Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A ‘autonomia’ do ministro da Fazenda e o interesse da mídia

Os jornais, sites de notícias e a imprensa em geral repercutiram no período final das eleições presidenciais deste ano o debate sobre a autonomia ou independência do Banco Central. A autarquia governamental responsável por, entre outras medidas da política monetária, subir ou baixar a taxa básica de juros Selic, deveria ter independência formal da Presidência da República, conforme o candidato Aécio Neves (PSDB), ou determinada por lei, segundo a candidata Marina Silva (PSB).

Os contrários à medida defendiam que o BC mais desvinculado do poder político da Presidência da República ficaria mais suscetível à pressão política do mercado financeiro, que lucra com a compra de títulos públicos com rendimento balizado pela taxa de juros. Os favoráveis argumentam que a autarquia ficaria longe de interesses políticos, como imprimir mais papel moeda, o que gera inflação, para gastar com ações eleitoreiras. A candidata a favor – mas criticada por não colocar isso em prática – de apenas uma autonomia formal foi eleita em outubro com 51,6% dos votos válidos do eleitorado.

Agora notícias e colunas de articulistas e blogueiros debatem uma possível “autonomia” de Joaquim Levy, o próximo ministro da Fazenda de Dilma Rousseff (PT), ligado ao setor bancário e de perfil ortodoxo. Não se trata aqui de uma crítica a um ou dois órgãos de imprensa. Basta perder alguns minutos no Google para ver que o posicionamento é mais generalizado. [Jornalistas copiam o posicionamento de veículos concorrentes com medo de errar ou dar a notícia de modo diferente. A maioria das notícias de economia de portais da internet vem das mesmas agências de notícias, como a Reuters e a Estado.]

A questão é que o ministro da Fazenda é um empregado da presidente da República. A Fazenda é uma pasta que cuida dos assuntos econômicos para a Presidência. Articulistas da mídia, sem mais espaço para defender a autonomia do BC, agora questionam uma autonomia de Levy em relação a Dilma. A questão é que, se ele tem perfil ortodoxo, Dilma seria heterodoxa a favor do papel do Estado na economia e de menos influência do mercado financeiro.

O noticiário trata essa autonomia inexistente de um ministro à chefe, à qual é subordinado, como algo possível ou, quem sabe, necessário. É a tentativa de garantir uma ortodoxia na política econômica do governo.

Verdade absoluta

O estudo da economia, quando surgiu no século 17, era chamado de “economia política” [a doutora em jornalismo Paula Puliti, repórter de economia por anos na Agência Estado, fala sobre isso em seu livro O Juro da Notícia: “A economia é um campo novo de conhecimento, quando comparada à filosofia, à medicina, à astronomia e às artes da guerra, por exemplo. Sempre fora uma ciência muito mais social do que da natureza ou exata. A economia política, do século 17, dedicava-se a estudar as relações de produção entre capitalistas, proletários e latifundiários. Tem lugar cativo entre as humanas e somente se realiza como ciência se interagir com os conhecimentos que se interrogam a respeito do homem em sociedade. Pouco a pouco, porém, a partir do final do século 19, a denominação economia política, muito ligada a pressupostos éticos, foi sendo substituída por economia, usada por aqueles que buscavam abandonar a visão de classes da sociedade” (PULITI, 2013, p. 54)] e tinha como objetivo estudar a pobreza e a distribuição de renda. Hoje ela noticiada pela imprensa como algo relacionado ao mercado financeiro, repleto de números, estatísticas e indicadores econômicos [Paula Puliti também diz sobre a financeirização do noticiário: “Levou a informação econômica do noticiário para longe do leitor comum. Os cadernos de economia são os primeiros a serem descartados, inundados por uma terminologia muito específica, que nada diz ou acrescenta aos não-iniciados, como bolsa, câmbio, captação, mercado financeiro, swap, derivativos, risco-país, bônus, superávit primário, superávit nominal zero, equilíbrio fiscal, déficit em conta corrente, fluxo cambial e balança comercial. Pesquisa realizada em 2003 pela Ipsos-Marplan, divisão da Ipsos Brasil, mostrou que entre aqueles que haviam lido Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo ou O Globo nos sete dias anteriores à pesquisa, apenas 25% haviam lido o noticiário econômico. Os outros 75% deixaram de lado os cadernos de economia porque não entendiam o que estava escrito ali. Não viram relação do noticiário com seus cotidianos.” (PULITI, 2013, p. 29)].

A economia possui várias correntes de pensamento econômico. A ortodoxa, que defende questões como superávit primário (economia de dinheiro para pagar juros de títulos públicos vendidos ao mercado financeiro, em grande parte, a bancos) e rígido controle de gastos, é apenas um tipo de pensamento.

Encontramos pensamentos econômicos como o keynesiano, que defende uma interferência do Estado na economia para evitar crises econômicas, ou até o marxista, contrário à economia de mercado (capitalista).

Parte da imprensa, entretanto, cobra do governo o cumprimento de metas ortodoxas como se a melhor eficácia delas para a sociedade fosse uma verdade absoluta. Algo de uma ciência exata, e não humana, subjetiva e imprevisível, como a economia.

A imprensa, nestes casos, não funciona como um “quarto poder” e como uma defensora da democracia, ao informar os seus cidadãos. Funciona apenas como um negócio que defende interesses e pensamentos de um setor da sociedade.

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Arthur Gandini é jornalista