Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Apontamentos sobre as leis de meios na América Latina

Quem domina o espaço geográfico, no mais das vezes domina o sistema de comunicação. E foi assim desde que se formaram grupos consolidados tais como aldeias e cidades. A palavra criadora geralmente foi aprisionada como propriedade de quem manda. E, desde esse lugar de dominação – garantida pela força das armas ou do poder econômico – a informação é disseminada como “a verdade”. Mas, isso não significa que não existiram ou não existam alternativas a essa tentativa de controle. Mesmo nos tempos mais remotos, já apareciam aqueles que faziam o contraponto. Conta-se que até no Egito antigo produziam-se folhas informativas, críticas aos faraós. E por debaterem o que emanava do poder, muitos – ao longo da história – foram perseguidos, torturados e mortos. Para quem manda, o território da informação é precioso demais para estar na mão da “malta”. Há que controlar.

Em Abya Yala (que abrange as três Américas), nas antigas civilizações, a palavra também era propriedade dos reis e imperadores, muito bem controlada pelos curacas, sacerdotes e pajés. Ainda assim, nas aldeias, as comunidades mantinham viva uma memória coletiva, na qual guardavam as histórias explicativas do mundo e os fatos da vida que mereciam ser lembrados de geração em geração. Tudo isso passava de boca em boca e era tão poderoso que sobrevive até os nossos tempos. Basta lembrar como se deu a comunicação nas comunidades de Cochabamba durante a histórica “guerra da água”, no ano 2000, que impediu a privatização da água na Bolívia. Segundo conta Oscar Oliveira, uma das lideranças daquele processo, para que a organização soubesse como estava a força da luta as famílias penduravam panos vermelhos nas casas. Uma forma de comunicação ancestral que passava de boca em boca e que era invisível para o sistema de poder. De novo a relação poder x contrapoder se explicitando no campo da informação.

Quando, em 1492, o continente é atacado e invadido, os povos que aqui viviam e tinham suas próprias maneiras de comunicar são derrotados e outra lógica de comunicação se impõe sobre as comunidades. Começa o império da palavra sagrada, de um deus único, desconhecido, conduzido pela força da espada. Todos precisam se submeter a leis estrangeiras, incompreensíveis e inexplicáveis. Outra configuração de poder sufoca os velhos mitos, as antigas histórias, o jeito de comunicar. Sufoca, mas, como já mostramos, não apaga. Tanto que a memória da antiga vida permanece e, sistematicamente, assomam rebeliões, buscando recuperar o passado que os espanhóis e portugueses enterravam com sangue.

Impessoal e sem contexto

Foi assim com a resistência de Tupac Amaru I, em 1572, que resistiu bravamente à invasão, até ser decapitado por recusar-se à conversão ao cristianismo. Ou Juan Atahualpa, em 1742, que se levantou em rebelião contra os espanhóis, buscando restaurar a antiga ordem inca, igualmente sem sucesso. Ou Tupac Amaru II, o grande precursor das guerras de independência, que em 1781, no Peru, levantou outra vez os indígenas, acompanhado de Tupac Katari, na Bolívia, mostrando que a história subterrânea permanecia viva. Todos esses processos de resistência indígena contaram com a contrainformação subterrânea, típica dos povos antigos.

Depois, durante o processo de libertação iniciado pelas camadas criollas da América Latina e levado a cabo por Simón Bolívar, mais uma vez a informação foi campo de batalha. É histórica a obsessão que Bolívar tinha pela notícia veraz. Tanto que durante toda a campanha de libertação, a qual liderou, levou com ele, no lombo do cavalo, uma prensa, para imprimir folhas com os informes das batalhas, além de criar jornais por cada canto que passasse. Entendia que os revolucionários precisavam interferir no processo comunicativo, disputando com o império espanhol as mentes dos latino-americanos. Via no jornalismo e na disseminação da palavra um espaço fundamental para a vitória. O primeiro jornal criado por ele, o Correio do Orinoco, foi como um farol, disseminando todas as notícias que o império censurava. Na divulgação das lutas que aconteciam em todo o mundo, e principalmente na América, os revoltosos iam forjando uma consciência latino-americana.

