Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A crise e a cadeia alimentar

O tema que mais se comentou nas últimas semanas foi a crise mundial e seus reflexos na economia brasileira. Enquanto grandes jornais como Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo trazem as notícias geralmente da macroeconomia, sem se ater muito com a população em si e o que acontece no bolso do povo, cabe aos jornais menores e regionais decifrar essas mensagens e as entrelinhas dos atos do governo.

Há algum tempo venho observando o caderno de Economia do Estadão, mas sempre me ative só a rápidos olhares pelos títulos e o assunto dos colunistas e editorial próprio. Não saberia dizer se é uma novidade, mas com toda essa movimentação da crise econômica e o forte reflexo nas indústrias do ramo automobilístico e de autopeças, notícias que envolvem o dia-a-dia do trabalhador ganhou espaço considerável das páginas que, não é ousado dizer, mais influenciam no bolso e na vida da população.

Estas semanas foram marcadas por mais demissões e discussões entre federação, sindicatos e organizações pró-trabalhadores e patronais. A redução da jornada de trabalho está sendo um dos temas mais discutidos para se evitar crise e no meio dos atritos (leves) entre chão de fábrica e administração. Nessa história, é possível perceber um governo que está tentando encontrar soluções para o caso, mas se vê amarrado.

O ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, havia falado em retaliações às empresas que demitissem sem estar com as contas no vermelho. Não viu caminhos para puni-las. O jeito seria inverter a situação e fornecer incentivos para que não aumentassem o número de desempregados na praça.

Traduzir as medidas do governo

Uma das medidas que foi vista até com bons olhos por empresários foi a redução de um ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic. O Conselho Político Monetário, o tão falado Copom, surpreendeu as expectativas ao aprovar o maior corte em cinco anos quando se esperava uma redução entre 0,5 e 0,75 ponto. A forma como a notícia chegou, pelo menos pelos meios impressos, foi indiferente. Ok, a taxa foi reduzida, e eu com isso?

Economistas e especialistas avaliaram em suas colunas que só a redução não seria suficiente para afetar a vida da população. A bola foi jogada para os bancos e financiadoras que deveriam abrir mão dos juros exorbitantes que cobram nos seus principais produtos: cartão de crédito, crédito pessoal e financiamento de casas e veículos. No editorial do caderno de Economia do Estadão do dia 24 de janeiro, a atuação dos bancos foi considerada como uma ‘reação demagógica’ quando os eles justificaram a ação tímida frente à redução da Selic com dados da inadimplência e do spread bancário – diferença entre a taxa de captação e aplicação das suas verbas.

Uma das críticas mais freqüentes ao jornalismo econômico é o ‘economês’, a linguagem com que as notícias da área são transmitidas para os leitores. Ao ler o caderno é evidente o seu público-alvo, sem medir esforços para disfarçar, sendo que nem é preciso isso. Enquanto as estatísticas mostram que o número de jornais está crescendo no país, o que revela que a demanda pela informação está aumentando na mesma proporção, a forma como a mensagem chega até os leitores continua complicada.

É nessa hora que as discussões sobre jornalismo regional vêm à tona. Compete, sim, ao jornalismo regional, informar de forma mais clara a população e ser um tradutor das medidas e ações do governo e qualquer outra instituição ou entidade. Mostrar a importância de tudo isso para quem vive longe da capital das decisões políticas é o papel desse jornalismo.

Redução de taxas

E quando deparamos com uma notícia como essa da redução da taxa, o leitor deve ficar a ver navios e se pergunta o que ele tem a ver com isso. Em entrevista ao Jornal de Limeira, interior de São Paulo, a economista Rosângela Cristina de Carvalho Pereira, coordenadora do curso superior da mesma área do Isca Faculdades, explica a complexidade da economia e todo o processo para essa baixa do juros e os reflexos na população.

Após ver no jornal a visão dos empresários da cidade, propusemos uma pauta para ver como isso afeta quem realmente move a economia do país. A matéria, intitulada ‘A queda do juro e seu bolso‘, trouxe informações interessantes com as explicações da professora.

Nós, que somos leigos sobre economia e suas relações, nem imaginamos como é complexo esse sistema. Na entrevista que a professora concedeu por telefone, que mais parecia uma aula, é possível se perder facilmente no caminho todo cruzado que são as causas e conseqüências da redução dos juros. O que mais se ressalta é o cuidado que o governo tem na hora de aprovar um corte como o que foi feito. Pelas palavras de Rosângela, fica evidente que tudo é uma reação em cadeia. Ela disse que o governo não poderia aprovar um corte maior que um ponto percentual porque afetaria diretamente a inflação no país.

A redução de um ponto ajuda a reduzir as taxas dos bancos e financiadoras, como já mencionado. Não é difícil de entender depois que acendem a luz. Com mais crédito para a população e melhores condições para financiar carros e casas, o consumo da população aumenta. Com o consumo aumentando, a demanda por produtos também aumentaria. As indústrias, no entanto, poderiam não dar conta dos pedidos. Resultado, inflação. Ou seja, preços altos.

Queda drástica na coleta de papel

Depois de lembrar das aulas de jornalismo regional na faculdade, volto mais alguns anos e relembro as de biologia no primeiro colegial. Tema da aula, ecologia e a cadeia alimentar. Transferindo essa aula de início de ensino médio para a situação em discussão, tudo está diretamente envolvido quando se trata da crise.

Enquanto as perspectivas seriam de inflação se o corte do juros fosse grande demais e de um aquecimento na economia com a mesma medida do Copom, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o consumo no varejo caiu 0,7% comparando dados de novembro e outubro.

