Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo declaratório e a escolha dos protagonistas

Adotando uma prática que privilegia o comodismo, sob a batuta do direcionamento da informação, os meios de comunicação, de maneira geral, estão infestados pelo chamado jornalismo declaratório. É quando os diversos veículos esquecem voluntária (ou involuntariamente) a investigação, que deveria ser o motor de qualquer notícia/reportagem, e se entregam ao “ele(a) disse…”. Tal prática é nociva ao bom jornalismo, pois, em vez de informar, dá ao público, não a apuração correta dos fatos, mas sim, a visão de um determinado grupo de pessoas sobre determinado assunto, confundindo mais ainda a cabeça do leitor, ouvinte e/ou telespectador.

Alguns fatores explicariam essa movimentação da mídia. Entre eles estariam o enxugamento das redações e o acúmulo de funções por parte dos jornalistas, a própria inexperiência dos repórteres (cada vez mais jovens), a ideia de que contrapor opiniões, por si só, garante uma informação imparcial (como se isso pudesse existir) e, principalmente, a própria intenção dos veículos de comunicação de dar voz a alguns personagens eleitos como protagonistas de determinada área.

Na política, esse protagonismo direcionado e o jornalismo declaratório são bastante notórios. A mídia dá voz a determinadas figuras e tudo o que elas dizem são manchetes automáticas. Um exemplo é o que virou o senador e candidato derrotado à Presidência da República, Aécio Neves. Muito do que ele fala, comumente puro choro de quem perdeu a eleição, tem amplo destaque nos meios de comunicação. E mais: ele agora é quase como um comentarista político de diversos jornais.

A internet como contraponto à grande mídia

Pior ainda é a voz amplificada dos chamados delatores de esquemas de corrupção, sendo o da Petrobras o mais evidente. Qualquer declaração é levada aos noticiários sem a mínima apuração, sujando a reputação de muita gente e criando um clima de perseguição política prejudicial ao andamento da democracia.

A questão é que os meios de comunicação ainda têm alguma credibilidade perante o público. Os personagens que são destacados nesses espaços ganham notoriedade e, por consequência, legitimidade junto às massas. E é aí onde mora o perigo: nota-se uma espécie de formação de um coro, composto por esses protagonistas escolhidos pela mídia, que incita um sentimento de golpismo nas pessoas.

E o passado não muito distante do Brasil nos mostra que esse jogo já foi jogado. Vide o clima criado pelos grandes meios de comunicação para o golpe militar de 1964. O grande diferencial nos dias de hoje é mesmo a internet com toda a disposição de liberação do polo emissor da informação. No ambiente online, outras vozes são ouvidas e ecoadas, através de sites, blogs, redes sociais etc. É um contraponto ao que a grande mídia escolhe pautar, embora ela influencie fortemente o que é postado, comentado, discutido e compartilhado nos espaços já citados.

Ainda é uma disputa favorável aos grandes meios de comunicação, mas a tendência, com a popularização e o avanço da tecnologia, é que as pessoas atentem para o fato de que elas próprias podem se tornar vozes a serem ouvidas e prestar atenção em opiniões diversas àquelas impostas pelos veículos tradicionais.

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Raul Ramalho é jornalista