Com a derrota de Bolívar, que defendia a criação de uma Pátria Grande, houve uma balcanização da América e os países que se formaram depois da libertação, por conta da decisão dos grupos vencedores, seguiram o caminho da dependência, inclusive no campo da comunicação, absorvendo a lógica da imprensa europeia, principalmente a francesa e a inglesa. Bem mais tarde, a partir de uma nova reconfiguração de forças do mundo, pós-segunda grande guerra, em 1945, é que os países criados pós-independência vão se alinhar definitivamente ao modelo proposto pelos Estados Unidos que, com o correr dos anos, acabou hegemônico. Alguns teóricos defendem que só copiaram as técnicas, como é o caso de Carlos Eduardo Lins da Silva, que explica:

“O lide clássico foi introduzido no Brasil através das agências de notícias americanas, que o criaram nos EUA para resolver um problema prático. O mesmo texto das agências era utilizado por jornais de todas as partes do mundo. Cada um deles fazia uma avaliação diferente da importância de cada notícia e do espaço que ela deveria ocupar. As agências precisaram criar a fórmula da pirâmide invertida para que cada jornal pudesse fazer os cortes necessários nos textos para adaptá-los às suas necessidades sem perderem informações fundamentais. Daí a colocação dos dados em ordem decrescente de importância” (SILVA, C., 1991. p.110).

Mas, na verdade, a técnica do lide trazia muito mais do que um arranjo formal de informações. A própria forma de escrever, impessoal e sem contexto, já embutia em si uma proposta de jornalismo que não queria levar em conta o papel formativo desse fazer. Era – e ainda é – um jeito de fazer bem mais próximo da persuasão do que da criação livre de conhecimento.

A mais-valia ideológica

Nos anos 60, a grande cruzada da “Aliança para o progresso”, na verdade uma batalha contra o comunismo, na América Latina representado por Cuba, alinhou praticamente todos os países da América do Sul a uma proposta propagandística dirigida pelos Estados Unidos. Como analisou Noam Chomsky no seu livro Guardiões da Liberdade, os Estados Unidos manipulavam e até hoje manipulam informações de tal maneira que aquilo que os aliados fazem de errado não aparece – ou aparece sem destaque –, enquanto que os erros dos inimigos são divulgados à exaustão. E, como os países da América Latina copiam o modelo, isso se reproduz da mesma forma na parte sul do continente. Um exemplo desse modelo era o Repórter Esso, um fenômeno comunicacional do Brasil daqueles tempos, que prometia contar do mundo inteiro em apenas cinco minutos. O cidadão ouvia as notícias do jornal radiofônico e acreditava que tudo o que precisava saber estava ali.

Esse processo de jornalismo-propaganda seguiu seu curso, fez história, dominou as revistas de informação semanal e também a televisão, que hoje chega aos lares da maioria da população brasileira. Pesquisa recente feita pelo Ministério da Comunicação do Brasil dá conta de que 97% dos lares tem uma televisão e a maioria da população se informa sobre o que acontece no mundo a partir desse veículo. Importante considerar que o sistema de telecomunicações brasileiro hoje divide o quinhão entre quatro grandes grupos. Três são familiares (a Globo, a Bandeirantes e o SBT) e um pertence à Igreja Universal do Reino de Deus (Record). Todos eles, sem exceção, praticam o mesmo tipo de jornalismo, com maior ou menor ênfase na propaganda conforme os interesses de ocasião.

