Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A devastação da Amazônia e do bom senso

O noticiário recente sobre os números da devastação da Amazônia é mais uma demonstração da incapacidade, ou desinteresse da imprensa em tratar os temas realmente fundamentais neste começo de século. Ao lado dos conflitos originados no processo de globalização, de fundo religioso, econômico ou como resultado da expansão de guerras tribais remanescentes de milhares de anos, certamente o tema da defesa da biodiversidade – com a conseqüente mudança nas matrizes de energia e modelos econômicos de exploração dos recursos naturais – é um dos mais relevantes do nosso tempo. E a Amazônia, que tem 60% de sua área em território brasileiro, se coloca no centro dessa questão.


A sobrevivência da Amazônia está ameaçada, e não é pelas razões tradicionais – garimpeiros, madeireiros etc. Segundo o Greenpeace, nos últimos 35 anos a Amazônia Brasileira perdeu 17% de sua cobertura vegetal. O ritmo do desmatamento se acelerou a partir dos anos 80, com o avanço da pecuária, e vem sofrendo novo impulso há cerca de dez anos, com a expansão das áreas de plantio da soja. A pecuária e a produção de grão estão comprovadamente relacionadas à perda da floresta, e não há sinais de que essas atividades econômicas tenham resultado em benefícios para a maioria da sociedade brasileira.


Um modelo econômico baseado na exportação das chamadas commodities – produtos de baixo valor agregado, como minérios in natura e grãos –, além de ser concentrador de riqueza, representa uma verdadeira motoniveladora nas bordas da floresta: na visão de empreendedores ignorantes e irresponsáveis, sai mais em conta derrubar a mata do que recuperar as áreas degradadas que deixam para trás. Sai ‘mais em conta’ porque eles ficam com o lucro e dividem o prejuízo com o resto de nós.


Celebração do agronegócio


E o que a imprensa tem com isso? Tem que a imprensa nunca faz a conta certa dessa economia. Quase todo mês, a mídia faz a celebração dos grandes números do agronegócio, e omite o custo real para o País, que é remetido para as gerações futuras de brasileiros. Agricultores e pecuaristas que se valem da destruição do patrimônio natural que é de todos para obter seus lucros são bandidos e deveriam ter suas terras confiscadas, em vez de serem ungidos como heróis da mídia e ainda contarem com o benefício dos subsídios governamentais.


Durante os recentes debates sobre os números do desmatamento em 2007, divulgados com alarde pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e pela ONG Imazon, junto com o Ministério do Meio Ambiente, os jornais fizeram muito alarde sobre o anúncio de que a devastação havia se acelerado no último trimestre. No entanto, faltou a ligação entre o crime e suas motivações.


Faltou dizer, por exemplo, que há um conluio entre autoridades e produtores rurais em Estados como Mato Grosso e Rondônia para produzir o fato consumado da redução da cobertura florestal e assim justificar um novo contorno para a Amazônia Legal, excluindo esses territórios das áreas ‘protegidas’ por lei. Houve uma breve citação, mas fora de contexto, de uma relação direta entre o desmatamento e outros sintomas de ausência da autoridade do Estado nas chamadas novas fronteiras agrícolas: nos municípios campeões de desmatamento, principalmente no Mato Grosso, Rondônia e Pará, é onde são registrados mais freqüentemente os casos de trabalho escravo.


Esses municípios são também os mais violentos do País, segundo o Mapa da Violência divulgado semana passada pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana. Apenas O Estado de S.Paulo se demorou um pouco mais em observar essa coincidência, mas há um corte na imprensa que impede o leitor de relacionar os problemas sociais com o modelo econômico apoiado pela mídia.


Da mesma forma como o noticiário escandaloso sobre crimes de grande repercussão forma no cidadão comum opiniões pouco civilizadas sobre criminalidade e Justiça, a divulgação espalhafatosa de dados sobre a questão ambiental produz todo tipo de emoção, mas não ajuda a formar a consciência da população. Já se disse neste Observatório que a imprensa não se dispõe a fazer a crítica do sistema econômico. Apenas eventualmente se refere a suas mazelas, com abordagens fora de contexto. A questão crucial da preservação da diversidade biológica e do imenso patrimônio das nossas florestas não pode continuar motivando apenas manchetes indignadas.


A insanidade de alguns predadores precisa ser contraposta ao bom senso do interesse coletivo e de longo prazo. Em algum momento, a imprensa precisa começar a refletir sobre a necessidade de um modelo econômico que contemple o futuro de todos, e não apenas o lucro imediato de seus heróis sem caráter.

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Jornalista