estragos já foram feitos.

Uma das críticas da ‘Economist’ em reportagem de setembro foi o baixo investimento do país em infraestrutura. O Brasil soube aproveitar a oportunidade da Copa?

M.R. – A Copa obrigou o governo a fazer mais em infraestrutura. Algumas das obras, como terminais de aeroportos, estão lá, e outras vão ocorrer nos próximos dois anos. Mas a escala do deficit é enorme. Serão necessários dez anos de investimento pesado, tanto público como privado, para cobrir essa lacuna.

Como o sr. vê a resposta do governo aos protestos que tiveram início há um ano?

M.R. – É preciso dar o crédito a Dilma por defender os protestos pacíficos. Isso dito, não acho que o governo tenha respondido de forma adequada às demandas por reformas fundamentais. O ponto central era cobrar mais investimentos em saúde, educação e transporte público, mas também reforma política, porque as pessoas sentem que os recursos não estão sendo alocados da melhor forma.

Essa insatisfação deverá repercutir nas urnas?

M.R. – Os protestos mudaram profundamente o clima político do país. Antes de junho de 2013, havia uma expectativa de que o governo ganharia automaticamente um segundo mandato. Para mim, o mais importante é que as pesquisas mostram que de 60% a 70% dos eleitores querem um presidente diferente de Dilma. Isso não exclui a possibilidade de reelegê-la, mas, se isso acontecer, querem uma Dilma diferente.

Qual a possibilidade de que o próximo governo implemente reformas estruturais?

M.R. – Independente de quem ganhe, terá que haver um ajuste fiscal. A pergunta é quão profunda seria essa reforma e se ela terá apoio político. Há mais de 20 partidos no Congresso. Essa fragmentação tem preço, simbolizado no gabinete de 39 ministros de Dilma. É preciso uma reforma para tratar dessa fragmentação, que é cara ao Estado.

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Isabel Fleck, da Folha de S.Paulo, em Nova York