E, não bastasse o sistema de propaganda ideológica – colonizadora e deformativa – completamente consolidado dentro dos programas jornalísticos, que lidam com a informação pura, a notícia, o processo de controle da palavra e da mente também se dá nos programas de entretenimento, novelas e filmes – a maioria, enlatados. Tudo isso vinculado a um eficaz sistema de produção de mais-valia ideológica através dos meios de comunicação de massa, notadamente a televisão, que no Brasil é vista diariamente por 97% da população. Uma realidade que não difere nos países irmãos da América Latina. A mais-valia ideológica, que é, no dizer do teórico venezuelano Ludovico Silva:

“Nossa tese é que a base de sustentação ideológica do capitalismo imperialista se encontra na forma pré-consciente no homem médio desta sociedade, e que todos os restos mnêmicos que compõe esse pré-consciente se formaram no contato diário e permanente com percepções acústicas e visuais oferecidas pelos meios de comunicação, e dizemos que eles constituem a base de sustentação ideológica do capitalismo, não apenas no sentido descritivo de que ‘a ideologia se forma através dos meios de comunicação’ – noção que por si só seria insuficiente – mas no sentido mais preciso e dinâmico de que o capitalismo não oferece aos seus homens qualquer ideologia, mas concretamente aquela que tende a preservá-lo, justificá-lo e apresentá-lo como o melhor dos sistemas possíveis” (SILVA, L., 2013. p.169).

Importante ressaltar que o conceito de mais-valia ideológica foi desenvolvido pelo teórico marxista venezuelano Ludovico Silva, cujo livro se encontra nessa bibliografia. Para ele, o trabalhador, além de ter sua mais-valia sugada pelo sistema capitalista, ao se colocar diante da televisão, fica exposto ao que chama de mais-valia ideológica, já que esse meio, em particular, aprisiona aquele que o assiste no mundo da produção. Assim, mesmo enquanto aparentemente a pessoa se “distrai” está conectada com as mercadorias, com o universo do trabalho. Esse aprisionamento produziria então uma mais-valia ideológica, alienando ainda mais o trabalhador no mundo do trabalho.

Os anos 90 do século 20 trouxeram ventos de mudança para esse lugar que Eduardo Galeano chama de “América baixa”. Com a chegada de Hugo Chávez à presidência da Venezuela, o continente começou a virar sua bússola para o sul. Mudanças profundas começaram a acontecer, mudanças estruturais, e a retomada do ideário bolivariano de integração da Pátria Grande. E, como Bolívar, Chávez também sabia que, para além da batalha política, era preciso dar combate no campo comunicacional. Por conta disso, é a partir da Venezuela que começa a brotar um profícuo debate sobre comunicar.

As leis de meios

Essa mudança política alavancada por Hugo Chávez a partir de 1998, quando chegou à presidência da Venezuela, gestou vários outros governos progressistas na América do Sul e todos eles começaram a perceber que a comunicação era a pedra de toque na consolidação de uma nova forma de organizar a vida. O golpe de Estado na Venezuela em 2002, promovido afrontosamente pelos empresários da comunicação, foi a gota d’água para que o país, com Chávez reconduzido pelo povo – e com uma participação decisiva da imprensa comunitária e popular – começasse a pensar em mudanças na lei dos meios. Assim, o país iniciou um debate profundo, saído de suas chagas abertas, sobre a comunicação. Na Venezuela, essa discussão estava encarnada na vida das pessoas porque o país vivia um processo de organização popular muito forte, ancorado nas “missões” – grupos organizados nos bairros definindo políticas de educação, saúde, distribuição de alimentos, moradia etc… Assim, a construção de uma lei para os meios de comunicação pode ser feita na vida mesma, envolvendo toda a gente que estava atuando na militância social e política. Não foi um debate de “especialistas”, ele foi construído com quem a vida toda sofreu na carne o controle da palavra. Por isso, a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão – a Lei Resorte –, que foi aprovada na Assembleia Nacional em 2004, é tão significativa e democrática.