Lembra daquele desenho nos livros de ciência que o sapo come o gafanhoto, a cobra o sapo e a águia a cobra? Pois bem, recentemente a empresa Papirus, em Limeira, demitiu 47 funcionários. O que uma coisa tem a ver com a outra? A empresa limeirense produz papel cartão utilizado nas embalagens de produtos do setor alimentício, vestuário e calçados. Com as dificuldades nas exportações, competição com importações e consumo baixo, a produção dessas três áreas da qual depende a empresa caiu. Consumo em queda, pedidos na produção também negativos. Quem revelou toda essa relação foi o diretor de Recursos Humanos, Antonio Pupim. Apesar de estar ligado aos patrões, e também usar o discurso do ‘não queríamos demitir’, o diretor foi claro ao expor que a produção na empresa caiu por conta dos fatores apresentados desde setembro do ano passado. A queda, se não me engano, foi na casa dos 20% na produção.

A crise é a águia, o consumo a cobra, as empresas o sapo e os trabalhadores os grilos. Mas a cadeia não pára ai. O grilo come grama. O Jornal de Limeira de domingo (25/01) e também o Jornal Nacional da Globo, alguns dias antes, trouxeram a notícia de que até os catadores de materiais recicláveis sofreram com a crise. Fomos entrevistar uma cooperativa de reciclagem na periferia de Limeira. No local, sete trabalhadores – deles, seis são mulheres – fazem a triagem do material que chega em caminhões de coleta da prefeitura. Se não bastasse a queda no consumo da população, a falta de incentivos para uma coleta seletiva, as escolas ainda estão de férias, o que reduz drasticamente a renda deles.

Tentativa de redução da jornada

Uma das catadoras, que administra as notas da cooperativa, disse que já conseguiram faturar cerca de um salário mínimo cada um, com a venda dos materiais. No local, tudo que é separado é vendido e o montante dividido por todos que atuaram no processo. Em dezembro, as vendas renderam R$ 170. Dividir isso por sete e passar as festas de fim de ano não deve ter sido muito fácil. Inclusive, a mesma catadora ainda diz que nem festas tiveram. ‘O lixo não pode parar’, comentou ela.

O problema de tudo isso está mais uma vez nas empresas. O ramo de autopeças e automóveis compra ferro e alumínio. Com as inúmeras demissões e contenções de gastos que as grandes e médias empresas estão tendo que adotar, o valor de revenda do material reciclado caiu, e muito. Antes, pagava-se R$ 3,50 por um quilo de alumínio; hoje, o preço caiu para R$ 1,50.

Outro ponto que foi levantado também foi a questão da pirataria e a influência nas vídeolocadoras. Até aí, nada parece ter relação com tudo o que já foi exposto até aqui. O curioso é que todos estão usando a crise como desculpa ou justificativa. Em entrevistas para a matéria sobre a venda de cópias ilegais de filmes e o fechamento das vídeolocadoras, um dos proprietários de loja do ramo disse que o número de locações caiu nos últimos meses. Por conta de quem? Claro, da crise. Com os cortes dos gastos pessoais, as pessoas cortaram a locação de filmes por considerarem um luxo, uma coisa supérflua.

Nas primeiras semanas de janeiro, a multinacional TRW Automotive, também em Limeira, demitiu 80 funcionários da linha de produção. A ArvinMeritor e o Sindicato dos Metalúrgicos tentaram negociar a redução de jornada de trabalho para evitar dispensa de funcionários.

Demite aqui, emprega ali

Os sindicatos das classes conversam com as empresas para tentar acordos ou pelo menos garantir benefícios. A única em que não é visível uma solução é a TRW, que demitiu e pronto. Apesar de (mais uma vez) ir contra a vontade dos administradores da empresa dispensar o pessoal qualificado, não há muito o que negociar para reverter a situação. Pelo menos parece que não há.

Em entrevistas com sindicalistas dos Metalúrgicos e do Papel e Papelão de Limeira, um deles comentou que greves e manifestações nesse ponto estão descartadas. Não seria nem falta de solidariedade e companheirismo, mas sim, medo da situação. Um funcionário de uma das empresas relatou há algumas semanas que quem abrir a boca contra é demissão na certa. Vai querer discutir? ‘O pessoal do Sindicato têm o trabalho garantido, por isso eles não ligam para os demais trabalhadores’, reclamou a parente de um dos trabalhadores.

Ainda dentro de toda a reação em cadeia, o governo também anunciou um pacote para a área de habitação e incentivos para a construção civil. Entre as medidas estariam a redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e facilidades de crédito pela Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para construções e reformas.

A economista Rosângela Pereira, em outra aula-entrevista, comentou que a construção civil é considerada o termômetro da economia. O presidente do Sindicato da Construção fez coro com a profissional e disse que ‘quando a construção vai bem, várias outras áreas vão bem, entre elas cerâmica, área de madeiras, químico e outras’. Incentivo à construção é aquecer o consumo. Além disso, o setor é um dos que mais emprega. De acordo com dados da Câmara Brasileira das Indústrias de Construção (CBIC), o setor ficou em primeiro lugar entre 26 subsetores da economia na geração de emprego ano passado.

O que é interessante é que num momento em que vários trabalhadores estão sendo demitidos das linhas de produção das empresas, o governo anuncia os incentivos para aumentar ainda mais os canteiros de obras por todo o país. Demite aqui, emprega ali e garante-se o aquecimento da economia…

******

Jornalista, Limeira, SP