Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Antissemitismo ganha força na Europa

Oito sinagogas foram atacadas em apenas uma semana do mês passado, segundo o Crif, o grupo que reúne as organizações judaicas francesas. Uma delas, no subúrbio parisiense de Sarcelles, foi atacada por uma turba de 400 pessoas com coquetéis molotov. Um supermercado kosher e uma farmácia foram depredados e saqueados; as bandeiras e as palavras de ordem gritadas pela multidão incluíam “Morte aos Judeus” e “Degolem os Judeus”.

No mesmo fim de semana, no bairro de Barbès, em Paris, manifestantes atiraram pedras e queimaram bandeiras israelenses; uma faixa dizia “Israhell” (“Isra-inferno”).

Na Alemanha, no mês passado, coquetéis molotov foram atirados contra a sinagoga Bergische, em Wuppertal -destruída na Noite dos Cristais (1938)–, e um imã de Berlim, Abu Bilal Ismail, conclamou Alá a “destruir os judeus sionistas… contar e matar até o último deles”. Em Frankfurt, garrafas foram atiradas pela janela de um ativista contra o antissemitismo; em Hamburgo, um idoso judeu foi espancado numa manifestação pró-Israel; um adolescente judeu ortodoxo recebeu socos na cara em Berlim.

Em várias cidades, as palavras de ordem gritadas em protestos pró-palestinos compararam os atos de Israel ao Holocausto. Outros slogans notáveis incluíram “judeu, porco covarde, saia e lute sozinho” e “Hamas, Hamas, judeus para o gás”.

Em toda a Europa, o conflito na faixa de Gaza está infundindo vida nova a alguns demônios muito antigos e hediondos.

Incentivo ao crime

Isso não é incomum; não é de hoje que a polícia e as organizações de defesa dos direitos civis de judeus observam um aumento nítido em incidentes de antissemitismo cada vez que se acirra o conflito israelo-palestino. Mas, de acordo com acadêmicos e lideranças judaicas, esta vez é diferente.

Mais que uma simples reação ao conflito, eles dizem, as ameaças, o discurso de ódio e os ataques violentos parecem ser a expressão de um antissemitismo muito mais profundo e disseminado, alimentado por uma grande gama de fatores que vem ganhando força há mais de dez anos.

“Estes são os piores tempos desde a era nazista”, disse ao “Guardian” o presidente do Conselho Central de Judeus da Alemanha, Dieter Graumann. “Nas ruas, ouvimos frases como ‘os judeus deviam ser exterminados com gás’, ‘os judeus deviam ser incendiados’. Não víamos isso na Alemanha havia décadas. As pessoas que gritam esses slogans não estão criticando a política de Israel: é puro ódio aos judeus, e nada mais. E não é um fenômeno apenas alemão. É uma explosão de ódio contra os judeus que é tão intenso que é inconfundível.”

Roger Cukierman, presidente do grupo francês Crif, disse que os judeus franceses estão angustiados com uma reação antijudaica que vai muito além da forte oposição política e humanitária ao conflito atual. “Não estão gritando ‘morte aos israelenses’ nas ruas de Paris”, disse Cukierman no mês passado. “Estão gritando ‘morte aos judeus’.” O vice-presidente do Crif, Yonathan Arfi, “rejeita totalmente” a visão de que o recrudescimento mais recente de incidentes antissemitas se deve aos acontecimentos na faixa de Gaza.

“Esses incidentes trouxeram à tona algo muito mais profundo”, ele disse. E não são apenas os líderes judeus da Europa que estão alarmados. Angela Merkel descreveu os incidentes recentes como “um ataque à liberdade, à tolerância e a nosso Estado democrático”.

O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, falou em atos “intoleráveis” e claramente antissemitas. A França -cuja comunidade judaica é uma das maiores da Europa, com 500 mil pessoas-e a Alemanha, onde a exortação do pós-guerra “nunca mais” está profundamente enraizada na sociedade, não são os únicos países alarmados.

Na Áustria, em julho, um amistoso entre o Maccabi de Haifa e o SC Paderborn, da Bundesliga alemã, teve que ser adiado, depois de a partida anterior do time israelense ter sido cancelada devido a uma tentativa de agressão a seus jogadores. O principal órgão de vigilância de antissemitismo da Holanda, Cidi, recebeu mais de 70 ligações de cidadãos judeus assustados em uma semana do mês passado, sendo que a média é entre três e cinco ligações.

Um rabino de Amsterdã, Binjamin Jacobs, viu a porta de sua casa ser apedrejada, e duas mulheres judias que penduraram bandeiras israelenses de suas sacadas foram atacadas -uma foi espancada e a outra foi vítima de um incêndio criminoso.

Na Bélgica, uma mulher teria sido impedida de entrar numa loja, onde o comerciante lhe teria dito “não estamos vendendo a judeus”. Na Itália, os donos judeus de dezenas de lojas e outros estabelecimentos comerciais em Roma encontraram suásticas e slogans antissemitas pintados sobre suas janelas e portas. Um dos slogans dizia: “Todo palestino é como um camarada.

Mesmo inimigo, mesma barricada”. Outro proclamava: “Judeus, seu fim se aproxima”. O imã Abd al-Barr al-Rawdhi, de San Dona di Piave, será deportado, depois de ser filmado em vídeo fazendo um sermão em que pedia o extermínio dos judeus.

