Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Contra o jornalista ativista

Li um interessante artigo do filósofo político Bas van der Vossen (ver aqui) que defende que filósofos políticos, tal como ele próprio, devem manter-se fora do ativismo político. Penso que os jornalistas deveriam seguir o mesmo caminho. De forma simplificada, eis o argumento central de Vossen:

>> Pessoas que exercem certas tarefas ou profissões adquirem um dever moral prima facie de evitar, tanto quanto possível, o que previsivelmente os prejudicará no exercício da profissão;

>> A tarefa do filósofo político é buscar a verdade sobre assuntos políticos;

>> Ser politicamente ativo nos torna piores na tarefa de buscar a verdade sobre assuntos políticos;

>> Logo, filósofos políticos têm um dever moral prima facie de evitar serem politicamente ativos.

Deveres morais prima facie são aqueles que, na ausência de razões mais fortes, devem ser cumpridos. Eu tenho o dever moral prima facie de falar a verdade, mas esse dever será suspenso no caso em que um bandido armado me pergunta o endereço de uma potencial vítima.

Vossen, na segunda premissa, assume que a busca da verdade deve nortear qualquer filósofo político. A proposição é plausível. A filosofia política, como qualquer outra área séria de investigação, busca encontrar verdades sobre assuntos como a justificação do Estado e os princípios de justiça distributiva. A primeira premissa também é razoável: ela capta nossa atitude de reprovar moralmente um investigador que não evita o envolvimento afetivo com seus investigados.

Distanciamento metodológico

A terceira premissa se justifica da seguinte maneira: o ativismo político reforça alguns vieses cognitivos. Vossen apresenta estudos que mostram alguns vieses especialmente relacionados ao ativismo. Um deles é o viés de grupo. O viés de grupo é o ato de se identificar com um determinado grupo e adotar, acriticamente, a opinião do grupo. Um filósofo político que se identifica com um partido dotado de posições fortes sobre o papel do Estado na redistribuição de riqueza pode, assim, ter preferência por teorias igualitaristas não porque avaliou os argumentos relevantes, mas porque é leal ao partido.

Outro viés interessante é o seguinte: as pessoas tendem a adotar opiniões políticas a partir das opiniões dos candidatos preferidos. Isso é o contrário do que seria adequado. Deveríamos chegar às nossas opiniões políticas de modo racional e, após esse trabalho, escolher os candidatos que têm maior probabilidade de agir segundo o que pensamos ser o correto. É plausível, portanto, que a grande simpatia por determinado político (ele próprio representante de um grupo) comprometa a formação adequada de opiniões.

O argumento de Vossen pode ser aplicado aos jornalistas. Tal como a busca da verdade deve nortear qualquer filósofo político, ela deve também nortear qualquer jornalista. Embora as atividades sejam diferentes, ambas possuem compromisso com a verdade. Assumindo que o ativismo político reforça os vieses cognitivos e que isso é um entrave à busca pela verdade, segue-se que os jornalistas têm o dever prima facie de evitar o ativismo político. Objetar que este dever prima facie deve ceder à necessidade do ativismo nesses tempos de cólera é exagerar a importância do jornalista politicamente engajado. A objeção de que não é possível evitar o engajamento também é exagerada. Por meio de um esforço consciente, jornalistas podem refrear suas paixões. E caso alguns não consigam, sempre existe a alternativa de trabalhar para a assessoria de imprensa do partido preferido.

Muitos jornalistas brasileiros, sobretudo os de opinião, se agrupam em tribos políticas. Mesmo que muitas vezes o pertencimento à tribo não seja declarado, é possível ver claramente a adesão (muitas vezes histérica) ao governo federal ou à oposição. Isso embota o raciocínio. Jornalistas petistas têm dificuldades de conceber o Brasil antes de 2003, ao passo que os tucanos não conseguem enxergar qualquer mérito nos governos do PT.

O primeiro passo para melhorar a qualidade do debate político é o distanciamento. O debate científico é bem sucedido porque, tanto quanto podem, os cientistas mantém um distanciamento metodológico daquilo que sustentam. É difícil ver esse distanciamento na imprensa política de opinião. Talvez seja essa a razão pela qual não se perde muito em deixar de lê-la.

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Aluízio Couto é filósofo, Ouro Preto, MG