Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Educomunicação abre possibilidades para jornalistas

A educomunicação é um novo campo de intervenção social que pode agregar todos os profissionais que pretendem entender a educação formal, informal e não formal dentro do ecossistema comunicativo. Entendendo ecossistema comunicativo como o espaço abstrato de interação no qual ocorre a prática comunicativa, isto é, o entorno educacional em que as pessoas estão envoltas. Diante do enxugamento das redações e a necessidade dos jornalistas buscarem novas áreas de trabalho, a educomunicação surge como uma alternativa de emprego.

Na década de 1980, o filósofo Mário Kaplun, baseado na pedagogia de Paulo Freire, criou o neologismo educomunicação para se referir à inter-relação comunicação-educação. As discussões sobre esse emergente campo de produção do conhecimento foram ampliadas pelo Núcleo de Comunicação e Educação da USP, principalmente pelos professores Ismar de Oliveira Soares e Adilson Citelli.

Hoje temos cursos de graduação em educomunicação (um bacharelado na Universidade Federal de Campina Grande e uma licenciatura na Universidade de São Paulo), além de cursos em nível de especialização. O campo vem crescendo e algumas escolas, ONGs e outras instituições já contam com um profissional de educomunicação. Além disso, existe a ABPEducom (Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação), que reúne literatura e divulga o trabalho desse novo profissional.

O jornalista pode assumir o papel de professor de comunicação dentro dos espaços educativos, especialmente no ensino médio, considerando os parâmetros curriculares e sua sinalização para as novas tecnologias e as linguagens da comunicação. Ele pode atuar também como consultor junto às empresas, às organizações do terceiro setor, sindicatos, na mídia e nas próprias escolas. O jornalista ainda pode trabalhar como pesquisador, investigando o aspecto educativo da produção midiática e a relação entre o sistema midiático e os públicos consumidores.

A comunicação e sua relação dialógica

É preciso ter em mente que a educomunicação se divide em quatro áreas: educação para comunicação; mediação tecnológica na educação; gestão da comunicação no espaço educativo e reflexão epistemológica sobre a inter-relação comunicação/educação. Em qualquer uma das áreas, o jornalista pode atuar. Mas quais seriam os requisitos necessários para exercer esse ofício? A educomunicação, como uma rede de relações inclusivas, abertas e criativas, requer um profissional capaz de trabalhar com uma metodologia voltada para a dialogicidade e a convivência. Dessa forma, o educomunicador não pode ter uma postura autoritária, como aquele que vai ensinar como fazer, não é possível realizar um projeto educomunicativo sumariamente de cima para baixo. Infelizmente, as grades curriculares dos cursos de jornalismo ainda não contemplam a educomunicação. Uma ou outra faculdade oferece “jornalismo e educação” como disciplina optativa, mas não na vertente da media-literacy.

Ainda hoje quando se trata de educação, a agenda midiática tende a reproduzir o cronograma dos agentes de governo. A pauta dos meios de comunicação depende de anúncios oficiais, lançamentos de projetos, divulgação de dados estatísticos, resultados de vestibulares, entre outros. As questões relativas ao universo educacional não costumam ser debatidas em profundidade nem recebem um tratamento contextualizado. A educação é tratada como um assunto de menor relevância nas redações, o que é muito preocupante, uma vez que a mídia é um importante agente socializador que produz sentidos e valores.

Essa preocupação com o papel educativo da comunicação é relegada muitas vezes no cotidiano do jornalista, que precisa cumprir várias pautas num mesmo dia, sem conseguir promover um debate qualificado sobre os temas abordados em suas matérias.

Todo jornalista é por excelência um educador, basta observar como as pessoas formam seus pontos de vista baseados no que assistem, acessam e leem. A educomunicação pode despertar o caráter pedagógico intrínseco ao profissional de imprensa. O jornalista que tiver essa consciência pode contribuir muito com projetos de mídia-educação, articulando a comunicação em sua relação dialógica e não apenas como sinônimo de informação.

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Michel Carvalho é jornalista, professor na Rede Educafro/BS e mestre em Ciências da Comunicação pela USP