Não houve violência na Espanha, mas a pequena população judaica do país (entre 35 mil e 40 mil pessoas) acha que a situação está tão tensa que “se continuar por muito tempo, coisas ruins vão acontecer”, disse o líder da comunidade judaica de Madri, David Hatchard. A comunidade pretende mover uma ação contra o jornal “El Mundo”, que publicou uma coluna do dramaturgo Antonio Gala, de 83 anos, questionando se os judeus são capazes de conviver pacificamente com outros:

“Não é de se estranhar que tenham sido expulsos com tanta frequência”. Estudos sugerem que o antissemitismo pode de fato estar em ascensão. Uma pesquisa feita em 2012 pela agência de Direitos Fundamentais da UE, entrevistando cerca de 6.000 judeus em oito países europeus que, juntos, abrigam 90% da população judaica da Europa, constatou que 66% dos entrevistados sentem que o antissemitismo está em alta na Europa. Qual seria a causa do fenômeno?

Manuel Valls, o premiê francês, admitiu que existe um antissemitismo “novo”, “normalizado”, que, segundo ele, mistura “a causa palestina, o jihadismo, a devastação de Israel e o ódio pela França e seus valores”. Mark Gardner, da Community Security Trust, organização beneficente sediada em Londres que monitora o antissemitismo no Reino Unido e na Europa continental, também identifica uma série de fatores.

Para ele, os conflitos sucessivos no Oriente Médio criaram “um acúmulo de eventos-gatilhos” que impediu os ânimos de se acalmarem: a segunda Intifada em 2000, a guerra entre Israel e Líbano em 2006 e os três conflitos entre Israel e Hamas (2009, 2012 e 2014) “não deram tempo de a situação voltar ao normal”.

Nesse clima, disse ele, três assassinatos antissemitas brutais cometidos nos últimos oito anos -dois na França, um na Bélgica e nenhum deles coincidindo com ações militares de Israel-”não chocaram, mas incentivaram os antissemitas”, que passaram a “buscar mais sangue e intimidação, não menos”.

Consequência lógica

Em 2006, Ilan Halimi, de 23 anos, foi sequestrado, torturado e deixado para morrer em Paris por um grupo que se autodenominava Gangue de Bárbaros e que subsequentemente admitiu que o atacou “porque era judeu, de modo que sua família teria dinheiro”. Dois anos atrás, em maio de 2012, Mohamed Merah, de Toulouse, matou sete pessoas a tiros, incluindo três crianças e um jovem rabino diante da escola judaica onde estudavam.

E em maio deste ano o francês de origem argelina Mehdi Nemmouche, que teria retornado à França pouco antes, depois de passar um ano na Síria combatendo com islamitas radicais, foi acusado de atirar em quatro pessoas em um museu judaico em Bruxelas.

Se o establishment francês já abrigava um veio profundo de sentimento antissemita desde muito antes do caso Dreyfus, a influência do islã radical, dizem muitos líderes da comunidade judaica, é evidentemente um fator importante que contribui para o antissemitismo atual no país. Mas, para Gardner, outro fator que contribui é o fato de tantos muçulmanos jovens se sentirem alienados da sociedade.

“Muitas vezes tem mais a ver com isso que com Israel. Muitos teriam tanta disposição de atear fogo a uma delegacia de polícia que a uma sinagoga. Os judeus simplesmente são identificados como parte do establishment.”

Embora tenha destacado que seria um erro atribuir toda a culpa aos muçulmanos, o pesquisador Peter Ulrich, do centro de pesquisas sobre antissemitismo (ZfA) da Universidade Técnica de Berlim, concorda que alguns dos “fatores antissemitas” vistos na Alemanha em protestos recentes podem ser “uma espécie de rebelião de pessoas que são marginalizadas, elas próprias, com base em estruturas racistas”.

Arfi disse que, na França, o antissemitismo passou a ser “uma bandeira que reúne muitas pessoas revoltadas: muçulmanos radicais, jovens alienados vindos de famílias imigrantes, a extrema-direita, a extrema-esquerda”. Mas ele também atribuiu a alta do antissemitismo a “um processo de normalização pelo qual o antissemitismo começa a ser visto como aceitável, de alguma maneira”.

De acordo com Arfi, um dos culpados por isso é o polêmico humorista Dieudonné. “Ele legitimou o antissemitismo. Tornou aceitável algo que antes era inaceitável.” Uma normalização semelhante pode estar em curso na Alemanha, segundo um estudo de 2013. Ente 14 mil mensagens de ódio enviadas ao longo de dez anos à embaixada de Israel em Berlim e ao Conselho Central de Judeus na Alemanha por correio, e-mail, e fax, Monika Schwarz-Friesel descobriu que 60% foram escritas por alemães de classe média, incluindo professores universitários, advogados, sacerdotes e estudantes universitários e secundaristas.

A maioria das pessoas não teve medo de informar seu nome e endereço, algo que Schwarz-Friesel achou que poucos alemães teriam ousado fazer 20 ou 30 anos atrás.

Quase todos os observadores apontam para o poder ímpar de inflamar e mobilizar que possuem as mídias sociais não filtradas. Para Arfi, o fluxo constante de imagens chocantes e hashtags radicais, incluindo #HitlerWasRight (#HitlerTinhaRazão), equivalem quase a uma doutrinação. “Na verdade, a consequência lógica é a radicalização: nas mídias sociais as pessoas selecionam o que veem, e o que veem pode ser propaganda política pura, sem verificação dos fatos. As pessoas podem nunca se defrontar com opiniões que não coincidam com as suas.” [Reportagem adicional de Josie Le Blond em Berlim, Kim Willsher em Paris, John Hooper em Roma e Ashifa Kassam em Madri.]

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Jon Henley, do Guardian