Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A cabeçada da Fenaj. Mais uma

Zidane tinha um motivo para derrubar o italiano Materazzi com a cabeçada que certamente entrará para a história. Foi ofendido, revidou. Sabia que seria expulso, não reclamou.


A cabeçada da Fenaj não tem justificativas nem desculpas. A ressurreição da proposta para a criação do Conselho Federal de Jornalistas não tem qualquer atenuante. É cabeçada de cabeçudos. Ao ignorar o repúdio nacional ao projeto anterior, a Fenaj apresenta-se à sociedade brasileira como um ente obsessivo, comandado pela vocação suicida, incapaz de revisões e autocríticas.


É verdade que a Fenaj acatou parcialmente uma sugestão deste Observatório no sentido de mudar o nome de seu coquetel Molotov, do então Conselho Federal de Jornalismo para Conselho Federal de Jornalistas. Mas cedeu à tentação autoritária ao adotar uma fórmula nitidamente corporativa e política. Prova disso é a opção bolchevique e hegemônica na pia batismal: Conselho Federal dos Jornalistas.


Território livre


A catastrófica reincidência retira os jornalistas da vanguarda da sociedade civil e os coloca na retaguarda, a reboque de interesses grupais, típicos de corriolas. Preocupados apenas com uma reserva do mercado profissional e inteiramente desatentos aos fantásticos desafios que se abrem diante das novas tecnologias, os camaradas da Fenaj dão o empurrão definitivo para que o jornalismo brasileiro esqueça seu glorioso passado e converta-se num afluente das assessorias de imprensa.


Nada contra as assessorias de imprensa, ao contrário: ajudam empresas e governos a se comunicar com a sociedade. Neste sentido são indispensáveis. Mas o verdadeiro jornalismo transcende à mera comunicação; a função do jornalismo hoje é ajudar o desnorteado cidadão contemporâneo a pensar, formar juízos e assim escapar do rolo compressor da comunicação massificada, deletéria, frívola, desumana. E geralmente capciosa.


A Fenaj alega que ao percorrer todas as instâncias legislativas submeteu seu projeto a um debate prévio. Mas este Congresso Nacional brasileiro representa o país real, o país da decência, ou apenas o país dos Severinos Cavalcantis, dos mensaleiros, dos sanguessugas e dos parlamentares-concessionários de emissoras de rádio e TV? O Congresso hoje é território livre dos lobistas e dos assessores. Os ‘representantes do povo’ que endossaram e aprovaram o novo figurino do CFJ representam apenas os seus próprios interesses e os de suas facções.


Despreocupação patronal


A Fenaj está tergiversando, sua argumentação beira a desfaçatez. É inconcebível que um grupo que fala em nome dos operadores do Quarto Poder tente se apresentar como defensor da qualidade do nosso jornalismo através deste minúsculo fóssil.


Não é o presidente da República quem deve vetar o esdrúxulo estatuto, é a própria Fenaj. Para recuperar um mínimo de credibilidade, para proteger-se e proteger o chefe da nação da pecha de autoritário que carrega desde o momento que endossou o abortado rascunho do CFJ.


O feroz bombardeio da grande imprensa contra o projeto pode ser visto como injusto, exagerado, mas não descabido. Os ‘patrões’ não são os únicos revoltados com a regulamentação. Os jornalistas também não a engoliram. Também os assessores de imprensa.


A Fenaj não percebeu que com seus delírios revolucionários confere legitimidade às ANJ, Abert & Cia. A maioria dos empresários e empresas de jornalismo do país não está minimamente interessada em melhorar os procedimentos e padrões da imprensa brasileira. Nem melhorar o nível informativo e cultural da nossa sociedade.


Graças à Fenaj conseguem se apresentar como anjos do bem.


[Texto fechado às 16h57 de 18/7; continua]