Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A barbárie da agenda nacional

A morte do João Hélio Fernandes Vieitis, de 6 anos tomou agenda nacional nos últimos dias. Revistas, jornais, redes de TV, este Observatório, incluindo o texto excelente de Muniz Sodré, deram grande destaque ao fato (ver Um grau além da violência).

Contudo, o que mais me chamou atenção na cobertura foi a entrevista de Fátima Bernardes, realizada claramente com intuito de utilizar o sofrimento dos pais do garoto com vistas a capitalizar o Ibope global, de modo que não contribuiu em nada para o aprofundamento do debate.

Valor diferenciado

Pensando em dar minha modesta contribuição para o debate, julgo que algumas questões merecem ser discutidas, já que este assunto é o tema da vez.

Uma primeira questão: será que é eticamente válido entrevistar pessoas sob forte abalo emocional? Será que este tipo de entrevista acrescenta ao debate, ou serve somente aos interesses comerciais das empresas jornalísticas?

Outra questão que acho fundamental discutir, sem relevar a barbaridade do crime cometido, é a repercussão que têm os crimes no Brasil dependendo da origem social de quem é a vítima ou de quem é o agressor. É claro que no referido crime, por suas peculiaridades, não restam dúvidas de sua ‘noticiabilidade’. O que quero salientar é que outras crianças, de outras origens sócio-econômicas e étnicas, também são vítimas de violência e não recebem a mesma atenção dos meios de comunicação. Então, a outra pergunta: teria a vida valor diferente dependendo da origem de seu dono?

Soluções simplistas

Quero chamar atenção ainda para uma terceira questão: a ausência total de solidariedade dos acusados para com a vítima. Isto se assemelha ao que o pai da sociologia, Émile Dürkheim, chamou de anomia, que vem a ser um estado social no qual os objetivos culturais desaparecem, os indivíduos não se vêem como membros de uma única sociedade, o que em última instância pode levar ao desaparecimento da própria sociedade.

Assim, esta seria uma possível explicação para a ausência quase completa de identificação entre agressor e vítima, uma ausência de empatia quase total. Só com este postulado é possível pensar que aqueles jovens andaram sete quilômetros pelas ruas do Rio sem parar, mesmo sabendo que havia alguém preso ao carro e sendo dilacerado no caminho. Aquele garoto não era um deles. O que percebemos é uma ausência de limites.

Penso ser importante que os meios de comunicação discutam isto e nos ajudem a buscar respostas para perguntas como: Que sociedade é essa que torna possível a existência de jovens com tamanha incapacidade de se colocar no lugar do outro? Que sociedade é essa que aniquila a maior parte dos jovens do ambiente educacional e daquilo que se convencionou chamar cidadania e espera, em contrapartida, solidariedade e compreensão? Que sociedade é essa que, diante da complexidade do crime, e em particular do crime praticado por jovens, clama pela redução da maioridade penal como panacéia para resolução de todos os nossos problemas relacionados à violência?

É preciso aprofundar a discussão, deixando de lado de antemão soluções simplistas, que desconsideram toda a complexidade dos fatos ora em análise.

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Antropólogo, mestrando em antropologia Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA