Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A cidade conflagrada

Os jornais de sexta-feira (7/6) descrevem, com imagens fortes, as cenas de violência ocorridas na véspera em São Paulo, onde manifestantes contrários ao aumento do preço das passagens de ônibus provocaram depredações e causaram grandes congestionamentos na região central da cidade.

“Caos, fogo e depredação”, destaca o Estado de S.Paulo. “Confronto e vandalismo”, registra a Folha. O Globo informa que, além da capital paulista, também houve protestos no Rio, em Natal e em Goiânia pelo mesmo motivo, organizados pelo Movimento Passe Livre.

Como sempre, há divergências quanto ao número de participantes: os porta-vozes do movimento contaram 3 mil pessoas, a Polícia Militar calculou a multidão em 2 mil pessoas no início da passeata e a Guarda Civil Metropolitana afirma que a aglomeração não passou de mil indivíduos. As imagens exibidas pela televisão e expostas nas redes sociais mostravam que, na Avenida Paulista, o grupo estava reduzido a cinco ou seis centenas de manifestantes. No Rio, segundo o Globo, duzentas pessoas caminharam da igreja da Candelária até a estação Central do Brasil, provocando no caminho interrupções do trânsito e entrando em confronto com a polícia.

As manifestações foram convocadas pelas redes sociais digitais, que até na manhã de sexta-feira ainda exibiam comentários e imagens, com debates exaltados.

O canal informativo GloboNews acompanhouao vivo grande parte da movimentação em São Paulo, documentando a caminhada pela Avenida Paulista, onde alguns dos participantes destruíram uma cabine da Polícia Militar, depredaram uma banca de jornais e deixaram sacos de lixo em chamas ao longo da pista.

As tomadas aéreas permitiam observar como um número relativamente reduzido de pessoas é capaz de paralisar as principais vias da maior cidade do país e agravar ainda mais a difícil situação do trânsito no momento da volta para casa.

Os jornais mostram estação do metrô com vidros quebrados, registram o pânico de transeuntes que tentaram se abrigar dentro de um shopping center e informam que a causa de tudo foi o aumento de 20 centavos na tarifa. Mas não discutem a questão central: o sistema de transporte público.

Catracas livres

Curiosamente, os jornais não trazem nas edições de sexta-feira a fartura de declarações de manifestantes que geralmente ilustram as reportagens sobre eventos que conturbam a cidade. O movimento é definido genericamente como uma iniciativa de universitários e estudantes secundaristas, embora tenha sido identificado entre eles pelo menos um sindicalista, presidente do Sindicato dos Metroviários.

Nas redes sociais, o movimento Passe Livre, que defende o transporte coletivo grátis, ensina como enfrentar a polícia e como se prevenir contra o efeito do gás lacrimogêneo e do gás pimenta. Interessante notar a preocupação dos organizadores em definir seu perfil ideológico. Em sua página no Facebook, fazem questão de afirmar que o material “não foi feito por nenhum coletivo burguês-estudantil e sim por anarquistas insurrecionários”.

Pela rede social pode-se acompanhar os relatos de manifestantes, provavelmente feitos de seus smartphones, ao mesmo tempo em que parte dos usuários critica os atos de vandalismo, enquanto outros lamentam ter que trabalhar ou estudar e não poder participar do movimento. A página também contém informações sobre o sistema de transporte de São Paulo, mostrando tabelas de subsídios pagos pela Prefeitura a um consórcio de ônibus que é campeão de multas e irregularidades.

O material contido nas redes sociais digitais é mais extenso e mais diversificado do que as reportagens dos jornais, embora, por motivos óbvios, menos organizado. Por ali se pode observar que a causa é considerada justa pela maioria das pessoas que manifestam suas opiniões, mas há também uma condenação geral aos atos de vandalismo.

O Passe Livre, que tem grupos organizados em várias cidades do país, se apresenta como um “movimento social autônomo, horizontal, independente e apartidário que luta por um transporte público gratuito e de qualidade, sem catracas e sem tarifa”.

Os jornais poderiam ajudar o leitor a formar uma opinião sobre essa proposta, que já foi tentada como política oficial quando Luiza Erundina era prefeita de São Paulo. Na ocasião, a imprensa apoiou o lobby das empresas de ônibus, e muitas perguntas ficaram sem resposta.

Quanto custa subsidiar as frotas de empresas privadas? Quanto custaria liberar as passagens? Existem experiências como essa em outras cidades? Qual seria o efeito do transporte gratuito sobre a economia?

Algumas planilhas poderiam ajudar os cidadãos a entender o que há por trás do custo do transporte público.