Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Sob o olhar frio do mundo

Paixão, a gente sabe, é uma espécie de loucura que dá e passa. Mas deixa marcas. Emoções exacerbadas cercaram a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, negros viam nele a realização do sonho de Martin Luther King, jovens com lágrimas nos olhos acreditaram nas suas promessas de um mundo melhor. Só que não. Ficou imobilizado por uma oposição que destila ódio e planta notícias contra o presidente, acusado até de falsificar a certidão de nascimento para esconder suas origens não americanas, cujo nome muçulmano evidenciaria. Sem maioria na Câmara e uma brutal polarização da opinião pública, ele não fechou Guantánamo, nem fez a reforma da imigração, muito menos restringiu o uso de armas para evitar doidos matando a esmo. De derrota em derrota, foi ficando irreconhecível. Por que essa conversa numa hora dessas?

A campanha eleitoral brasileira importou o pior da cultura política dos EUA, o “eles não são como nós”, tanto quando o assunto é vida cotidiana ou quando trata das políticas de Estado. Os dois lados falaram em nome de um país imaginário, quase perfeito ou completamente degradado, muito distante da complexidade nossa de cada dia. Perdemos. “O debate foi muitas vezes raivoso, raso, simplista. Em todo lugar políticos são parecidos, os britânicos estão longe de ser perfeitos, mas são obrigados a prestar contas com mais seriedade”, comenta o jornalista inglês Stephen Gibbs, correspondente da TV chinesa no Brasil.

É com um olhar frio e calculista que o mundo acompanha as eleições no Brasil. Muito longe da narrativa exaltada de candidatos e militantes durante a campanha, investidores interessados em ganhar dinheiro, acadêmicos com distanciamento crítico e diplomatas obrigatoriamente pacientes concordam que o Brasil ficou diminuído na cena internacional, teve sua credibilidade abalada no mercado financeiro, perdeu energia para crescer e distribuir renda, não cumpriu a expectativa deixada pelos oito anos transformadores de Lula. Mas, para o bem ou para o mal, continua no foco de todo mundo. Foi alvo de editorial do “Times” e da “Economist” – ambos declarando votos em Aécio – e tema de eventos em think tanks e universidades ao redor do mundo, de Harvard a Oxford, da Chatham House à Câmara de Comércio Brasil/EUA. É verdade que o sucesso de público foi o menor dos – digamos – três últimos anos.

Mazelas conhecidas

“Equipe nova, novas oportunidades. O Brasil precisa seguir seu processo de internacionalização; fala-se mais na Ásia e menos na América Latina”, diz Alan Charlton, ex-embaixador britânico no Brasil, no Instituto de América Latina da Universidade de Londres.

O mercado financeiro, que tinha em Lula seu herói, agora é Aécio desde criancinha e detesta Dilma: fundos de hedge tiraram dinheiro do Brasil e foram para o México, investimentos ficaram congelados à espera da definição eleitoral – nada muito diferente do que aconteceu, às vésperas do plebiscito da Escócia, com o estabilizadíssimo Reino Unido. “A credibilidade do país no mercado é zero, mais por causa da retórica errada do governo Dilma do que por sua política intervencionista”, diz um interlocutor assíduo deste mercado.

O trabalho de reaproximação vai ser longo, mas não impossível. Na semana passada, com os escândalos da Petrobras pipocando, o Lloyd’s reafirmou a aposta no Brasil – prioritário no planejamento de futuro – e a Bolsa de Valores de Londres negocia o lançamento de ações brasileiras na City. “Quero muito ter empresas do Brasil aqui”, disse John V. Millar, diretor do mercado de ações.

Acadêmicos acham que as propostas de Dilma e Aécio são muito mais parecidas do que fazem supor os ataques entre candidatos e militantes. Como herdeiros de Lula e FHC, Dilma encarna o esforço de redução da pobreza, e Aécio, o do combate à inflação, mas ganhe um ou outro, será inevitável atacar as duas frentes. E, observa a “Foreign Policy”, o poder continuará com o PMDB. “Quem conseguirá fazer o país voltar a crescer? Esta me parece a pergunta difícil de responder”, diz Timothy Power, brasilianista da Universidade de Oxford.

A busca do espaço perdido obrigará o país a dar mais importância à política externa, tema tratado com desgosto por Dilma. “Em segundos mandatos, presidentes podem se dedicar mais aos assuntos internacionais, Lula fez isso”, lembra o ex-embaixador, referindo-se à possibilidade de reeleição de Dilma. Tarefa imediata será reconstruir a relação com os EUA e balancear as relações com os vizinhos da América do Sul – 2015 tem eleições na Argentina, a primeira em uma década sem os Kirchner, e legislativas na Venezuela, onde se confrontarão herdeiros e inimigos de Chávez. Reconhecimento no cenário internacional pode ajudar o presidente a enfrentar a luta contra as nossas persistentes mazelas tipo corrupção, violência policial, injustiça social, desrespeitos aos direitos civis de pobres, mulheres e gays. Mas, claro, antes vem a cicatrização das feridas políticas.

******

Helena Celestino, do Globo