Como essa lei foi verdadeiramente discutida nas bases, pode contemplar as necessidades reais da população. E o que é mais forte nela é justamente a proposta de produção comunitária. Além de exigir que essa produção seja divulgada pelos meios eletrônicos, que são concessão pública, ainda que privados, a lei criou um fundo que ampara financeiramente essa proposta. Não é uma intenção. É coisa concreta. Também, sob o auspício da lei, foram criados centros de capacitação em todo o país, fazendo com que as comunidades verdadeiramente se apropriassem do fazer comunicativo. Isso foi tão importante que acabou gerando quase uma “guerra” entre os jornalista – comandados pelo Colégio de Jornalistas, uma entidade contrarrevolucionária – e os comunicadores populares. Houve agressões por parte dos jornalistas e o país viveu momentos de muita tensão. Mas, com o passar do tempo, a lei se consolidou e todos tiveram de se adequar. Mesmo a retirada da concessão da RCTV, que tanta polêmica mundial levantou – com denúncias de censura – acabou se comprovando nada mais do que o respeito à nova legislação.

Além da determinação de horários e restrições a determinados tipos de propaganda, como o álcool e o tabaco, a lei venezuelana define a superação da dependência cultural, com a exigência de produção nacional, conforme reza o artigo 14.

“Los prestadores de servicios de radio y televisión deberán difundir diariamente, durante el horario todo usuario, un mínimo de siete horas de programas de producción nacional, de las cuales un mínimo de cuatro horas será de producción nacional independiente. Igualmente, deberán difundir diariamente, durante el horario supervisado, un mínimo de tres horas de programas de producción nacional, de los cuales un mínimo de una hora y media será de producción nacional independiente” (Lei Resorte, 2004).

A Lei Resorte é muito importante porque estabelece uma regulamentação num país em que os meios ditavam as regras e não o estado. A partir de 2004, o processo comunicacional toma outro rumo, com o protagonismo popular. Emissoras de televisão públicas e estatais são criadas, meios de comunicação comunitários também aparecem com mais força, a produção independente encontra espaço para se expressar. Nasce a Telesur, com o propósito de produzir comunicação para toda a América Latina, sendo também espaço para a comunicação independente e popular produzida nos demais países. Os meios privados da Venezuela começam a ser enquadrados na lei e se veem na necessidade de respeita-la. Cresce a produção nacional de informação, bem como a produção comunitária.

Esse pontapé inicial produzido na Venezuela vai contaminando os demais países que igualmente elegeram presidentes mais progressistas. A Bolívia define uma nova lei de meios, a Argentina também. O Equador mais na frente. São as condições concretas dos países que estabelecem novas correlações de força – marcadamente populares – as que permitem os avanços nesse espaço da comunicação que é tão estratégico.

No geral, todas essas leis estabelecem diretrizes que colocam a comunicação bem mais a serviço da maioria, embora haja diferenças muito grandes entre elas, em função das especificidades de cada país. Há uma regulação que caminha na direção contrária à formação de oligopólios, que impede a concentração da propriedade, que estabelece tempo para renovação de concessões, que define punições para quem não cumpre a lei, que incentiva a produção nacional e independente. É certo que em algumas delas, como a da Argentina, por exemplo, o apoio à informação comunitária e popular aparece mais como retórica porque na prática, as regras para a criação de meios comunitários inviabiliza o processo, uma vez que não se diferenciam das que são exigidas para os grandes empresários. O que é bastante diferente na lei da Venezuela, por exemplo, que exime as comunitárias de certos ritos. Mas, de qualquer sorte, ao estar registrado na lei a possibilidade do fomento à produção popular, sempre são brechas por onde avançar. Isso também acontece na lei equatoriana.

O processo de organização popular na Bolívia, como é muito forte e, historicamente, está para além de quem esteja no poder, tal qual na Venezuela, também conseguiu avançar muito, estabelecendo na lei regras muito claras para o fomento da informação livre. Há uma rede de rádios indígenas e novas televisões comunitárias, como a Vos TV, na guerreira cidade de El Alto. No Equador, o processo já foi melhor, mas agora, por conta da queda de braço entre os movimentos sociais e o governo devido às lutas anti-mineração, há uma retomada do autoritarismo governamental e como a lei não estabelece muito claramente um processo de formação de comunicadores, como faz a lei venezuelana, os movimentos ficam em desvantagem. A produção nacional fica na mão de produtores independentes mais alinhados ao governo. E, quem cai em desgraça diante de Correa, perde espaço.

De certa forma todas as leis acabam atreladas a organismos estatais criados para fiscalizar e propor políticas comunicacionais. Esses organismos tem mais ou menos participação dos movimentos sociais conforme os próprios movimentos se fortalecem e atuam. Então há aí todo um processo de luta popular que precisa se manter alerta e atuante. Sem isso, os organismos vão ficando cada vez mais governistas e isso pode complicar a ação de soberania popular no campo da comunicação. É uma batalha diária e depende de como a luta se organiza e avança.

O Brasil

Desgraçadamente, no período de ascenso dos governos populares na América do Sul, o Brasil ficou para trás. Elegeu Lula – nascido do mundo popular/sindical – mas ele não teve coragem de mexer com a questão comunicacional. Ao longo de mais de 10 anos de governo petista – incluída aí a presidente Dilma Rousseff –, as entidades sindicais e populares ligadas ao mundo da comunicação, tais como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), O Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) e o coletivo Intervozes, têm buscado uma interlocução com o governo e com o legislativo no sentido de promover mudanças legais, de criar regulação. Mas, essas iniciativas não têm tido muito sucesso. No que diz respeito às Centrais de Trabalhadores, tampouco essas produziram algum trabalho mais forte no sentido de discutir com seus filiados a democratização desse setor estratégico. Excetuando a CUT, que atua junto com as entidades já mencionadas, as demais ignoram o tema. E mesmo a CUT, que incorporou esse tema à sua pauta, não procura encarnar a questão da comunicação nos sindicatos de base. O debate fica no nível da cúpula.

Depois de muita batalha, ainda no governo de Luiz Inácio da Silva, as entidades acima citadas conseguiram fazer com que o governo realizasse a tão esperada Conferência Nacional de Comunicação, mas os resultados foram muito pequenos. Pouco conseguiu pavimentar uma proposta de mudança mais radical ou mesmo amarrar alguma proposta de regulamentação. O debate sobre a democratização dos meios e o controle social segue sendo feito num universo muito específico – fica no campo das direções dessas entidades. Não há capilaridade na vida popular, não chega à maioria da população. Isso, obviamente dificulta a construção de uma boa proposta de lei de meios no Brasil, que possa superar essa ideia redutora de meramente “democratizar” o que já existe.

A proposta de democratização foi construída ainda dentro do período militar, quando os movimentos sociais não tinham qualquer possibilidade de atuação, nem no terreno da comunicação, nem na vida política. Assim, democratizar significava poder intervir no debate sobre as políticas de comunicações – definir o tempo de concessão, discutir as propriedades cruzadas, a interferência do capital estrangeiro – bem como na discussão dos meios em si, bem como a falta de vozes dissonantes ou vozes populares. Hoje, falar em democratizar significa apenas melhorar o sistema que aí está, enquanto outras propostas mais radicais falam em construir soberania também no terreno da comunicação. Isso significa não apenas melhorar, mas mudar todo o processo, como já o fizeram os povos da Venezuela e Bolívia. Falta um movimento sindical, social e popular ativo, forte, e interessado no tema, capaz de alavancar um processo real de mudança substantiva. Enquanto o debate estiver apenas limitado às cúpulas dirigentes de entidades ligadas às categorias de trabalhadores na comunicação, os avanços que puderem ser conquistados estarão muito mais atrelados a essas categorias que aos interesses da maioria da população.

Hoje, existe um projeto de lei de iniciativa popular da comunicação social eletrônica, que vem sendo construído por entidades e lideranças da comunicação, mas ele não consegue sair dessas instâncias apontadas. Mesmo entre os jornalistas, essa proposta é muito pouco conhecida. É um projeto que traz avanços? Sim, traz. Define 33% da capacidade de espectro para o sistema público, com 50% disso reservado à canais comunitários. Cria um Fundo Nacional de Comunicação Pública para apoiar a sustentabilidade das emissoras. Estabelece prazo de concessão de 10 anos para rádio e 15 anos para televisão, bem como clarifica uma série de regras para a renovação das mesmas. Também cria mecanismos para impedir a concentração dos meios, monopólios e oligopólios. Mas, não ultrapassa os limites da organização popular que temos hoje no Brasil. E que, nesse campo da comunicação, é ainda mais ineficiente. Assim, uma lei constituída sem a temperatura de uma grande mobilização popular, será sempre uma lei de “iluminados”, de sindicalistas que, muitas vezes, apesar de bem intencionados, estão atrelados a políticas de governo, ou há tanto tempo nas estruturas de entidades e ONGs que já perderam a capacidade de auscultar as demandas populares. Essas demandas vez ou outra afloram nas atividades de rua, como se pode perceber nas importantes “jornadas de junho”, em 2013, onde nas reiteradas passeatas de protesto sempre apareciam cartazes com o “Fora Globo”, ou “Abaixo o monopólio da comunicação”. E, nessas mobilizações também aconteceram emblemáticas queimas de carros de veículos de imprensa e agressões verbais a jornalistas das grandes empresas comerciais, identificadas como “enganadoras da opinião pública”.

É importante salientar que a crítica que se faz aos limites das propostas em andamento não significa dizer que não devamos apoiá-las, sejam as que estão em debate no Congresso Nacional quanto fora dele a partir das entidades já citadas (o FNDC e Intervozes). Nem que devamos ficar imobilizados por conta de que não temos as condições objetivas de constituir um projeto de lei que realmente mexa nas estruturas. O que quero dizer é o contrário. Há que mobilizar-se, há que levar esse debate para o terreno popular, massificar a discussão. Cada sindicato tem sob seu foco comunicacional milhares de pessoas. Se cada um deles começar a discutir o processo comunicativo, o sistema de dominação da mídia, as propostas de mudanças, o tema vai encarnando na vida e, se uma lei com esse conteúdo for a votação, poderá mobilizar e avançar nas propostas. Até porque a conformação do Congresso Nacional brasileiro não é muito favorável a uma transformação profunda no setor, uma vez que o número de parlamentares ligado ao setor é bastante expressivo (ver no sítio www.donosdamidia.com.br quem são os políticos que detêm o controle dos meios de comunicação. Alguns deles chegam a ter sob seu comando mais de sete empresas do setor). Esse é um longo trabalho e exige muito mais do que a discussão apenas da comunicação. Exige o debate sobre o país, sobre a forma de estado, sobre o modelo de organização da vida.

O tamanho da mobilização por uma mudança geral é que vai dar a verdadeira dimensão dos avanços que podemos ter nesse campo específico, da comunicação. E aí, o exemplo é a Venezuela. Se a Lei Resorte é, sem dúvida, a lei mais avançada e a que mais dá poder à população, às comunidades organizadas, é porque, lá, no período pós-golpe, foi o momento de maior organização e participação popular. Então, o que podemos apontar é que essa é uma luta grande, difícil, mas não impossível. Depende daqueles que estão nos movimentos, e do caminhar da história, a construção das condições que nos permitam o maior avanço possível.

Referências bibliográficas

ARGENTINA. Ley de Servicios de Comunicación Audivisual, de 10 de octubre de 2009. Disponível aqui, acesso em: 16 ago.2014.

EQUADOR. Ley orgánica de comunicación, de 13 de junio de 2013. Disponível aqui, acesso em 14 ago.2014.

OLIVEIRA, Oscar. Entrevista à autora. Disponível aqui, acesso em 30 ago.2014.

SILVA, Carlos Eduardo Lins da. O adiantado da hora: a influência americana no jornalismo brasileiro. São Paulo: Summus, 1991

SILVA, Ludovico. A mais-valia ideológica. Florianópolis: Insular, 2013

VENEZUELA. Ley de Responsabilidad Social en Rádio y Televisión, de 7 de diciembre de 2004. Disponível aqui, acesso em: 18 ago.2014

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Elaine Tavares é jornalista